Indústria do aço no Brasil teme alta de importações com nova regra da UE para limitar pegada de carbono

Norma taxa produtos com mais emissões de CO2 que seus concorrentes europeus a partir de 2026, mas não considera matriz elétrica limpa do Brasil. Siderúrgicas querem que país adote mecanismo semelhante

Por — Rio de Janeiro


Indústria siderúrgica é uma das afetadas por nova regra da UE que entrará em vigor em 2026 Berg Silva/Agência O Globo/Arquivo

O setor siderúrgico no Brasil teme que uma nova regra da União Europeia (UE), que vai entrar em vigor em 2026 e visa a evitar a entrada de produtos com alta pegada de carbono no bloco, acabe elevando as importações de aço aqui, acirrando a concorrência com o produto nacional. Por isso, quer que o governo brasileiro adote norma semelhante.

Nos primeiros quatro meses deste ano, o Brasil importou 1,747 milhão de toneladas de aço, 21,5% mais que em igual período de 2023. O temor da indústria é que essa trajetória de alta se amplie com a nova regra europeia.

Se o aço de outros países ficará mais caro entrando na Europa, a tendência é esses produtores bucarem outros mercados que não têm leis ambientais tão rígidas, como o Brasil.

Em abril, o governo brasileiro anunciou a elevação da tarifa sobre importação do aço, para conter o avanço das importações, especialmente de produtos chineses.

Mecanismo europeu de 'ajuste na fronteira' visa a evitar que siderúrgicas europeias transfiram suas fábricas para países com regras ambientais menos rígidas — Foto: Jair F. Coll/Bloomberg

A nova regra europeia se traduz no mecanismo de ajuste de carbono na fronteira (Cbam, na sigla em inglês), pelo qual os produtos importados pela UE terão de pagar uma taxa para entrar no mercado europeu, caso as emissões ao longo da sua produção sejam maiores que as dos concorrentes produzidos nos países do bloco.

A União Europeia estabeleceu a meta de reduzir as emissões de carbono em 55% em relação aos níveis de 1990 até 2030, e também alcançar a neutralidade de carbono até 2050. Para alcançar a sua meta a UE criou o Green Deal, uma iniciativa que propõe medidas para descarbonizar sua economia. Uma delas é o Cbam.

UE representa 8,3% das exportações de aço

A ideia é evitar o que os especialistas chamam de vazamento de carbono, ou seja, que as fábricas europeias transfiram suas instalações para países que não têm normas ambientais tão rígidas e, assim, possam continuar produzindo produtos com altas taxas de emissão de CO2. Com o Cbam, os produtos fabricados fora da UE terão de fazer o ajuste de fronteira e pagar pelas emissões.

Como isso tornará os produtos mais caros, a regra se torna uma barreira comercial. Se não quiserem pagar esse ajuste, as indústrias de outros países terão de implementar medidas para reduzir suas emissões.

Inicialmente, o Cbam será aplicado a importações de aço, minério de ferro, alumínio, eletricidade, fertilizantes e cimento. No caso do setor siderúrgico, as exportações para a União Europeia representaram 8,3% do total exportado em 2023.

"O mecanismo apresenta viés tarifário visando defender os produtores europeus da concorrência de produtos importados com maior pegada de carbono. Por se tratar de uma iniciativa, até o momento, unilateral da União Europeia, pode gerar o desvio do comércio de aço produzido com maior emissão de CO2 para outros países, inclusive o Brasil, caso o nosso governo não adote mecanismo similar", disse o Instituto Aço Brasil, por email.

Vantagem competitiva do Brasil é ignorada

Além de participar de consultas públicas na UE, o setor siderúrgico pleteia junto ao governo brasileiro que seja instituído mecanismo nos moldes do Cbam, para inibir o ingresso de aço no país com maior pegada de C02, e que seja criado um mercado regulado de carbono.

O instituto reconhece que as siderúrgicas perderão competitividade, especialmente porque no cálculo da pegada de carbono só são consideradas as emissões da fábrica, sem contar as fontes de energia.

Há três escopos que podem ser considerados para calcular emissões de CO2 de uma indústria: o que é emitido na fábrica (escopo 1), o que é emitido na geração de eletricidade usada nessa unidade (escopo 2) e o que é emitido ao longo da cadeia fornecedora (escopo 3).

— A ideia da UE com o Cbam é que suas empresas não tenham desvantagem competitiva em relação a concorrentes de outros países. Mas o Brasil tem uma matriz energética limpa. Se fosse considerado o escopo 2, o Brasil não estaria em desvantagem — diz Cornelius Fleischhaker, economista sênior do Banco Mundial.

O banco desenvolveu um índice para avaliar a exposição dos países ao Cbam. Ele considera entre as variáveis o volume exportado para o bloco e quanto seria pago para que esses produtos entrassem na UE. Os dados são de 2019.

Se consideradas as emissões do escopo 2, o Brasil estaria entre os países com aço mais sustentável do mundo.

Redução de emissões

"A EU não pretende reconhecer o fato de o Brasil possuir uma matriz energética muito mais limpa que a grande maioria dos países e que, portanto, a energia usada, por exemplo, na produção do aço no Brasil gera níveis muito mais baixos de emissões de CO2. Não obstante, as empresas siderúrgicas brasileiras, que exportem para a Europa, deverão se ajustar às regras estabelecidas pelo Cbam", acrescentou o Aço Brasil.

O instituto assegura que, independentemente do atendimento às regras da UE, a indústria siderúrgica vem adotado medidas de descarbonização . Entre 2020 e 2022, o setor reduziu suas emissões de 1,9 tonelada de CO2 por tonelada de aço bruto para 1,7 t CO2/t aço bruto, ante a média global de 1,89.

O instituto diz ainda que a produção de aço no Brasil responde por 4% das emissões de gases de efeito estufa no país, inferior à média de 7% dessas emissões na produção mundial de aço.

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