Agricultura e segurança alimentar na Convenção do Clima: o que esperar

É fundamental estancar o desmatamento e reconhecer que a forma como se produzem alimentos precisa ser melhorada, senão a conta das emissões não fecha e as metas nacionais não serão atingidas

Por Isabel Garcia Drigo*


Colheita de soja na Bahia Fábio Rossi/Agência O Globo

Se o balanço geral da última cúpula climática realizada no balneário de Sharm el-Sheik, no Egito, em 2022 não foi tão bom, pelo menos no tema da agricultura os especialistas comemoraram a continuidade dos trabalhos em torno do tema da agricultura e segurança alimentar. Tal continuidade foi garantida após a decisão que reconheceu o legado do Grupo de Trabalho Conjunto Koronívia e instituiu o renovado Grupo de Trabalho Conjunto Sharm el-Sheikh sobre a implementação da ação climática na agricultura e na segurança alimentar.

Com um mandato estendido por mais quatro anos (2022-2026) o grupo deu uma guinada importante ao incorporar a necessidade de ações de mitigação em paralelo às ações de adaptação dos sistemas para que estes se tornem mais resilientes às mudanças climáticas e garantam a segurança alimentar. Esperava-se que nas reuniões de Bonn, na Alemanha, preparatórias para a COP 28, um plano de trabalho detalhado pudesse ser acordado entre todos os países que integram o Grupo de Trabalho.

Mas, um impasse opôs o grupo dos países menos desenvolvidos, o G77, o bloco europeu e alguns países sul-americanos, entre eles o Brasil. O impasse se deu sobre o tema da governança do grupo diante da exigência dos países do G77 de formação de um comitê ou instância semelhante. Ainda, o tema do financiamento para adaptação atrapalhou a pauta em Bonn e, basicamente, toda a discussão será retomada na COP 28 em Dubai, nos Emirados Árabes.

Para quem acompanha há anos as COPs, este jogo de forças e interesses entre países faz parte do ritual diplomático. No entanto, na COP 28, no que tange à agricultura, o GT de Agricultura terá de encontrar uma forma de superar os impasses e estabelecer um plano de ação, pois a agenda da implementação das soluções e modelos produtivos de baixo carbono é urgente. O aumento da temperatura planetária e os extremos climáticos sentidos ao longo de todo o ano de 2023 tendem a se intensificar. A conta para o setor agropecuário e sistema alimentar logo vai chegar.

Para organizações da sociedade civil que acompanham esta agenda, é fundamental estancar o desmatamento e reconhecer que a forma como se produzem alimentos precisa ser melhorada, senão a conta das emissões não fecha e as metas nacionais não serão atingidas. No caso do Brasil, onde as emissões de gases do efeito estufa pela mudança de uso da terra e produção agropecuária correspondem a 74% do total das emissões, acelerar e dar escala à adoção dos melhores modelos já descritos pela ciência agronômica brasileira é essencial.

O Brasil tem um duplo papel nessa arena internacional. Primeiro, o país está muito bem posicionado para ajudar os países do bloco latino-americano e africano, demonstrando e disseminando conhecimento sobre modelos produtivos ecoeficientes e os apoiando sobre como adaptá-los a outros ambientes. Dentro de casa, as práticas regenerativas e tecnologias já preconizadas pelo Plano da Agricultura de Baixo Carbono (Plano ABC+) precisam se espalhar pelo território nacional, assim como as demais linhas do crédito rural do Plano Safra precisam incentivar essas práticas e as tecnologias já existentes.

Os exemplos concretos de uma pecuária mais eficiente para o clima têm sido medidos pelo Programa Carbon On Track do Imaflora (www.imafloraservicos.org). Algumas fazendas em Brasil, Uruguai, Argentina, Colômbia e Paraguai que estão incluídas no Programa já emitem entre 11% e 45% menos gases do efeito estufa por tonelada de carne produzida que a média de emissões mundiais. Como? Aplicando as técnicas recomendadas pela ciência agronômica, por exemplo, integrando lavoura e pecuária, reduzindo o tempo de abate do rebanho, melhorando as pastagens com manejo rotacionado, além de manter o componente florestal nas propriedades.

Dessa forma, o Brasil pode e deve ser exemplo acelerando a transição do sistema agroalimentar dentro das suas fronteiras e, de forma complementar, usando o ambiente da COP 28 para ecoar estes modelos para os países agrícolas vizinhos e do continente africano.

*Isabel Garcia-Drigo é gerente de Clima e Emissões no Imaflora - P.hD em Ciência Ambiental pela AgroParisTech e Universidade de São Paulo.

**O artigo faz parte de uma série de 12 textos que explicam e detalham a Convenção da ONU sobre a Mudança do Clima (COP) e as negociações para as mudanças climáticas. A seleção de articulistas e a edição foram obra da Alter Conteúdo.

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