Alterações de última hora feitas no projeto do arcabouço fiscal pelo relator Cláudio Cajado (PP-BA), aprovadas na terça-feira pela Câmara dos Deputados, no texto-base que estabelece as novas regras para as contas públicas no Brasil, obrigarão o governo Lula a aumentar ainda mais a arrecadação com impostos em 2024 ou a pisar no freio do aumento de gastos no próximo ano.
Isso significa que será preciso um incremento na receita com impostos acima dos R$ 120 bilhões inicialmente estimados. Com a conclusão da votação dos destaques nesta terça-feira na Câmara, o texto segue agora para o Senado, que promete dar celeridade ao projeto que estabelece novas regras de controle das despesas públicas no lugar do atual teto de gastos.
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No entanto, analistas de mercado ainda têm dúvidas se o novo arcabouço é suficiente para dar previsibilidade à trajetória da dívida pública.
Sócio da Inove Investimentos, João Pedote destaca que o mercado já precificava a aprovação do arcabouço, o que era refletido no movimento recente de queda de juros futuros e de valorização do real frente ao dólar.
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— Algumas alterações no relatório como a parte dos gastos de 2024 foram positivas, mas nada tão relevante. O arcabouço traz um vetor positivo para o dólar, mas temos que lembrar que a moeda americana vem perdendo força no mundo, por causa de uma possível perda de força da economia dos Estados Unidos.
Impacto positivo na Bolsa
O operador de renda variável da Manchester Investimentos, Gabriel Mota, destaca que a aprovação do arcabouço pode abrir espaço para a continuidade do recente rali na Bolsa, dado o seu impacto positivo sobre os investidores.
Em maio, o Ibovespa, principal índice da B3, apresenta alta superior a 4%, movimento sustentado pela alta da Petrobras e de ativos descontados, e o dólar segue em patamares abaixo dos R$ 5.
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— A aprovação do arcabouço é uma boa sinalização, e o mercado vê potencial para redução na taxa de juros, mas deve-se lembrar que o mercado precifica antes. A projeção para corte de juros aumenta o apetite de risco para a Bolsa brasileira — diz Mota.
Em relatório sobre a aprovação do texto, o economista da XP Tiago Sbardelotto analisou que, “embora tenha reduzido o mínimo de investimentos e ampliado o alcance do contingenciamento, a proposta ainda deve permitir uma expansão significativa do limite nos próximos dois anos”.
'Não muda tendência de elevação da dívida'
Para o economista-chefe da Oriz, Marcos De Marchi, as alterações feitas pela Câmara foram marginalmente positivas. Ele cita o fato de que os gastos em 2024 não vão subir mais automaticamente em 2,5% em 2024, mas sim a depender da evolução da receita até junho deste ano, e que a correção dos investimentos não será feita pela inflação e sim seguindo uma proporção do PIB estimada para cada ano na proposta de lei orçamentária.
Mas ele observou que não é suficiente para conter a alta da dívida pública:
— Tivemos um arcabouço que foi aprovado com alterações pequenas e que não mudam a realidade de tendência de elevação do endividamento público nos próximos anos. A correção pelo PIB vai trazer um crescimento menor com esses gastos ao longo dos anos.
Queda de juros no segundo semestre
Parte do mercado tem a expectativa de uma redução dos juros no segundo semestre, mas o Banco Central (BC), em suas últimas comunicações, tem reforçado a importância da ancoragem das expectativas para que isso ocorra.
Além disso, o BC destaca que a fase atual no processo de desinflação do país é mais demorada, o que exigiria uma postura mais cautelosa. O Comitê de Política Monetária (Copom), responsável pela definição da taxa básica de juros (Selic), reconheceu o esforço positivo do arcabouço em suas últimas atas, mas ressaltou que não há uma relação direta entre a aprovação do arcabouço e cortes nos juros. Para ele, a aprovação do arcabouço não altera o cenário para a queda da Selic.
— Na prática, o BC precisa ver se a condução da política fiscal, incluindo a aprovação dessa semana, vai levar os agentes a revisarem para baixo a inflação esperada para os próximos anos. Acredito que nesse momento o mercado está mais focado na decisão sobre a meta de inflação — diz Ortiz.
Pedote, da Inove, avalia que com a parte fiscal ancorada, fica mais plausível acreditar em um corte na taxa básica de juros (Selic) pelo Banco Central, como quer o governo. Com a nova regra fiscal, ele acredita que isso tem mais chances de ocorrer entre o terceiro e quarto trimestre deste ano.
Mudança nas metas
Segundo o economista da Oriz, alterações como a busca por um horizonte de tempo mais longo para o cumprimento das metas de inflação, substituindo o ano-calendário, podem gerar efeitos menos negativos para o mercado.
— Se for isso seria uma boa notícia e ajudaria os juros futuros a recuarem ainda mais. É possível também a opção de elevar a banda de tolerância da meta, atualmente em 1,5%. Mas isso dentro do contexto de um BC autônomo e com meta mantida em 3,0% seria uma combinação positiva. Aí teríamos uma notícia importante que seria reconhecida pelo BC e poderia abrir espaço para o início do ciclo de corte de juros entre o terceiro trimestre e o quarto trimestre.
Após a aprovação do arcabouço, a atenção do mercado deve se voltar não só para as discussões sobre meta, mas também para temas como a precificação de combustíveis pela Petrobras, possíveis alterações em marcos regulatórios como o do saneamento, que teve as modificações realizadas pelo governo, derrubadas pela Câmara, e a reforma tributária.
— (A reforma tributária) será acompanhada de perto, e, nesse sentido, um dos focos de atenção será a construção de uma base parlamentar de apoio mais robusta. O governo ainda tem dificuldades em montar uma base sólida, e várias medidas provisórias que serão votadas nas próximas semanas servirão de teste para o executivo.