Dólar fecha em R$ 5,08, na maior alta desde novembro. Entenda por que o mercado reagiu mal ao arcabouço fiscal

Analistas criticam falta de punição em caso de descumprimento de metas

Por Victor Costa e João Sorima Neto — Rio e São Paulo


Painel de cotações da Bolsa de Valores de São Paulo Patricia Monteiro/Bloomberg

O texto final do arcabouço fiscal apresentado pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Congresso na terça-feira trouxe pessimismo ao mercado e levantou dúvidas entre os investidores. O dólar fechou nesta quarta-feira em R$ 5,086, na maior alta diária desde novembro do ano passado: 2,21%.

O teor principal da proposta já havia sido divulgado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, mas alguns detalhes conhecidos esta semana foram mal recebidos. Em particular, a previsão de que, em caso de descumprimento das metas previstas no arcabouço, o governo não vá incorrer automaticamente em infração da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

Analistas também viram com ressalvas a lista de exceções para despesas que não estarão sujeitas às travas para gastos, apesar de essas informações já terem sido apresentadas antes por Haddad. E se preocupam também com uma dependência excessiva, para que as metas sejam alcançadas, de um aumento de arrecadação, num momento em que a economia está desacelerando.

As críticas ao arcabouço dão o tom dos negócios no mercado financeiro. O dólar subiu 2,21%, negociado a R$ 5,0860, após atingir a máxima de R$ 5,0865. É a maior cotação de fechamento desde o pregão de 30 de março , quando a divisa encerrou a R$ 5,0972. É a maior alta diária desde o pregão de 10 de novembro, quando a moeda subiu 4,10%.

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-- O que mais incomoda é o fato de não haver mecanismos de enforcement que garantam o cumprimento das metas estabelecidas. Você tem na verdade uma carta de intenções e não um compromisso do governo em atingir as metas estabelecidas na medida em que ninguém vai ser responsabilizado se isso não ocorrer. Acaba diminuindo um pouco a credibilidade – disse o estrategista-chefe do Banco Mizuho, Luciano Rostagno.

Economistas avaliam que, ao isentar de sanções previstas na Lei de Responsabilidade Fiscal o descumprimento das metas do arcabouço, o novo marco fiscal perde força. Criada nos anos 2000, a LRF foi o argumento legal para o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.

— O governo ganha um poder de gasto muito maior, sem nenhuma contrapartida criminal. O mercado se assustou com essa falta de punição. Caberia ao Congresso corrigir, mas acho difícil que isso aconteça — diz Gabriel Meira, sócio da Valor investimentos.

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Ele lembra que, como previsto pelo governo, o arcabouço permitiria o descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal sem punição, num cenário diferente do que levou ao impeachment de Dilma Rousseff pelas "pedaladas fiscais".

Meira faz a ressalva, porém, de que mesmo o teto de gastos, regra fiscal vigente até agora, foi modificado várias vezes para que o governo não incorresse em crime de responsabilidade fiscal.

Economista e professor da Faculdade do Comércio (FAC-SP) ligada à Associação Comercial de São Paulo, Denis Medina também avalia que o texto enviado ao Congresso precisa ser ajustado pelos deputados e senadores para que não haja um descumprimento contínuo da meta de resultado primário sem punição.

Na prática, explica o economista, ao criar uma nova regra com o arcabouço, o governo coloca um conflito com a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) atual, que é explícita em dizer que, ao não cumprir a meta fiscal estabelecida, o governo está infringindo a Lei de Responsabilidade Fiscal.

— Ao estabelecer uma outra estrutura fiscal com o arcabouço, dizendo que não há punição se não cumprir a meta de superávit primário, o governo cria um conflito com a atual LDO e cabe ao Congresso fazer esses ajustes. Se em dois anos, por exemplo, não cumprir a meta, não se pode permitir que não haja punição já que isso infringe a Lei de Responsabilidade Fiscal — explica Medina.

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