A duas horas de carro de Riad, a capital da Arábia Saudita, fileiras de painéis solares se estendem até o horizonte. Apesar de possuir reservas de petróleo quase ilimitadas, o reino está investindo pesado na energia solar e eólica, em parte para manter uma posição de liderança na indústria energética — que é vital para o país, mas está mudando rapidamente com a necessidade global de reduzir emissões de carbono no combate às mudanças climáticas.
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Olhando para os 3,3 milhões de painéis fotovoltaicos que cobrem 36 quilômetros quadrados de deserto, Faisal Al Omari, CEO de um projeto solar recém-concluído chamado Sudair, diz estar orgulhoso de contribuir para a transição energética da Arábia Saudita.
Embora a produção de petróleo ainda mantenha um papel crucial na economia saudita, o reino está apostando em outras formas de energia. Sudair, que pode iluminar 185.000 casas, é o primeiro de muitos projetos gigantescos planejados para aumentar a produção de fontes renováveis, incluindo solar e eólica, para cerca de 50% até 2030 no país.
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Atualmente, a energia renovável representa uma quantidade insignificante da geração de eletricidade na Arábia Saudita. Analistas dizem que atingir essa meta extremamente ambiciosa é improvável, no entanto.
— Se eles conseguirem 30%, eu ficaria feliz porque isso seria um bom sinal — disse Karim Elgendy, analista climático do Middle East Institute, uma organização de pesquisa em Washington.
Mesmo assim, o reino está planejando construir fazendas solares rapidamente.
— Os volumes que você vê aqui não se vê em nenhum outro lugar, apenas na China — disse Marco Arcelli, CEO da Acwa Power, desenvolvedora saudita da Sudair e uma força crescente nas indústrias internacionais de eletricidade e água.
Os sauditas não apenas têm o dinheiro para expandir rapidamente, mas também estão livres dos longos processos de licenciamento que inibem esses projetos no Ocidente.
— Eles têm muito capital de investimento e podem agir rapidamente e iniciar o desenvolvimento de projetos — disse Ben Cahill, pesquisador sênior do Center for Strategic and International Studies, uma instituição de pesquisa em Washington.
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Até a Saudi Aramco, a joia da coroa da economia saudita e produtora de quase todo o seu petróleo, vê um panorama energético em mudança.
Para ganhar uma posição na energia solar, a petroleira saudita adquiriu uma participação de 30% na Sudair, que custou US$ 920 milhões (R$ 4,7 bilhões), o primeiro passo em um portfólio solar planejado de 40 gigawatts — mais que a demanda média de energia do Reino Unido — destinado a atender a maior parte das ambições do governo nessa área.
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A empresa planeja ainda estabelecer um grande negócio de armazenamento de gases de efeito estufa no subsolo. Também está financiando esforços para fabricar os chamados e-combustíveis para automóveis a partir de dióxido de carbono e hidrogênio.
Os cientistas da computação da Aramco também estão treinando modelos de inteligência artificial (IA), usando quase 90 anos de dados de campos petrolíferos, para aumentar a eficiência da perfuração e extração, reduzindo assim emissões de dióxido de carbono.
— A gestão ambiental sempre fez parte do nosso modus operandi — declarou Ashraf Al Ghazzawi, vice-presidente executivo de Estratégia e Desenvolvimento Corporativo da Aramco.
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Embora insista que o petróleo tem um longo futuro, a Saudi Aramco, atualmente a maior empresa petrolífera do mundo, parece também estar tentando sinalizar que não está presa a um passado poluente, a exemplo de outras empresas do setor pelo mundo, incluindo a Petrobras. Mas a saudita quer se mostrar mais como empresa de inovação e com preocupação ambiental.
Recentemente, a empresa convidou um grupo de jornalistas para uma apresentação de práticas verdes, como o uso de drones em vez de frotas de caminhões pesados para prospectar petróleo ou restaurar manguezais ao longo de costas tropicais para absorver dióxido de carbono. A Aramco diz que investirá cerca de 10% de seus investimentos em iniciativas de baixo carbono.
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Nos últimos dois anos, a Arábia Saudita instruiu a Aramco a reduzir drasticamente a produção de petróleo para 9 milhões de barris por dia, em linha com os acordos do grupo conhecido como Opep+. Na visão da Aramco, essas decisões — que têm componentes geopolíticos mais fortes — não são sinais de um consumo decrescente de combustíveis fósseis. Seus executivos insistem que a empresa continuará a investir em petróleo e gás natural. Esses combustíveis continuarão a “desempenhar um papel muito importante” até 2050 e além, disse Al Ghazzawi.
Parceria com a China
Algumas das iniciativas da Aramco provavelmente levarão anos para dar frutos, mas as condições já parecem maduras para a energia solar. A Arábia Saudita tem um sol intenso e vastas extensões de terra que podem ser povoadas com painéis solares.
Adicione-se a isso a relação estreita com a China, que está fornecendo grande parte do equipamento renovável, incluindo os painéis de Sudair, e “estão construindo a um preço muito baixo”, ressalta Nishant Kumar, analista de energia renovável e elétrica da consultoria Rystad Energy.
A Sudair, por exemplo, venderá sua energia a cerca de 1,2 centavo por quilowatt-hora, um recorde quase histórico na época em que foi acordado.
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— Eles sabem muito bem que a economia só pode ser eficiente se puderem continuar a aproveitar o custo cada vez menor da energia solar — disse Paddy Padmanathan, ex-CEO da Acwa Power, que agora é um empreendedor em energias renováveis.
O reino está apostando que a energia elétrica abundante e de baixo custo poderia atrair indústrias intensivas em energia, como o aço. A Acwa está ajudando a construir o que provavelmente será a maior usina do mundo para a produção de hidrogênio verde, com o objetivo de exportar para a Europa e outros lugares com custos mais altos.
O único problema, dizem analistas, é que a Arábia Saudita não está avançando tão rapidamente quanto poderia. Kumar calcula que pode alcançar apenas cerca de metade da ambiciosa meta de 2030 para instalações solares. A energia eólica está ainda mais atrasada. Um dos motivos: o governo não criou as condições que poderiam atrair empresas concorrentes que poderiam aumentar a produção, dizem analistas.
A Acwa, por exemplo, será fortemente confiável para atingir as metas ambiciosas de renováveis. "Achamos difícil ignorar os riscos operacionais e financeiros", escreveram recentemente analistas do Citigroup. A empresa está listada na bolsa de valores, mas 44% é de propriedade do Fundo de Investimento Público, o principal veículo de financiamento para as iniciativas do príncipe herdeiro Mohammed bin Salman.