Compras na Shein, Shopee e AliExpress? Com ICMS de 17% e impostos federais, preço dos produtos pode quase dobrar

A ideia é que, antes de a mercadoria chegar, seja informado se o produto vai direto para casa do comprador ou se vai passar pela fiscalização da Receita

Por Renan Monteiro, Manoel Ventura e Ivan Martínez-Vargas — Brasília e São Paulo


taxação de importados - Shopee Bloomberg

O governo deu ontem mais um passo para fechar o cerco à sonegação de impostos por plataformas de e-commerce. Atendendo a um pedido da Receita Federal, o Comitê Nacional de Secretários de Fazenda dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz) determinou a adoção de alíquota uniforme de 17% de ICMS na importação de produtos por meio destas varejistas.

A medida era necessária para colocar em prática o plano de conformidade elaborado pelo Ministério da Fazenda e em negociação com as empresas. Os alvos são principalmente gigantes asiáticas, como Shein, AliExpress e Shopee.

A ideia do Ministério da Fazenda é criar uma plataforma digital de cobrança, tanto do imposto federal (Imposto de Importação) quanto do estadual (ICMS). O ICMS unificado para todos os estados irá facilitar esse processo. Atualmente, as alíquotas cobradas sobre essas compras podem variar de 7% a 37%, inclusive dentro do mesmo estado, a depender da categoria da compra.

Mas, como as plataformas não vinham pagando os impostos, do ponto de vista do consumidor, com a alíquota de 17%, os produtos ficarão mais caros. Considerando tributos federais e estaduais, o valor da compra pode quase dobrar.

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Uma primeira versão do plano de conformidade, com uma lista de ações, foi encaminhada para as empresas no mês passado. As varejistas, então, apresentaram sugestões e dados sobre a proposta. A adesão será voluntária, mas o governo está confiante de que irá conseguir colher assinaturas das principais empresas.

Há dois meses, o governo tenta tornar mais eficiente a fiscalização sobre as plataformas, um processo que começou com o debate sobre taxação de transações de até US$ 50.

A expectativa interna no Ministério da Fazenda é que a medida seja concluída e assinada depois do feriado de Corpus Christi. A pasta ainda acerta com os Correios os últimos detalhes do conjunto de ações. A empresa pública faz a entrada das mercadorias no Brasil.

Canal verde ou vermelho

Entre as medidas do plano está a determinação para que o site indique o valor total da compra, com tributos incluídos. A empresa deve se comprometer a respeitar leis brasileiras de proteção ao consumidor.

A plataforma de e-commerce que assinar o plano terá que preencher antecipadamente a declaração de remessa de um produto de fora vendido no Brasil e recolher o tributo devido. Assim, a empresa pagará o imposto ainda no exterior, não quando a mercadoria chegar ao país. Essa ferramenta está praticamente pronta e é de fácil execução, de acordo com integrantes da Fazenda.

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Com os dados em mãos, a Receita fará a gestão de risco enquanto o avião com as encomendas estiver a caminho do Brasil. A ideia é que, antes de a mercadoria chegar, seja informado se o produto vai para o canal verde (onde é liberado e vai direto para casa do comprador) ou vermelho (onde é fiscalizado pela Receita).

Atualmente, todas as remessas vão para um local de triagem, a maior parte delas em Curitiba. Com a nova sistemática, boa parte dos pacotes poderá ir direto para a casa do consumidor. Sem a necessidade de o produto passar por um entreposto de fiscalização, ele chegará mais rápido.

O diretor do Comsefaz, André Horta, explica que a cobrança de ICMS valerá para a importação em todas as plataformas digitais, independentemente da origem. Todos os estados estão aderindo à plataforma da Receita Federal com a perspectiva de que a regularidade tributária terá impacto positivo na arrecadação.

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— Com o programa, há expectativa de tributar próximo de 100% das operações, então a mudança de arrecadação é bem grande. Os estados só aprovaram uniformizar o imposto de 17% porque existe a conjunção com o imposto federal (de importação) — diz.

Horta diz que foi realizado um “acordo” político e o próximo passo é formalizar a decisão dos estados, por meio de convênio no Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), presidido pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

Como são cobrados os impostos

  • Imposto de importação: Cobrado pelo governo federal, a alíquota é de 60%. Mas incide não apenas sobre o valor do produto. No caso das encomendas on-line, em geral, considera o preço da mercadoria e o custo do frete. Por exemplo, numa blusa de R$ 20 com frete de R$ 8,67, o valor sobre o qual incide o imposto é de R$ 28,67. Aplicando-se a taxa de 60%, o tributo fica em R$ 17,20. Então, a soma já chega a R$ 45,88.
  • ICMS: Após a incidência do imposto de importação, é aplicada a alíquota do ICMS, que agora passa a ser unificada. Mas o tributo incide “por dentro”. Neste exemplo, considerando o valor de R$ 45,88, com alíquota de 17% de ICMS, pega-se a base de cálculo (no caso, R$ 45,88) e divide-se este valor por 0,83 (1-0,17). Então, o resultado final é R$ 55,28. Ou seja, no exemplo citado, os impostos quase dobram o valor pago pelo consumidor. Se antes ele pagaria só R$ 28,67 pela blusa, já considerando o frete, após o imposto de importação e o ICMS, ele passará a pagar R$ 55,28. Na prática, o importado custaria 92,8% a mais.
  • Compras de alto valor: Nos importados com valor que supera R$ 3 mil, não vale o Regime Tributário Simplificado (RTS), descrito até aqui. Nestes casos, está prevista a cobrança de vários impostos: IPI, Imposto de Importação, PIS, Cofins e ICMS.

Avaliação positiva

Para o presidente do Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV), Jorge Gonçalves Filho, a medida é positiva e vai no sentido correto, mas a alíquota única deveria ser de 21%, o que traria isonomia entre varejistas estrangeiras e brasileiras:

— Vemos como boa iniciativa ser uma alíquota única, especialmente para quem trabalha em mais de um estado e tem um trabalho significativo para se adequar quando as alíquotas são muito diferentes.

Para Guilherme Mercês, diretor de Economia e Inovação da Confederação Nacional do Comércio (CNC), a medida ajuda a eliminar distorções:

— A diferença de alíquotas gera esse problema, é um estímulo para que se busquem opções logísticas que não são necessariamente eficientes, mas que cobram menos impostos. É positiva a mudança.

Em nota, o Mercado Livre afirmou que “vê de maneira positiva os esforços em torno de uma alíquota unificada, acompanhando atentamente essa discussão, que ainda depende da adequação de todas as legislações estaduais”.

A empresa afirma que o segmento de compras internacionais “representa uma parte muito pequena do seu volume anual de vendas no Brasil, que respeita integralmente a legislação tributária vigente”.

O GLOBO procurou Shein e Aliexpress, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem. A Shopee não quis se manifestar.

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