TikTok recorre a freiras, veteranos e fazendeiros enquanto enfrenta risco de ser banido nos EUA

Desde que a Câmara votou a favor do projeto de lei que determina a venda da rede, empresa gastou uma fortuna em propaganda para mudar imagem junto a parlamentares e o público americano


A irmã Monica Clare, da Comunidade de São João Batista, em Mendham, Nova Jersey, e é um dos vários fãs do TikTok - juntamente com fazendeiros, um veterano da Marinha conhecido como 'Patriotic Kenny' e empresários Daniel Dorsa/The New York Times

Em um comercial de TV, a irmã Monica Clare, uma freira do norte de Nova Jersey, caminha por uma igreja banhada pela luz do sol e senta-se em um banco, cruzando os braços. Sua mensagem: O TikTok é uma força para o bem.

"Por causa do TikTok, criei uma comunidade onde as pessoas podem se sentir seguras para fazer perguntas sobre espiritualidade", diz ela no anúncio.

Monica é um dos vários fãs do TikTok — juntamente com fazendeiros falantes, um veterano da Marinha conhecido como Patriotic Kenny e empresários — que a empresa está destacando em comerciais enquanto enfrenta intenso escrutínio em Washington e é ameaçada de ser banida dos Estados Unidos.

— O TikTok definitivamente tem um problema de marca nos Estados Unidos — disse Monica, de 58 anos, em uma entrevista. — A maioria das pessoas com quem você conversa, especialmente pessoas acima de 60 anos, dirá que o TikTok é apenas um monte de lixo superficial. Elas não o usam. Elas não entendem o que é o conteúdo.

A freira acrescentou:

—É muito inteligente da parte do TikTok dizer: 'Não, não é isso que somos - somos muito mais do que isso'".

Essa parece ser a ideia que impulsiona a campanha de marketing milionária do TikTok na TV e em plataformas sociais rivais em todo o país — com a tag #KeepTikTok —, enquanto o Senado americano analisa um projeto de lei que forçaria a proprietária da empresa, a gigante chinesa ByteDance, a vender o aplicativo ou a proibi-lo nacionalmente.

Muitos parlamentares de ambos os partidos disseram que o aplicativo poderia colocar em risco os dados privados dos usuários americanos ou ser usado como uma ferramenta de propaganda chinesa.

Desde que a Câmara votou a favor do projeto de lei, que determina a venda do TikTok sob pena de banir a rede do país, há três semanas, a empresa gastou pelo menos US$ 3,1 milhões em tempo de publicidade para comerciais programados para serem veiculados até este mês de abril, de acordo com dados da AdImpact, uma empresa de rastreamento de mídia.

Alguns dos locais mais visados são os estados onde as eleições presidenciais tendem a ser mais disputadas, Pensilvânia, Nevada e Ohio, de acordo com os dados. O TikTok também gastou mais de US$ 100 mil em anúncios no Facebook e Instagram recentemente, de acordo com a Meta's Ad Library.

O TikTok disse que estava gastando mais do que os dados da AdImpact mostraram, mas a empresa não forneceu detalhes específicos.

Questionado sobre seus esforços de publicidade, Michael Hughes, porta-voz da TikTok, disse:

— Achamos que o público em geral deve saber que o governo está tentando atropelar os direitos de liberdade de expressão de 170 milhões de americanos e devastar sete milhões de pequenas empresas em todo o país.

Lobby e campanha publicitária

Os anúncios fazem parte de uma ampla campanha de lobby da TikTok para reformular a percepção da empresa entre os legisladores e o público. A empresa se opôs veementemente ao projeto de lei, que enquadrou como uma proibição total, dizendo que não compartilhou e não compartilharia dados com Pequim nem permitiria que qualquer governo influenciasse suas recomendações algorítmicas de vídeos para os usuários assistirem.

A ByteDance gastou US$ 8,7 milhões em lobby no ano passado, de acordo com o OpenSecrets, um grupo de pesquisa sem fins lucrativos, e sua equipe interna e várias empresas externas estão tentando influenciar os parlamentares.

A gigante chinesa reuniu sua vasta base de usuários para entrar em contato com seus representantes, embora alguns desses esforços possam ter saído pela culatra. Só para constar: Shou Chew, CEO da TikTok, é copresidente do Met Gala desta primavera nos EUA, no qual a TikTok será a principal patrocinadora.

O TikTok começou a ampliar as histórias de americanos comuns, como Clare e Patriotic Kenny, no ano passado, por meio de uma campanha chamada ''TikTok Sparks Good''. Grande parte desse esforço parece ter sido direcionado a públicos conservadores. A empresa gastou cerca de US$ 19 milhões em anúncios de TV que apareceram principalmente em programas de notícias, especialmente na Fox News, de acordo com dados da iSpot.tv, uma empresa de medição de TV.

E mais: veiculou mais de uma dúzia de anúncios durante debates presidenciais republicanos ou programação relacionada a debates no ano passado, segundo a empresa. E ainda está veiculando anúncios que promovem criadores da campanha do ano passado.

— É uma tática muito clássica. Eles estão pegando uma ideia, colocando-a na boca de um ser humano e permitindo que você estabeleça uma conexão com esse ser humano — disse Cait Lamberton, professora de marketing da Wharton School da Universidade da Pensilvânia.

Ela acrescentou:

— O TikTok está se apresentando como uma marca que representa a liberdade e a democratização da comunicação e, francamente, uma série de valores com os quais a maioria das pessoas se sente bastante confortável.

Filmagem durante votação

Um dos mais recentes anúncios de TV do TikTok foi filmado no mês passado, quando a empresa levou dezenas de criadores de vídeos a Washington para protestar contra o projeto de lei da Câmara. O anúncio é narrado pelos criadores e mostra alguns deles segurando cartazes nos degraus do Capitólio com os dizeres "O TikTok mudou minha vida para melhor".

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Trevor Boffone, um professor da Universidade de Houston com mais de 300 mil seguidores no TikTok, também aparece no anúncio, descrevendo como o aplicativo o tornou um professor melhor e se conectou com um público muito além de sua sala de aula.

Boffone disse que já esteve em eventos repletos de criadores do TikTok que gostavam de "fazer coisas divertidas e dançantes", mas que o grupo em Washington era "um grupo de pessoas radicalmente diferente".

Segundo ele, o TikTok reuniu "americanos comuns com histórias incríveis sobre como a plataforma os ajudou com sua saúde mental, suas deficiências e diferentes crises em suas comunidades, como incêndios florestais e até mesmo cirurgia de coração aberto":

— Todas essas maneiras realmente importantes pelas quais essa plataforma criou uma comunidade de maneiras que os legisladores não conhecem —acrescentou.

Contato com parlamentares

Boffone, de 38 anos, disse que os contatos do grupo no TikTok pediram aos criadores que falassem com seus senadores sobre o projeto de lei.

A freira Monica Clare contou que escreveu uma carta se opondo ao projeto de lei para o senador Cory Booker. Boffone, por sua vez, disse que ainda não tinha conseguido entrar em contato com seu representante.

O professor acrescentou que os criadores estavam preocupados com o fato de que mesmo a venda do TikTok pela ByteDance poderia "mudar a cultura do aplicativo".

—Vimos o que aconteceu com o Twitter e como o Twitter é hoje uma casca do que já foi. O Congresso deveria estar analisando a segurança abrangente dos dados e a legislação sobre mídias sociais e plataformas digitais que contempla a Meta, que contempla o Google - afirmou Boffone.

É provável que os americanos vejam outras propagandas sobre o TikTok, já que grupos externos também se aproveitam do projeto de lei.

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