Sem crise nas big techs: inteligência artificial garante virada para o setor, que brilha na Bolsa este ano

Ações das 'Sete Magníficas', grupo formado por Nvidia, Tesla, Meta, Google, Amazon, Microsoft e Apple, têm altas recordes nos EUA, mesmo depois de demissões em massa no setor

Por Juliana Causin — São Paulo


Logos de Amazon, Apple, Facebook e Google: após desabarem no mercado em 2022, big techs agora lideram os ganhos no mercado dos EUA Reuters

Juros altos, temor de uma recessão na maior economia do mundo, risco de inflação persistente e redução no consumo de produtos eletrônicos e serviços digitais. Esse é parte do combo que fez com que o ano passado fosse amargo para o setor de tecnologia, marcado por demissões em massa e perdas bilionárias de valor de mercado.

A inflação nos EUA continua a preocupar e os juros no país ainda podem ter alguma alta, antes do Fed, o banco central americano, começar um ciclo de cortes. Mas o cenário para as big techs mudou. Na primeira metade de 2023, boa parte de todo o ganho de investidores na Bolsa de Valores de Nova York agora é puxado pelas gigantes de tecnologia.

A fabricante de chips Nvidia, a montadora de veículos elétricos Tesla, de Elon Musk, e a gigante das redes sociais Meta, dona do Instagram, Facebook e WhatsApp, lideraram os ganhos - com altas acumuladas de 189%, 138% e 112%, respectivamente. No ano passado, o trio amargurou perdas que passaram dos 50%.

Junto com Apple, Microsoft, Alphabet (dona do Google) e Amazon, as três completam o clube apelidado nos EUA de "Magnificent Seven", que puxa o desempenho do mercado e reúne as empresas que passaram a dominar a lista de mais valiosas do país. Na liderança está a Apple, que alcançou a marca histórica de US$ 3 trilhões na última sexta-feira.

Alta recorde no primeiro semestre

O grupo impulsionou os resultados do primeiro semestre. Desde 1983, a Bolsa de tecnologia de Nova York não tinha um início de ano tão positivo. Nos primeiros seis meses de 2023, o Nasdaq, que reúne as empresas do setor, subiu 32%. Já o Nasdaq 100, composto pelas cem maiores companhias da Bolsa de tecnologia, acumulou ganhos de 39%, segundo melhor resultado desde a criação do índice.

Veja imagens criadas por O GLOBO com ajuda do Midjourney, site de inteligência artificial

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O movimento visto ao longo da primeira metade do ano se repetiu no primeiro dia útil do segundo semestre. Nesta segunda-feira, o índice da Bolsa de tecnologia dos EUA encerrou os negócios com valorização de 0,21%, puxado pela alta de 6,9% dos papéis da Tesla, que reportou venda recorde de veículos no segundo trimestre.

A alta ajuda a recuperar parte das perdas do ano anterior. Em um 2022 em que os três principais índices de Nova York — S&P 500, Dow Jones e Nasdaq — encerraram em baixa, o maior tombo ficou com a Bolsa de tecnologia, que recuou 33%, segundo levantamento da Quantum feito a pedido do GLOBO.

Maurício Lima, superintendente de produtos da Western Asset, explica que o movimento de queda e posterior alta das big techs é explicado, em parte, pelo ciclo de juros nos EUA. Nesse sentido, o que ajudou essas empresas, no início deste ano, foi a perspectiva de que o aperto monetário pelo Fed poderia chegar ao fim:

— As big techs são vistas como empresas de crescimento, aquelas cujo preço é dado mais pelas perspectivas de ganhos futuros do que pelos ganhos atuais. O que acontece é que, justamente por essa dinâmica, essas empresas são mais sensíveis aos juros.

