Ex-presidente na Bolívia é sentenciada a 10 anos de prisão por golpe de Estado contra Evo Morales em 2019

Audiência, que durou cinco dias, foi interrompida várias vezes por motivos de saúde de Jeanine Áñez, presa desde março do ano passado

Por O Globo — La Paz


A ex-presidente boliviana Jeanine Áñez, em janeiro de 2020 AIZAR RALDES/AFP

Após cinco dias de audiências, a Justiça da Bolívia anunciou uma pena de 10 anos de prisão para a ex-presidente interina Jeanine Áñez pelo crime de golpe de Estado, em 2019, contra o esquerdista Evo Morales. O julgamento de Áñez, de 54 anos, que começou na segunda-feira, foi encerrado nesta sexta, após algumas interrupções depois que a ré se declarou indisposta.

O Tribunal de Primeira Instância de La Paz, presidido pelo juiz Germán Ramos, anunciou em audiência a condenação da ex-presidente "pelos crimes de resoluções contrárias à Constituição e violação de deveres, sentenciando-a a uma pena de 10 anos".

Em sua argumentação final, Áñez afirmou que o tribunal “excluiu” provas que descartaram a derrubada de Morales, que esteve no poder por 14 anos. Anteriormente, a ex-presidente já havia dito que recorreria de uma possível condenação: "Não vamos ficar aqui, vamos à Justiça internacional."

No começo da audiência, a ex-presidente acompanhou seu julgamento por videoconferência, na prisão feminina de Miraflores, onde está detida desde março de 2021. Na sexta, os juízes foram até o local, onde ouviram as alegações finais da ré, que insistiu em sua inocência, disse que "tinha o governo, mas nunca teve o poder" e reiterou que faria tudo novamente.

— Vocês membros da Corte estão julgando uma ex-presidente inocente — afirmou Áñez, que tossia constantemente. — Fiz o que tinha que fazer pelo bem do país e pela pacificação da pátria. Nunca tive a ambição de estar na Presidência. Assumi de acordo com as disposições da Constituição, seguindo cada um dos passos e respeitando tudo o que ela diz. Me sinto muito orgulhosa e faria de novo se tivesse oportunidade.

Ao longo da semana, Áñez alegou que as longas horas do processo mais uma vez prejudicaram seu estado de saúde. Na terça, depois que o primeiro dia de audiência teve que ser interrompido por uma indisposição, ela disse que entendia a "pressa" de sentenciá-la no caso, mas pediu ao Primeiro Tribunal de Sentença Anticorrupção de La Paz que considerasse seu estado de saúde.

A decisão de interromper a audiência, na segunda, foi tomada quando os representantes do Ministério Público apresentavam suas alegações finais, e Carolina Ribera, filha de Áñez, relatou que sua mãe se sentia indisposta e sofreu uma hipotermia.

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O Pacto de Unidade, coalizão pró-governo, no entanto, chamou as diversas interrupções de um “show político” e disse que Áñez buscava a impunidade, retardando o processo. O bloco pedia uma pena de 30 anos e ameaçou tomar medidas judiciais.

Nesta sexta-feira, um grupo de 23 ex-presidentes de países ibero-americanos pediu à ONU e à União Europeia que "repudiem a intenção de condená-la arbitrariamente".

A ex-presidente enfrenta vários julgamentos simultâneos, entre eles os chamados caso Golpe de Estado I e caso Golpe de Estado II, pelo qual foi sentenciada. O caso I é por seus atos como presidente, e o II, por seus atos como senadora. O primeiro está parado no Parlamento.

O julgamento já havia sido suspenso no começo de maio, quando os advogados da ex-chefe de Estado entraram com uma ação de inconstitucionalidade no Tribunal Constitucional Plurinacional (TCP). Na terça-feira, um novo pedido de suspensão de sua prisão preventiva foi negado, já que "não foram apresentadas provas", de acordo com o promotor Omar Mejillones e "persistem riscos processuais, como o perigo de fuga e obstrução do processo de investigação".

Outro processo contra a ex-presidente, por sedição, terrorismo e conspiração, está em etapa de investigação, por isso ainda não há acusações formais.

Ela ainda é acusada por genocídio — que acarreta penas de prisão entre 10 e 20 anos — após denúncia de parentes de vítimas da repressão de novembro de 2019. Um grupo de especialistas contratado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), em parceria com a Bolívia, contabilizou 22 mortos nesses incidentes, que chamou de "massacres", e constatou "graves violações dos direitos humanos".

Mas, diferentemente das outras acusações, o caso será tratado pelo Congresso, que decidirá se realiza ou não um julgamento contra ela.

Áñez, uma ex-apresentadora de televisão que se elegeu senadora, virou presidente da República após a renúncia de Evo Morales, sob pressão das Forças Armadas, em novembro de 2019. A sessão que a consagrou presidente não teve o quorum necessário pela lei boliviana para empossar um novo mandatário, mas ainda assim foi validada pela Justiça.

O partido de Morales, o Movimento ao Socialismo (MAS) — que voltou ao poder em novembro de 2020 com a eleição de Luis Arce — diz que ele foi afastado do poder por meio de um golpe, com a participação de União Europeia, Brasil e Equador, além da Igreja Católica e lideranças locais de direita. Seus opositores defendem, por sua vez, que houve uma revolta popular contra Morales, a quem acusam de ter cometido fraude nas eleições de 2019, quando pretendia obter um quarto mandato até 2025.

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