Se as divergências entre os ministérios da Fazenda e do Planejamento são comuns e, em grande parte das vezes, precisam ser arbitradas pelo presidente da República, a expectativa para o futuro governo é que os embates entre os próximos titulares das pastas serão ainda mais intensas, não apenas pela diferença entre os perfis: o desenvolvimentista Fernando Haddad e a liberal Simone Tebet.
Ambos são presidenciáveis e farão o possível para ganhar projeção em suas atividades, de olho nas eleições de 2026.
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Simone Tebet assume o Planejamento nesta quinta-feira com um discurso de que o debate entre ela e Haddad vai enriquecer a agenda econômica. Ao ser anunciada para a pasta, semana passada, descartou o risco de conflitos com o novo ministro da Fazenda, brincando que eles se entenderiam por terem "origem libanesa".
Mas economistas e servidores da área econômica que passaram por vários governos ouvidos pelo GLOBO acreditam que divergências podem ocorrer. O lado positivo, para a maioria, é que pensamentos distintos em relação à economia brasileira são saudáveis e precisam ser debatidos internamente, com o Congresso e a sociedade civil como um todo.
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— Espero um embate entre dois futuros presidenciáveis. Os dois precisam trabalhar juntos, para além de suas divergências, cada um buscando fazer o melhor. Por outro lado, fica a dúvida: será que um não vai querer abafar o outro? O fiel da balança será o Lula — afirmou Carla Beni, economia e professora de política fiscal da Fundação Getúlio Vargas.
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Para ela, antes de se fazer qualquer avaliação mais definitiva, é preciso saber o que vai acontecer com o Planejamento — área que foi incorporada pelo Ministério da Economia do governo Bolsonaro. Será um órgão clássico, voltado apenas para o Orçamento? Como será a interação com os bancos públicos? Qual o peso na escolha de projetos de infraestrutura?
— Mas as visões diferentes podem ser algo bom. Ambos são pessoas educadas, democráticas e é preciso resgatar a boa política — completou.
Alessandra Ribeiro, da Tendências Consultoria, reforça que sempre houve divergências entre as duas pastas e concorda que, nesse caso, os impasses podem ser positivos. Ela destacou que é importante saber como será a formação da equipe de Simone Tebet que, pelo que se viu em sua campanha para a eleição de outubro, terão membros mais alinhados com a menor presença do Estado na economia.
— Ainda não temos clareza sobre qual será a linha a ser seguida. Apenas que Lula será o grande árbitro — disse a economista, acrescentando que outra pasta que será recriada, a do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, também terá um presidenciável em potencial: o vice de Lula, Geraldo Alckmin.
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Piter Carvalho, economista da Valor Investimentos, disse que Tebet ficará mais à direita, Haddad à esquerda, mas isso não será tão ruim, pois em um governo é normal haver pensamentos diferentes. Para Carvalho, o fiscal vai permear os primeiros anos de governo e o Congresso será fundamental para o êxito das medidas econômicas.
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Outro ator importante nesse cenário é o mercado, que precisa apoiar as ações da equipe econômica de Lula.
— A maioria do Congresso será de direita e, por isso, não vai ser fácil negociar com os parlamentares. Além disso, o governo Lula poderá ter, claramente, oposição no mercado financeiro. O importante é tornar as políticas públicas mais eficazes — enfatizou.
As divergências entre Planejamento e Fazenda fazem parte da história das relações entre os dois ministérios. No primeiro mandato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, o então ministro do Planejamento, José Serra, criticava seu colega da Fazenda, Pedro Malan, devido à condução dos gastos públicos e das políticas de juros e cambial.
Serra aumentou ainda mais o tom, quando deixou a pasta para assumir o Ministério da Saúde no segundo mandato de FHC. O ex-presidente teve que intervir pessoalmente em um impasse envolvendo o reajuste de preços de medicamentos, na época controlados. O Ministério da Saúde era contra e culpava os laboratórios por aumentos abusivos.
No primeiro mandato do governo Lula, o então ministro do Planejamento, Guido Mantega, desentendeu-se algumas vezes com o titular da Fazenda, Antonio Palocci. Em uma ocasião, o motivo do conflito era o setor automotivo: Mantega e o ex-ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, defendiam a queda do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de automóveis e Palocci era contra. A solução foi uma queda temporária de três meses.
No segundo mandato de Lula, foi a vez de Mantega, que assumiu a Fazenda, desentender-se com Paulo Bernardo, titular do Planejamento, que propunha um superávit fiscal menor, enquanto a Fazenda defendia um percentual maior.
Já no governo Dilma Rousseff, Nelson Barbosa, ex-ministro do Planejamento e da Fazenda, sempre teve um perfil mais desenvolvimentista — o que, normalmente, não é bem visto por setores do mercado financeiro. Barbosa divergia com seu antecessor na Fazenda, Joaquim Levy, sobre temas cuja questão era até onde se pode sacrificar o crescimento econômico por um aperto fiscal.