Ações de empresas que trabalham com inteligência artificial estão entre as que mais subiram no primeiro semestre de 2023 — Foto: O Globo/Trading View/Quantum Finance

Vitor Melo, analista de research do BTG Pactual, destaca que as empresas melhor colocadas no mercado acabaram se beneficiando mais desse movimento, em especial as empresas que estão liderando a corrida pela inteligência artificial — e que agora ajudam no desempenho de todo o mercado dos EUA.

— O S&P está com uma alta no ano perto de 16%. Quando você olha as sete principais empresas do índice, elas respondem por 75% desses ganhos — diz o analista, em referência ao grupo das "Magnificent Seven".

IA como impulso para ao setor

Para cada uma das gigantes que compõem o clube dos sete, há razões particulares que puxam os ganhos deste ano. Mas, além das peculiaridades e da melhora no ambiente macroeconômico, um fator é apontado pelos analistas como fundamental para a "volta por cima" das big techs: o apetite global pela inteligência artificial.

Entre as beneficiadas com a febre da IA, a Nvidia é um dos casos mais emblemáticos. Em 2022, a companhia perdeu metade de seu valor de mercado. Meses depois, a demanda acelerada por chips que fazem rodar os "cérebros" da inteligência artificial fez a companhia chegar ao US$ 1 trilhão em valor de mercado. Os papéis saltaram, em um ano, de US$ 145 para US$ 424, na cotação desta segunda-feira.

Em uma indústria em crescimento acelerado, a Microsoft e o Google vêm travando uma disputa por quem sai na frente, especialmente na IA generativa. No mercado, quem lidera os ganhos é a empresa fundada por Bill Gates, com papéis que subiram 42% no primeiro semestre. Um dos grandes trunfos da Microsoft é a parceria com a OpenAI, que está por trás do fenômeno ChatGPT e de outras inteligências artificiais que criam conteúdo.

Leonardo Otero, socio-fundador da Arbor Capital, diz que o mercado estava "mal posicionado" quando houve o lançamento do ChatGPT e o início da corrida pela IA, o que fez com que acontecesse um rali dos investidores por ações de empresas da área:

— O lançamento desses modelos de inteligência artificial pegou o mercado muito mal posicionado nas ações do setor, que estavam muito baratas. O que a gente acha é que a inteligência artificial vai permear toda sociedade de forma muito rápida e as big techs vão continuar sendo as ganhadoras dessa tecnologia.

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Demissões em massa e balanços

A crise e a posterior recuperação das big techs, no entanto, não vieram sem um custo. A Microsoft demitiu 10 mil pessoas. O Google eliminou 12 mil empregos. A Amazon desligou 18 mil funcionários. A Meta, de Mark Zuckerberg, demitiu 10 mil este ano, como parte do que a empresa chama de "ano de eficiência".

O mercado reagiu bem. A leitura era de que as empresas, que contrataram milhares de pessoas durante a pandemia e ampliaram seus quadros, precisavam se adequar à mudança no cenário econômico. '

— Os analistas enxergavam essas empresas como companhias ricas, mas que não eram diligentes com gastos. Quando o contrário começou a acontecer, o mercado entendeu que havia uma preocupação maior com custos, o que foi positivo — avalia Otero.

No primeiro trimestre do ano, o resultado financeiro das big techs chegou a surpreender os analistas. Parte dos ganhos expressivos das ações veio após a temporada de balanços das empresas, que divulgaram ganhos acima do esperado pelos investidores.

— No caso dos balanços, os resultados apresentados no primeiro trimestre foram bem melhores do que as expectativas do mercado, que projetavam um cenário bem pior do que foi — Ayron Ferreira, analista chefe da Titanium Asset.

Enquanto parte do mercado ainda enxerga que há espaço para as empresas crescerem ainda mais nos próximos meses, Ayron destaca que o cenário de juros que continuam elevados nos EUA pode representar um desafio para essas companhias:

— Quanto mais tempo os juros continuarem altos, mais impacto haverá nas contas dessas empresas. A chance dessas ações continuarem subindo no ritmo que vimos no início deste ano diminuem.

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