Análise: Silêncio de Donald Trump revela tanto quanto a arrastada cerimônia de adeus de Joe Biden

Demora na definição do vice da chapa republicana está ligada à possível substituição do democrata na disputa pela Casa Branca; favorita entre os nomes cogitados, a vice Kamala Harris pode atrair os 'eleitores nem-nem'

Por — São Paulo


Ex-presidente Donald Trump e o presidente dos EUA, Joe Biden, durante debate na CNN CHRISTIAN MONTERROSA / AFP

RESUMO

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GERADO EM: 04/07/2024 - 00:01

Incerteza na Campanha de Biden: Possível Substituição Gera Preocupação

A demora na definição do vice de Trump revela incerteza na campanha democrata de Biden. Possível substituição do candidato gera preocupação no partido. Eleitores desanimados buscam alternativas.

O plano era bater forte o tambor da unidade do partido governista nesta quarta-feira em torno de Joe Biden. E o presidente afirmou mais de uma vez durante o dia que irá “até o fim”. Mas a inconfidência de um aliado próximo, que revelou ao New York Times as reticências do candidato à reeleição, o longo almoço com a vice-presidente Kamala Harris, sua mais óbvia substituta, e relatos dos encontros com os líderes do partido nas duas Casas do Congresso e com duas dezenas de governadores pareceram cenas de uma arrastada cerimônia de adeus.

Lá se vai uma semana desde o desastroso debate com o ex-presidente Donald Trump, em que Biden não conseguiu completar seu raciocínio seguidas vezes, para uma audiência de 50 milhões de potenciais eleitores. De lá para cá, sua campanha pouco fez, a não ser reafirmar que nela ele seguiria, e que o presidente não resumiria seu legado a “uma hora e meia de televisão ruim”. O pouco se revelou inócuo após a revelação, em impressionante esforço de reportagem do NYT, de que os “lapsos” do presidente de 81 anos têm sido cada vez mais frequentes.

A “explicação” oficial — “e não desculpa”, foi obrigada a sublinhar nesta longa quarta-feira a porta-voz da Casa Branca, Karine Jean-Pierre — para o desastre no embate com Trump foi a de um resfriado, agravado pelo jet lag causado pela agenda pesada de viagens de Biden. Um evento na noite anterior, na Virgínia, foi cenário de confissão mais singela: “dormi no pódio”, disse o presidente a apreensivos doadores da campanha.

Beijos de amor para salvar velhos adormecidos são artigos escassos em Washington. E o pleito de novembro não se resume à Presidência. Desde o debate, Biden se tornou muito mais pesado de carregar em disputas locais. Após a reunião com o presidente, os líderes democratas no Capitólio, instados pela Casa Branca a costurar compromisso em torno da sobrevivência da reeleição, orientaram deputados e senadores a “trabalhar da maneira que mais bem funcionar em seus estados”. Em bom português, iniciaram a cristianização de Joe Biden. E a conversa a portas fechadas com os governadores, em que, afirmou a de Nova York, Kathy Hochul, “confirmamos sem exceção nosso apoio total a ele”, foi descrita pelos chefes do Executivo de Minnesota e de Maryland como “honestas”.

A sangria é pública nas pesquisas pós-debate, com queda de Biden de até 7 pontos percentuais nas do New York Times, da CNN e do Wall Street Journal, e maioria ainda mais esmagadora de americanos desejando outro candidato. Uma sondagem para consumo interno, bancada por doadores graúdos, “vazou” e serviu de radiografia do pânico no flanco democrata: além dos sete estados considerados decisivos em novembro, Trump agora também estaria à frente em outros cinco: New Hampshire, Maine, Colorado, Novo México e Minnesota. O republicano se aproxima pela primeira vez de 50% dos votos em todo país. Game over.

Sem enxergar caminhos com Biden, doadores e políticos democratas tratam de substitutos. Há os três governadores de estados em que o eventual candidato/a não pode perder em novembro, Gretchen Whitmer (Michigan), Josh Shapiro (Pensilvânia) e Tony Evers (Wisconsin). Todos com alta aprovação local, mas sem projeção nacional. Também está no páreo Gavin Newson, celebrado comandante do país chamado Califórnia.

À frente de todos, e também oriunda do estado da Costa Oeste, a vice Kamala Harris, de 59 anos, que participou nesta quarta da reunião de Biden com os governadores. Entre seus trunfos, a confiança do presidente (“quando ele a escolheu para vice, viu nela o futuro do partido”, disse nesta quarta, sem ser perguntada, a porta-voz da Casa Branca), e a certeza de que os dólares já embolsados pela chapa original poderão, com ela, ser usados imediatamente.

No partido, também já há quem comece a fazer, a portas fechadas, pergunta óbvia: se Joe Biden não tem a destreza cognitiva para seguir na campanha, como justificar aos cidadãos-eleitores que ele a teria para continuar por mais seis meses no comando da maior potência global? Não se pediria ao “exemplar servidor público” uma, mas duas renúncias? Por outro lado, a ex-senadora Harris entraria no páreo como a primeira presidente negra e de origem asiática e com uma trajetória no Judiciário em tudo oposta à maioria conservadora da Suprema Corte. Uma mudança radical no rumo da disputa, com capacidade de atrair o enorme contingente de eleitores nem-nem, desanimados com Biden e Trump.

Barulho e indefinição são as palavras mais repetidas ao se buscar traduzir hoje o estado da campanha à reeleição. Os próximos dias, reconhece a própria Casa Branca, serão decisivos para se definir se Biden seguirá rumo à unção na Convenção Democrata, em Chicago, em agosto.

Na noite de quarta, o presidente deu entrevista a uma rádio do Wisconsin em que reduziu o colapso no debate a “um erro que cometi, quem nunca?”. Aposta-se muito em uma provavelmente amiga entrevista ao veterano democrata George Stephanopoulos, da rede ABC, que comandou a comunicação na campanha e no governo do democrata Bill Clinton, nesta sexta-feira. E em aparições públicas e conversas com jornalistas durante a Cúpula da Otan, na semana que vem. Seriam provas de que Joe Biden estaria apto, apesar da “noite ruim” do debate, e dos relatos de sua decadência física e cognitiva, a comandar o país até seus 86 anos.

Fora do círculo mais próximo do presidente, no entanto, aumenta a cada dia o número de democratas descrentes de uma versão política do Curioso Caso de Benjamin Button. Joe Biden não vai rejuvenescer. O que veem se aproximar é um janeiro de 2025 com Trump na Casa Branca, maioria republicana nas duas Casas do Capitólio e conservadora na Suprema Corte. Filme de terror.

Favorita em novembro, desde o debate a oposição se fechou em silêncio raro ao trumpismo. A candidatura do ex-presidente passou uma semana sem divulgar sequer uma nova peça de propaganda. Em comícios, Trump apenas celebrou sua vitória de lavada no debate e garantiu que “Biden não será substituído, pois seus números em pesquisas são menos piores do que os dos outros”. Não mais. A demora na definição de seu companheiro/a de chapa, programado para discursar em duas semanas na Convenção Nacional Republicana, em Milwaukee, está diretamente ligada ao possível terremoto que pode salvar do fiasco a novela democrata. E do receio da entrada em cena do “novo” (ou “nova”) capaz de tirar o hoje confortável chão do candidato de 78 anos.

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