Gado, plantio e floresta no mesmo lugar: sistemas integrados são usados em 17 milhões de hectares no país

Meta da Embrapa é chegar a 27 milhões em 2030

Por — Rio de Janeiro


Fazenda de um dos produtores da Associação Pantaneira de Pecuária Orgânica e Sustentável (ABPO) no Pantanal, mantendo a conservação ambiental e a biodiversidade do bioma, unindo florestas e gado Divulgação

Técnicas para aproveitar melhor o solo, uso de inteligência artificial, reflorestamento e projetos integrados entre agricultura, pecuária e floresta. É assim que o agronegócio no país vem investindo para se tornar mais sustentável e amenizar os impactos das mudança climáticas.

No Brasil, um dos principais produtores de alimentos do mundo, uma das iniciativas é o sistema integrado de agricultura, pecuária e reflorestamento (chamado ILPF), que permite aumentar a produtividade do solo sem crescimento de área plantada. A meta, diz a Embrapa, é passar dos atuais 17 milhões de hectares que usam esse sistema para 27 milhões até 2030. Hoje, são 29 iniciativas no país, diz Ladislau Skorupa, pesquisador da Embrapa Meio Ambiente. Ele explica que esse modelo permite o uso eficiente do solo durante todo o ano, de forma sustentável, com redução das emissões de gases de efeito estufa .

— O sistema também diminui riscos, uma vez que uma atividade pode compensar imprevistos de outras, como a queda na produção de grãos numa safra devido a irregularidades de chuvas. Isso pode ser compensada pela formação de uma pastagem de qualidade a ser oferecida no inverno. Além de aspectos ligados especificamente à produção, há proteção e conservação do solo e da água.

Mas Skorupa ressalta que existem desafios para aperfeiçoar o sistema, como a escolha das espécies arbóreas para compor os sistemas integrados levando em conta as especificidades de solo e clima das regiões brasileiras, o que é possível fazer com imagens de satélite para mapear as áreas.

— Os sistemas levam em conta, além de aspectos econômicos, a arquitetura das espécies e seu comportamento na integração com o cultivo da lavoura e a pecuária. Atualmente, o eucalipto compõe um grupo principal de espécies. Com as novas tecnologias, estamos testando alternativas, como babaçu e algumas espécies nativas do cerrado como baru e pequizeiro.

Coco e cacau juntos

Um dos exemplos de projetos integrados entre agricultura e pecuária é a Cocamar, cooperativa que atua no Paraná, em São Paulo e em estados do Centro-Oeste. Luiz Lourenço, presidente do Conselho de Administração da cooperativa, destaca os trabalhos desenvolvidos no Arenito Caiuá, região no Paraná de 3 milhões de hectares conhecida pelo solo de baixa umidade e temperatura elevada. O objetivo é recuperar áreas de pastagens degradadas e aumentar a rentabilidade do cultivo da soja:

— É preciso um bom trabalho técnico de apoio ao produtor, para criar conhecimento na área, permitindo a diversificação e intensificação de produção de grãos e carne onde há baixa produtividade.

A Pepsico, uma das maiores produtoras de alimentos do mundo, desenvolve um projeto desde 2022 em Petrolina, em Pernambuco, envolvendo a cultura de coco-verde que envolve a produção conjunta de cacau. Trata-se de uma área de 30 hectares de cacau plantados entre os coqueiros. Pela iniciativa, o cacau aproveita a sombra dos coqueiros para se desenvolver e, além disso, as culturas se beneficiam da matéria orgânica da queda de suas folhas, num modelo produtivo de agrofloresta, reduzindo o uso de insumos, como fertilizantes e água.

— O foco do projeto é promover a regeneração do solo, por meio do cultivo conjunto, com previsão de aumento na rentabilidade para os produtores de coco. É importante incentivar ações para melhorar a saúde do solo, sequestrar carbono e reduzir suas emissões, com técnicas para manter o solo com uma cobertura vegetal na entressafra, pesquisando variedades de plantas que capturam mais carbono e que serão incorporados ao solo — diz Ricardo Galvão, diretor de agronegócio da empresa.

