30 anos do Plano Real: derrubar a inflação foi crucial para reduzir a miséria no país

Para analistas, próximo passo é erradicar a pobreza, o que vai exigir avanços na educação e crescimento sustentável

Por — Rio de Janeiro


Estabilização da moeda deu mais potência às políticas de transferência de renda e de valorização do salário mínimo William de Moura / Agência O Globo

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GERADO EM: 01/07/2024 - 04:00

30 anos do Plano Real: Redução da miséria e desafios

O Plano Real completou 30 anos e foi crucial na redução da miséria no Brasil. Controle da inflação impulsionou políticas sociais, mas desafio agora é erradicar a pobreza com avanços na educação e crescimento sustentável.

Em 1993, 38,9% da população viviam na miséria. O primeiro golpe na pobreza extrema no país aconteceu há 30 anos, quando o Plano Real, implementado em 1994, conseguiu derrubar a inflação de maneira definitiva, com efeitos diretos na pobreza. Em 1995, ela havia sido reduzida a 32% sem voltar a subir. Um fenômeno bem diferente do que ocorreu com os pacotes econômicos anteriores. No Plano Cruzado, em 1986, o indicador de miséria até caiu à metade, mas pouco tempo depois voltou aos patamares anteriores.

— O Plano Real fez a pobreza descer ladeira abaixo, caiu e não voltou. Um efeito inesperado. Mesmo com as crises asiática, russa e argentina (crises cambiais dos anos 1990), a pobreza continuou no mesmo patamar — afirma Marcelo Neri, pesquisador e diretor da FGV Social.

A estabilização da moeda — em um país no qual a população perdia poder de compra com uma inflação beirando 40% ao mês — deu mais potência às políticas de transferência de renda e de valorização do salário mínimo, já que preservava o rendimento dos brasileiros.

O aumento de 43% do piso salarial em 1995 e, nas décadas seguintes, a ampliação das transferências de renda e a continuidade da política de ganho real do mínimo derrubaram os índices para abaixo de 10%. Em 2023, o país tinha 8,3% em situação de miséria, pelos números de Neri, considerando como base rendimento domiciliar per capita de R$ 307.

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Falta um último passo nesse avanço social que é erradicar a miséria até 2030, compromisso assumido pelo Brasil frente às Nações Unidas. E, lembra o economista Naercio Menezes Filho, professor do Insper, ainda há cerca de 20% a 25% da população na pobreza, com 150 milhões dos 203 milhões de brasileiros dependendo diretamente do salário mínimo, do Bolsa Família ou de ambos. Para resolver essa situação a agenda é extensa, mas conhecida, dizem os especialistas:

— Falta dinamismo na economia brasileira, há pouca inovação e produtividade para o país crescer de forma mais sustentada ao longo do tempo — diz Menezes Filho.

Efeito na desigualdade

O professor do Insper afirma que o país conseguiu vencer a inflação, avançar na parte social com o Bolsa Família, implantou o Sistema Único de Saúde (SUS ) e colocou as crianças na escola:

— Avançamos muito: nos anos 1980, até 1 ano de idade, morriam 70 crianças por mil nascidas. Esse número caiu para 14. Mas não abrimos a economia e mantivemos subsídios que são uma espécie de programa de transferência aos ricos.

Os gargalos estão mais ligados à baixa produtividade da economia, segundo o especialista, com empresas que adotam práticas gerenciais ultrapassadas e pouco inovadoras e uma educação que ensina pouco. A prova é a nota no Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos).

— Falta um Plano Real para educação. Fizemos políticas ótimas: o Plano Real, o SUS, o Bolsa Família, falta melhorar o aprendizado nas escolas. Nosso desafio para o futuro é fazer com que os nossos jovens aprendam matemática, ciência e leitura nas escolas. Elas ficaram fechadas dois anos e a nota (do Pisa) não se alterou, sinal de que não aprendem o suficiente para ter uma profissão digna — afirma Menezes Filho.

Neste mês, país ficou também entre os 15 piores em criatividade em teste do Pisa.

30 anos do Plano Real: relembre, em imagens, a criação da moeda

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Fotos de 1994 mostram o impacto do lançamento do Plano Real na população

Para avançar ainda mais na direção da erradicação da pobreza, especialistas avaliam que o caminho é combater a desigualdade, já que o Brasil tem uma das piores distribuições de renda do mundo.

Há 30 anos, o controle da inflação teve impacto na redução da desigualdade. De acordo com cálculos de Neri, considerando o efeito isolado do fim do imposto inflacionário, os mais pobres tiveram ganho de renda de 11% nos 12 meses após a mudança da moeda. Já os mais ricos, que tentavam proteger seu poder aquisitivo com as contas remuneradas antes do Plano Real, tiveram ganho de 1%.

— Houve um efeito distributivo. O Plano Real gerou um boom na economia. Até hoje, nunca teve um ganho de renda tão intenso quanto o daquela época. De lá para cá, não houve. Mesmo sem computar o efeito inflacionário — afirma Neri.

Insegurança alimentar

Nos tempos atuais, a miséria está no menor patamar histórico, mas praticamente no mesmo nível desde 2014, quando atingia 9,6% da população e chegou a 8,3% em 2023.

— É um ponto presente no debate agora, essa derrocada da pobreza que começou no Plano Real, continuou até 2014, mas está em nível semelhante ao de 2014 — diz Neri.

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Um ponto de atenção, na opinião do economista, é a insegurança alimentar, que não caiu na mesma proporção da miséria. Ainda está maior que em 2013.

— Foi uma agenda esquecida até alguns anos atrás, quando o Brasil voltou ao mapa da fome. Outra ação é fazer a inclusão produtiva dos mais pobres, com aumento da renda ao longo do tempo, políticas ligadas ao emprego formal e melhoria do ambiente para os pequenos negócios.

Carlos Melo, cientista político do Insper lembra que a efetividade das transferências de renda, que ganharam relevância nos governos petistas, só tiveram impacto tão forte na redução da pobreza pela estabilidade da moeda:

— Como fazer assistência social se no fim do mês o dinheiro se desvaloriza tanto? Foi uma mudança estrutural.

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