Poupança tem recorde de R$ 103,2 bi sacados em 2022, quase 200% em relação a 2021. Veja por quê

Foi a maior retirada de recursos das contas pelos brasileiros já registrada até hoje. Inflação e endividamento são apontados como os principais motivos

Por Renan Monteiro — Brasília


Brasil registra saque recorde de R$ 103,2 bilhões da poupança em 2022, aumento 191,5% sobre ano anterior. Infoglobo

As cadernetas de poupança perderam pouco mais de R$ 100 bilhões no Brasil em 2022, informou o Banco Central (BC) nesta quinta-feira. A retirada líquida (contabilizando depósitos e saques) foi de exatamente R$ 103,2 bilhões no ano passado, um recorde.

Segundo o BC, a cifra é 191,5% maior que o saque líquido de 2021, de R$ 35,4 bilhões. Além de quase três vezes o montante do ano anterior, a retirada de recursos da poupança foi a maior já registrada no país.

O Relatório de Poupança do BC apontou que, no ano passado, com exceção dos meses de maio e dezembro, todos os outros períodos mensais registaram mais saques que depósitos em contas de poupança. Contribuem para isso a alta da inflação, que reduz poder de compra, e o alto endividamento das famílias, além de maior acesso a investimentos mais rentáveis para formar reservas de emergência, como os títulos do Tesouro Direto, apontam especialistas.

— Em 2022, os saques foram maiores principalmente pelo aumento da inflação, que tem corroído muito os salários dos brasileiros, que acabam tendo que usar algum recurso que tem na poupança para complementar a renda e pagar as contas mensais — diz o economista Piter Carvalho, da Valor Investimentos.

Carla Beni, economista e professora da FGV, também avalia que a inflação e a queda no nível de renda estimulam a utilização recorde do dinheiro em poupança. O país herdou uma inflação de dois dígitos no começo de 2022 e até novembro, última atualização do IBGE, o aumento geral de preços ao consumidor acumulava alta de 5,90%.

Outra possibilidade para o resultado de 2022 é a própria rentabilidade comparativamente baixa desse tipo de aplicação:

— Outras operações seguras no mercado de renda fixa passaram a render mais do que a poupança. Esse é o grupo das famílias que não têm nenhuma necessidade especial de utilização do dinheiro e passam a entender que podem fazer aplicações com uma rentabilidade maior. No ano passado, a poupança rendeu 7,90% (com Taxa Referencial) e um título público (remunerado) pela taxa Selic rende 13,75% ao ano — diz Beni.

Resultado mensal

O resultado de 2022 considera o total de R$ 3,63 trilhões em depósitos na poupança, enquanto o acúmulo de retiradas ficou em R$ 3,73 trilhões. Assim, a poupança chegou ao número negativo de R$ 103,2 bilhões.

Já os meses de maio de dezembro, na contramão do restante do ano, tiveram saldo positivo em relação ao total depositado menos o total de saques, com os respectivos números de R$ 3,5 bilhões e R$ 6,2 bilhões.

— Resultados positivos na poupança no mês de dezembro são comuns e podem ser atribuídos à segunda parcela do 13º. Na primeira parcela, normalmente, as pessoas costumam gastar e consumir mais, deixando uma parte da segunda parcela como reserva — afirma a professora da FGV, Carla Beni.

Cenário para 2023

Na avaliação de Miguel Oliveira, diretor-executivo da Anefac, o pagamento de programas depositados em poupança, como auxílio emergencial durante a pandemia, tiveram baixo impacto para a retirada recorde de recursos.

— Os benefícios sociais, com a entrada de dinheiro em poupança, acabou contribuindo (para a poupança negativa), mas a base do saque recorde (...) tem a ver exatamente com o momento econômico — declara.

Para Oliveira, há uma tendência de continuidade no saldo negativo da poupança em 2023, com a inflação ainda elevada, sobretudo o aumento de preço na cesta de alimentos. Além disso, a atratividade de uma taxa de juros ainda altiva é outro estímulo:

— A Selic alta faz com que o rendimento em outros ativos acabem ganhando da poupança. A poupança hoje está até em uma situação melhor hoje, mas ela vinha perdendo até da inflação. Além disso, há um desemprego ainda elevado, baixo crescimento econômico, e dificuldades como queda de renda vão permanecer e vão levar as pessoas a retirar recursos da poupança — afirma.

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