Vinte anos depois de conquistar interações baseadas em curtidas e reações com emojis, o Facebook coleciona histórias de muitas vidas em suas linhas do tempo. Em muitos casos, a própria rede social tem papel decisivo nelas.
Em duas décadas, muita gente se irritou com o que viu no feed, discordou de algum post, deixou de seguir alguém ou até foi enganada, mas o Facebook também foi palco de encontros e reencontros, reatou amizades perdidas no tempo e despertou romances e até viabilizou negócios, que transbordam para outras plataformas da Meta, como WhatsApp e Instagram.
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A aposentada Marina Lourenço, de 84 anos, só abraçou a irmã, Maria Lourenço, de 87, após 63 anos sem contato com a família, por causa da plataforma digital. Uma publicação de sua neta, Patrícia Soares, em um grupo do Facebook dedicado a ajudar usuários a encontrar familiares, chegou até Maria.
Na juventude, Marina fugiu de casa, no interior do Paraná, para se casar. Quando voltou à fazenda da família, todos tinham se mudado. Em agosto do ano passado, familiares de Maria reconheceram a história no Face e reuniram as irmãs, que nem sabiam que estavam vivendo a menos de uma hora de distância uma da outra, no interior de São Paulo.
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— Você nunca espera encontrar alguém depois de tantos anos. Estou muito feliz por conseguirmos proporcionar essa alegria a elas — comemora Patrícia.
História de amor entre frustrações
Um grupo do Facebook também foi o ponto de encontro da babá Ellen Mohanne, de 32 anos, com o jogador de futebol Sérgio Abrão, de 28. Com casamento marcado para novembro deste ano, o casal começou a interagir na comunidade “Date Ruim”, onde pessoas compartilham experiências de encontros frustrados.
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As primeiras interações entre Ellen e Sérgio foram nos comentários de relatos. O flerte virtual se intensificou no fim de 2021 com curtidas, reações e mensagens com fotos em seus perfis.
— Quando ela postava uma foto, chegava notificação pra mim na hora, e eu já ia correndo no Facebook para curtir e comentar — relembra Sérgio, que conseguiu trocar as primeiras palavras com Ellen pelo WhatsApp em fevereiro do ano seguinte.
Um mês depois, quando começaram a namorar, compartilharam sua história no grupo do Face, que às quartas-feiras se dedica a relatos de “dates bons”.
— Além de casais, foram se formando amizades no grupo. São quatro anos, e todo mundo está junto esse tempo todo. No Facebook, todos são como amigos de infância. No Instagram, (os perfis) parecem que competem para serem melhores que os outros — diz Ellen.
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Não faltam golpistas
Mas nem tudo é edificante na rede social. A consultora de imagem Annie Amorim, de 25 anos, já foi vítima de alguns golpes no Facebook. Administradora de um grupo que compartilha relatos pessoais para apoiar a mulheres, ela viu golpistas utilizando suas histórias para entrar em contato na tentativa de tirar dinheiro.
Foi convencida por uma mulher que relatava passar por grave dificuldade financeira a enviar cestas básicas e o equivalente a um salário mínimo para ela. Depois, conheceu na rede outras vítimas da história falsa.
— Ela (a golpista) só pedia dinheiro em grupos específicos, onde construía uma relação afetiva com os administradores. Utilizava muito do que falávamos para se aproximar — relata Annie, levantando as questões relacionadas à privacidade que envolvem as redes sociais.
Annie optou por não denunciar o perfil ao Facebook porque já tinha se frustrado numa tentativa similar. Denunciou o perfil de uma falsa psicóloga que divulgava serviços em um grupo, mas nada foi feito. Ela se queixa da moderação dos conteúdos na rede:
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— O canal de denúncias do Facebook é completamente inútil. Apesar de gostar da plataforma, sinto que falta segurança. O principal foco (da moderação) é banir discursos relacionados a palavras ou expressões específicas, sem uma análise do contexto geral. Procurado, o Facebook não quis se pronunciar.
Preferência por conhecidos
Giordana Pucci, de 22 anos, é uma das poucas jovens que preferem se concentrar no Facebook. Chegou a desativar o aplicativo em 2017, para tentar reduzir o tempo de tela. Manteve o Instagram, que quase não usava, mas acabou voltando ao Face. Gosta do feed povoado de amigos e familiares:
— O Facebook tem “calor humano”, interajo mais porque são pessoas que eu conheço — diz a estudante de Brasília, que já teve a conta hackeada e também se queixa de dificuldades no canal de denúncias da rede, mas não abandona a plataforma.
Vitrine digital
A rede social também mudou a vida profissional de muita gente, tornando-se uma vitrine digital necessária para negócios de todos os portes. Para os pequenos empreendedores, o Facebook virou alternativa barata e eficaz de atingir potenciais clientes fora de seu círculo mais próximo.
Foi o que logo percebeu Giovana Fontes, de 25 anos, que criou a empresa de eventos Elementar Festas em 2018 e adotou como uma das estratégias prospectar clientes oferecendo seus serviços em grupos do Facebook, hoje uma referência de consumo e fonte de recomendações para muitos usuários.
O negócio deslanchou. Hoje, ela faz cerca de 30 festas por mês e já tem fechados 20% da agenda do ano. Foi também para o Instagram e tem nas duas plataformas cerca de 60% de suas vendas, conta Giovana:
— As redes sociais ajudaram muito minha empresa. Possibilitam que pequenos empreendedores consigam divulgar seu trabalho e crescer organicamente. Algo que antes só era possível através de um grande investimento em publicidade.
Impacto nos mundo digital e real
Victor Piaia, professor da Escola de Comunicação, Mídia e Informação da FGV (FGV ECMI), cita como mudança mais significativa a forma de as pessoas consumirem informação. O feed, ou “linha do tempo”, virou paradigma para produtos digitais e mudou o cotidiano:
— Distâncias sociais se tornaram menos rígidas e conviver com opiniões dos outros de modo constante trouxe uma transformação significativa.
Mas, assim como os encontros virtuais, o Facebook inaugurou a era de discórdias em redes sociais, cujos algoritmos favorecem a formação de bolhas de opinião. E teve suas próprias polêmicas, como o mapeamento controverso de comportamentos de usuários para fins publicitários ou políticos, nem sempre com a autorização expressa dos internautas para o uso dos dados.
É crescente também a cobrança da sociedade sobre a responsabilidade das gigantes de tecnologia em relação aos riscos a que usuários, particularmente os mais jovens, estão expostos em suas plataformas, como predadores sexuais, golpistas, teorias da conspiração e dramas psicológicos como os que envolvem suicídios de adolescentes.
A essas críticas, a Meta costuma dizer que trabalha no aperfeiçoamento de mecanismos para coibir esses riscos, mas sempre na linha de que são os usuários os responsáveis pelo que postam nas plataformas.
Futuro fragmentado
Para especialistas, nem as polêmicas, nem a ascensão de concorrentes devem tirar a relevância do Facebook nos próximos anos. Mas a inovação e a atenção dos usuários será, cada vez mais, dividida com outras plataformas.
Maurício Felício, professor de comunicação e publicidade da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), diz que é natural que o Facebook amadureça e assuma outro lugar na chamada infosfera:
— Redes sociais se movem organicamente, vão aprendendo e se reposicionando. É uma evolução natural.
Monica Magalhaes, especialista em inovação e fundadora da Agência Disrupta de Exploração de Futuro, vê como caminho natural a sobreposição de redes sociais, com públicos que migram entre elas e outros que permanecem fiéis a uma:
— São públicos específicos para cada uma. Haverá uma distribuição de formatos.