Papa pede que COP28 imponha transição energética 'obrigatória': 'o mundo está desmoronando'

Chefe da Igreja Católica alertou sobre 'pessoas que zombam' da crise e ressaltou importância da transição energética em documento publicado nesta quarta, oito anos após encíclica histórica sobre o tema

Por O Globo com AFP — Cidade do Vaticano


Sínodo convocado pelo Papa Francisco vai debater temas considerados tabu pela Igreja Tiziana Fabi/AFP

O Papa Francisco fez um apelo à adoção de uma transição energética "vinculante" na próxima reunião mundial sobre o clima, a COP28, em Dubai, para proteger um mundo que "está desmoronando", em um novo texto publicado nesta quarta-feira. Intitulado "Laudate Deum", a exortação apostólica foi divulgada oito anos depois de sua encíclica sobre a ecologia "Laudato Si" e poucas semanas antes do início de uma nova rodada de negociações climáticas da ONU.

"Com o passar do tempo, noto que não temos reações suficientes enquanto o mundo que nos acolhe está desmoronando e talvez se aproximando de um ponto de ruptura", afirma Francisco no texto de 12 páginas, escrito em espanhol e traduzido para vários idiomas, que mescla argumentos de diplomacia, teologia e ciência para exortar os líderes internacionais a conduzirem uma transição dos combustíveis fósseis para a energia limpa.

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O jesuíta argentino, de 86 anos, fez um firme apelo para que se aproveite o encontro, de modo a obter "compromissos efetivos". Francisco também criticou as pessoas que, nos últimos anos, "tentaram zombar" da constatação dos estragos causados pelo aquecimento, que incluem secas, inundações e tufões, e que atingem de forma especialmente dura os países mais vulneráveis.

"Se houver um interesse sincero em tornar a COP28 histórica (...) cabe esperar apenas formas vinculantes de transição energética que tenham três características: que sejam eficientes, que sejam obrigatórias e que possam ser facilmente monitoradas", destaca Francisco em sua exortação apostólica "Laudate Deum" ("Louvado seja Deus", na tradução do latim).

O grande evento anual sobre o clima acontecerá de 30 de novembro a 12 de dezembro em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, um grande produtor de hidrocarbonetos, cuja escolha foi criticada por ambientalistas.

No texto, Francisco ainda desafiou os líderes mundiais a se comprometerem com metas para abrandar as alterações climáticas antes que seja tarde demais e alertou que a Terra está cada vez mais próxima de um "ponto sem retorno".

"Agora não conseguimos deter os enormes danos que causamos. Mal temos tempo para evitar danos ainda mais trágicos", declarou. "O que nos é pedido nada mais é do que uma certa responsabilidade pelo legado que deixaremos, quando deixarmos este mundo."

O Papa criticou pessoas, inclusive de dentro da Igreja Católica, que duvidam do fenômeno e da gravidade da mudança climática. O líder religioso apontou que são falsos os argumentos de que a transição para a energia limpa geraria perda de empregos e citou dados para ancorar a convicção de que a atividade humana está por trás da crise.

"Já não é possível duvidar da origem humana — 'antrópica' — das alterações climáticas", afirmou.

Contra o 'pragmatismo suicida'

No documento, Francisco entra a fundo no debate sobre a mitigação das atividades causadoras da mudança climática — caminho defendido pelos ambientalistas — e a adaptação aos efeitos do aquecimento, uma estratégia "a posteriori" que muitos interesses industriais defendem para que não sejam prejudicados.

O bispo de Roma é partidário da mitigação, ao considerar que "a transição de que se necessita, para energias limpas como a eólica e a solar, abandonando os combustíveis fósseis, não tem a velocidade necessária". E adverte sobre o risco de se concentrar na adaptação aos efeitos já consumados da mudança climática.

"Corremos o risco de ficarmos presos na lógica de corrigir, colocar remendos, amarrar com arame, enquanto sob a superfície avança um processo de deterioração que continuamos alimentando. Supor que qualquer problema futuro poderá ser resolvido com novas intervenções técnicas é pragmatismo homicida, como chutar uma bola de neve para frente", argumenta o Papa argentino, que incentiva o multilateralismo "de baixo", no qual "combatentes dos mais diversos países" pressionem "os fatores de poder".

O Pontífice escolheu uma data simbólica para publicar sua exortação apostólica, coincidindo com a dia de São Francisco de Assis, o santo que, segundo a tradição, falava com os animais, e a quem se refere no início do texto. Também coincide com a abertura em Roma do Sínodo dos Bispos, que durante quatro semanas analisará temas importantes para a Igreja Católica, como o espaço das mulheres e dos fiéis LGBTQIA+ na instituição.

Em 2015, a encíclica "Laudato Si", um manifesto de 200 páginas pela proteção do meio ambiente, gerou um debate global e suscitou inclusive comentários em revistas científicas, o que foi inédito para um texto religioso. Meses depois foram alcançados novos progressos com o histórico Acordo de Paris, no qual a comunidade internacional estabeleceu o objetivo de limitar idealmente o aquecimento a 1,5ºC em comparação com a era pré-industrial.

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