O governador do estado americano da Flórida, Ron DeSantis, do Partido Republicano, sancionou ontem uma lei que proíbe que redes sociais criem perfis para menores de 14 anos. A legislação ainda exige que as plataformas obtenham a permissão dos pais antes de autorizar contas para usuários de 14 e 15 anos. As que já existem e não cumprem esses requisitos deverão ser encerradas.
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Essa é a mais restritiva de várias medidas adotadas nos Estados Unidos para proteger os jovens dos possíveis perigos das redes sociais, que vão desde danos à saúde mental até falta de segurança. A nova regra, no entanto, traz questionamentos sobre onde termina o poder do Estado e onde começa a liberdade dos responsáveis em permitir que crianças acessem ou não Facebook, Instagram e TikTok, entre outras plataformas.
Para o pediatra e sanitarista Daniel Becker, que também é colunista do GLOBO, essa medida deveria ser adotada em outros lugares, inclusive no Brasil. Ele afirma que o uso da internet por adolescentes que ainda não têm maturação emocional suficiente, nem pensamento crítico formado, pode causar transtornos como depressão e até levar ao suicídio:
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— Para eles, a internet é como se fosse eletricidade, quando não estão com aparelho, é como se tudo se apagasse. Os pré-adolescentes precisam viver sem o celular, brincar, brigar, resolver conflitos.
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Já Filipe Medon, professor e pesquisador do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV Direito Rio, não nega que o acesso de crianças à internet sem supervisão possa ser perigoso, já que elas podem ficar expostas tanto a “predadores infantis”, como pedófilos, quanto a desafios imprudentes, como os que incitam a automutilação. Mesmo assim, ele avalia que proibir as redes para menores de 14 anos não é solução ideal.
Além de citar o desafio de estabelecer uma limitação regional, já que a nova lei só é aplicável à Flórida, Medon aponta que, para evitar que as crianças mintam a idade para viabilizar o acesso, as plataformas terão de fazer um rastreio muito maior de dados para identificar possíveis fraudes, o que esbarra em questões de privacidade.
Para ele, a melhor solução seria investir em tecnologia para monitoramento das crianças e adolescentes nas redes, evitando bullying e outras práticas.
— Essa nova lei surge em um contexto eleitoral, em um estado republicano, e em um momento de uma maior busca pela responsabilização das plataformas. Mais importante que limitar seria ensinar a usar de forma responsável — diz Medon. — O problema é que muitas crianças são nativas digitais, mas os pais não são. Torna-se uma missão compartilhada com o Estado garantir que as pessoas tenham educação midiática.
Segurança coletiva
Gustavo Teixeira, psiquiatra e sócio-fundador do CBI of Miami, do Grupo Primum de Educação Médica, também avalia que muitos pais não sabem lidar com internet nem conhecem os riscos inerentes ao uso precoce das redes sociais. Por isso, não conseguem impor limites aos filhos. Para ele, seria papel do Estado impor restrições que protegessem as crianças.
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Becker afirma ainda que, numa fase em que é natural que os adolescentes se afastem dos pais para buscar a sua própria “turma de amigos”, as redes sociais mimetizam o pertencimento a um grupo, por meio de likes e comentários. E os algoritmos deixam a criança cada vez mais focada em determinados tópicos.
Por exemplo, uma menina que se não se sente à vontade com o próprio corpo — algo comum na adolescência, uma fase de transição —, por exemplo, pode receber cada vez mais fotos de modelos macérrimas e vídeos de dietas restritivas, levando-a a um quadro de anorexia ou bulimia, diz.
A neuropsicóloga Marcella Bianca, CEO do Instituto do Cérebro, acredita que políticas como a adotada na Flórida não substituem a responsabilidade dos pais, mas complementam seus esforços, ajudando a criar um ambiente on-line mais seguro para os jovens.
Para ela, a preocupação com o impacto das redes sociais na saúde mental, no desenvolvimento cognitivo e na segurança dos jovens deve ser coletiva:
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— Alguns jovens podem desenvolver um comportamento de vício em relação às redes sociais, o que pode interferir em suas atividades escolares, sociais e até mesmo físicas. Além disso, o constante consumo de um conteúdo focado em aparências e comparações sociais pode impactar negativamente a autoestima e a autoimagem dos jovens.
Impulso para mudança
Antonielle Freitas, advogada especialista em Direito Digital, Privacidade e Proteção de Dados no escritório Viseu Advogados, concorda que a proteção das crianças on-line deve ser uma responsabilidade compartilhada entre o Estado, os pais e as plataformas. A regulamentação das redes sociais para crianças poderia ser vista, afirma, como uma extensão da proteção infantil em outras áreas, como televisão e videogames.
Juan Las Casas, gerente sênior da consultoria BIP Xtech, ressalta que a eficácia da lei dependerá da capacidade de fiscalização e implementação por parte das autoridades e das próprias plataformas. E diz que a nova legislação pode acarretar mudanças nessas companhias:
— A legislação nos EUA pode levar empresas de tecnologia a reavaliarem suas políticas de privacidade e proteção de dados em todo o mundo, incluindo no Brasil.