Mickael de Mello, gerente de mudas da Symbiosis — Foto: Divulgação

O reflorestamento também ajuda a manter o ecossistema equilibrado. Bruno Mariani, fundador e CEO da empresa de gestão florestal e investimentos Symbiosis, está à frente de um projeto que vai plantar mais de 1 milhão de mudas em mil hectares este ano em Trancoso, na Bahia. O foco é preservar a Mata Atlântica, bioma que já teve mais de 80% do território desmatado e tem dois terços das cinco mil espécies ameaçadas de extinção. Com a iniciativa, diz ele, o cultivo das espécies funciona como base para a restauração, permitindo o reforço da fauna.

Segundo estudo da Symbiosis, que desde 2010 coleta, armazena e planta sementes de diversas espécies nativas brasileiras, há um potencial de reflorestamento de cerca de 40 milhões de hectares na Mata Atlântica. O projeto faz parte de um investimento de US$ 80 milhões que está sendo feito por Apple, a empresa de semicondutores Taiwan Semiconductor Manufacturing Company e a fornecedora de equipamentos eletrônicos Murata, que vêm investindo para reduzir suas emissões.

— As árvores trabalham em grupos, como uma rede. Elas são seres sociais que buscam se ajudar. Entre espécies distintas, suas raízes atingem profundidades diferentes do solo, cooperam entre si — explica Mariani.

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Marina Cançado, uma das idealizadoras da Brazil Climate Investment Week, que aconteceu na semana passada em São Paulo, diz que as mudanças climáticas se tornaram no pano de fundo de qualquer decisão de negócio e investimento:

— Tudo precisará ser repensado à luz da crise climática. Por um lado, precisaremos incorporar os riscos climáticos aos modelos de análise e tomada de todas as decisões. Por outro, o Brasil é internacionalmente reconhecido como o país mais bem posicionado para ser um hub de soluções climáticas para o mundo.

Segundo Marina, se o agronegócio tiver gestão de risco climático e incorporar práticas que gerem eficiência no uso de recursos e menos impactos ambientais, “temos tudo para contribuir para a segurança alimentar global de forma sustentável”.

O uso de bioinsumos é outra vertente da agricultura sustentável. Rodrigo Takegawa, executivo de Marketing da Corteva, diz que um dos focos hoje é a redução da emissão de carbono através da recuperação de áreas degradadas que foram transformadas em pastagens produtivas. Elas rendem mais por hectare e usam menos plástico no processo fabril. Para ele, é preciso fazer o manejo do pasto para aumentar a produtividade:

— A agricultura tem um papel preponderante para mitigar essas mudanças que causam impactos severos às lavouras e ao abastecimento de alimentos.

Agricultura regenerativa

O pesquisador da Embrapa Giampaolo Pellegrino, coordenador do Portfólio Mudanças Climáticas da empresa de pesquisa, diz que é preciso pensar no plantio de qualidade, com cobertura e redução da temperatura da superfície do solo e rotação de culturas, e em uma agricultura regenerativa. Sem deixar de lado o melhoramento genético, a biotecnologia e as ciências ômicas (conjunto de técnicas que auxiliam na compreensão das diferentes moléculas) entram no processo visando desenvolver culturas mais resistentes a temperaturas altas e secas.

— O Brasil tem diversidade de climas, biomas e relevos. Isso vai influenciar nas possibilidades de adaptação da produção de alimentos e sua distribuição no nosso território.

A Associação Pantaneira de Pecuária Orgânica e Sustentável (ABPO) já reúne 121 produtores de 158 propriedades na região Centro-Oeste. Para fazer parte dela, os produtores estão proibidos de usar produtos como ureia (para os animais e no solo), transgênicos, adubos e defensivos químicos.

Eduardo Cruzetta, presidente da associação, destaca a necessidade da identificação de espécies nativas de pastagens para fins comerciais, do balanço das emissões de carbono no processo produtivo e de estudo dos potenciais do Pantanal e de suas sub-regiões.

— Tudo isso combinado permite que a região tenha produção de carne e sirva de abrigo de boa parte das espécies da fauna brasileira.

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