Ex-ministro Guido Mantega não vai mais para a Vale. Entenda o caso

Reação negativa do mercado fez presidente Lula desistir de emplacar Mantega para o cargo de CEO


A decisão de desistir de ocupar um posto na Vale partiu do próprio Mantega, que teria ficado constrangido com a repercussão negativa Givaldo Barbosa/Agência O Globo

Com a reação negativa do mercado financeiro e dos demais agentes econômicos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva desistiu de emplacar o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega para o cargo de CEO da Vale, privatizada na década de 1990.

O governo não tem mais participação direta na mineradora e, por isso, tentava articular com acionistas uma saída para indicar o ex-ministro para a empresa — além do cargo de presidente, Mantega foi cogitado para o Conselho de Administração.

O presidente Lula só se convenceu de deixar a ideia de lado após alertas do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, de que o governo sairia derrotado. E depois de o próprio Mantega ter desistido de ocupar um posto na Vale.

Auxiliares de Lula disseram que o ex-ministro da Fazenda teria ficado constrangido com a repercussão negativa sobre sua indicação. Após ser informado da desistência, na manhã de ontem, o presidente então abortou o plano.

Incumbido da “missão” de negociar a entrada de Mantega na Vale, Silveira sinalizou a Lula que a insistência estava gerando uma “impressão ruim”, de acordo com integrantes do governo. O ministro colheu impressões no mercado, entre os acionistas, que não haveria espaço para a aprovação do nome do ex-ministro.

Como mostrou o colunista do GLOBO Lauro Jardim, Silveira telefonou para acionistas da empresa para pedir por Mantega. Numa dessas conversas, chegou a dizer que seria bom para a companhia ter alguém com trânsito no Palácio do Planalto.

Governo quer troca de CEO

Uma fonte disse ao GLOBO, sob condição do anonimato, que o presidente do Conselho da Vale, Daniel Stieler, também teria entrado em contato com o presidente Lula esta semana. Stieler seria o principal interlocutor do governo na alta administração da mineradora e teria mostrado ao Planalto que eventual indicação de Mantega para o cargo de CEO não seria aprovada pelo colegiado.

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Integrantes do governo afirmam esperar que a desistência de Lula seja entendida entre os acionista da Vale como um indicativo de que será preciso escolher outro nome como CEO , no lugar de Eduardo Bartolomeo, que ocupa o posto atualmente.

O governo não concorda com a manutenção de Bartolomeu. Auxiliares de Lula dizem, porém, que é possível que o atual CEO permaneça no cargo por mais um período “curto” para amainar o clima no mercado.

O governo tem alguma influência na Vale por meio da Previ, fundo de previdência dos funcionários do Banco do Brasil, que detém 8,7% das ações da empresa e duas cadeiras no Conselho de Administração. Para completar os votos, o governo precisa ter respaldo dos acionistas privados.

Em entrevista ontem, o Silveira disse que o governo não tentou fazer uma interferência direta na mineradora:

— O presidente Lula nunca se disporia a fazer uma interferência direta em uma empresa de capital aberto, listada em Bolsa, uma corporation, que tem sua governança e natureza jurídica que devem ser preservadas. O Brasil é um país que respeita contratos, tem regulação estável, temos dito isso o tempo todo.

O ministro, porém, fez críticas à gestão da empresa:

— Eu tenho críticas conhecidas e contundentes à gestão da Vale. A Vale precisa melhorar a sua gestão, a Vale precisa ter uma interlocução mais próxima com o governo. A Vale é uma empresa que é a segunda maior do país, tem que respeitar os interesses dos seus acionistas e do povo brasileiro.

Segundo uma fonte próxima à alta administração da Vale, houve reuniões do Comitê de Pessoas e Remuneração — formado por quatro dos 13 membros do Conselho de Administração — na quinta e ontem, mas um parecer sobre o destino do atual CEO ainda não foi entregue ao colegiado como um todo.

Uma reunião do Conselho está prevista para a próxima semana. Partes envolvidas no processo avaliam, no entanto, que uma decisão sobre a renovação do mandato de Bartolomeo, ou sua substituição, deverá ficar para fevereiro.

Ex-ministro da Fazenda, Guido Mantega — Foto: Divulgação

A política de sucessão da Vale preconiza que o processo de sucessão do CEO “deve ser iniciado entre 6 e 4 meses antes do vencimento do prazo de gestão (mandato)” do atual ocupante. O mandato de Bartolomeo termina no fim de maio, mas, segundo a fonte, haveria brechas para adiar a decisão final.

As regras de sucessão foram introduzidas após um reforço na governança da Vale, desde que a companhia se tornou uma corporação, ou seja, uma companhia aberta sem controle definido. A reestruturação societária, no fim de 2020, reduziu a influência direta do governo sobre a empresa.

De 1997, ano da privatização, até 2020, um acordo de acionistas acomodava os interesses de sócios privados com os do governo — que ficou com participações, via BNDES e fundos de pensão de estatais, com destaque para a Previ. Após a reestruturação, o BNDES zerou sua participação, e a Previ reduziu sua fatia para 8,7%.

Mesmo assim, a influência indireta é grande. Minas são concessões da União, e sua exploração depende de licenças estaduais. Ferrovias também são concessões, sendo a melhor forma de chegar aos portos, por onde boa parte da produção mineral é exportada.

Alívio e incredulidade

Um alto executivo do setor financeiro, que pediu para não se identificar, comentou que o anúncio da desistência de emplacar Mantega na Vale foi visto com um misto de alívio e incredulidade com a “ousadia” da manobra.

Para esse banqueiro, as pressões sobre a mineradora assustam o mercado e pioram a imagem do presidente Lula perante investidores. Mantega, além de não ter qualificação para comandar a companhia, é visto, pelo mercado, como responsável pela crise fiscal que levou o país à recessão entre 2014 e 2016, diz o executivo:

— O mesmo negacionismo de Bolsonaro com a vacina parece ter contagiado Lula em relação aos erros do PT.

Procurada, a Vale disse que não comentará.

Após a notícia da desistência, as ações da Vale aceleraram. Os papéis, que caíram 2,2% na véspera, começaram o dia no negativo, a R$ 67,91. Do início do ano até a última quinta-feira, a Vale perdeu R$ 38,1 bilhões, segundo levantamento do CEO da Elos Ayta Consultoria, Einar Rivero.

Mas ontem, já na primeira hora de negociação, as ações viraram para o positivo e fecharam a R$ 69,50, com ganho de 1,67%.

Leonardo Piovesan, analista da Quantzed, atribui a alta à saída de cena de Mantega:

— A entrada dele era um tanto improvável, já que o governo tem uma participação muito pequena na companhia, uma participação indireta via Previ. O nome enfrentava uma resistência muito grande na Vale.

Ramon Coser, analista da Valor Investimentos, diz que a notícia da desistência foi positiva:

— A ideia de o governo intervir, apesar de a Vale ser uma corporation, com capital pulverizado, não era bem-vista. Seria difícil o Lula emplacar o Mantega.

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