Após cinco dias de audiências, a Justiça da Bolívia anunciou uma pena de 10 anos de prisão para a ex-presidente interina Jeanine Áñez pelo crime de golpe de Estado, em 2019, contra o esquerdista Evo Morales. O julgamento de Áñez, de 54 anos, que começou na segunda-feira, foi encerrado nesta sexta, após algumas interrupções depois que a ré se declarou indisposta.
- Análise: Prisão de Áñez evidencia falta de independência da Justiça na Bolívia e traz riscos para Arce
- Ex-apresentadora de TV, advogada e política por acidente: conheça Jeanine Áñez, que se proclamou presidente da Bolívia
- Contexto: Única opositora a Morales presa, Áñez se torna bode expiatório na Bolívia
O Tribunal de Primeira Instância de La Paz, presidido pelo juiz Germán Ramos, anunciou em audiência a condenação da ex-presidente "pelos crimes de resoluções contrárias à Constituição e violação de deveres, sentenciando-a a uma pena de 10 anos".
Em sua argumentação final, Áñez afirmou que o tribunal “excluiu” provas que descartaram a derrubada de Morales, que esteve no poder por 14 anos. Anteriormente, a ex-presidente já havia dito que recorreria de uma possível condenação: "Não vamos ficar aqui, vamos à Justiça internacional."
No começo da audiência, a ex-presidente acompanhou seu julgamento por videoconferência, na prisão feminina de Miraflores, onde está detida desde março de 2021. Na sexta, os juízes foram até o local, onde ouviram as alegações finais da ré, que insistiu em sua inocência, disse que "tinha o governo, mas nunca teve o poder" e reiterou que faria tudo novamente.
— Vocês membros da Corte estão julgando uma ex-presidente inocente — afirmou Áñez, que tossia constantemente. — Fiz o que tinha que fazer pelo bem do país e pela pacificação da pátria. Nunca tive a ambição de estar na Presidência. Assumi de acordo com as disposições da Constituição, seguindo cada um dos passos e respeitando tudo o que ela diz. Me sinto muito orgulhosa e faria de novo se tivesse oportunidade.
Ao longo da semana, Áñez alegou que as longas horas do processo mais uma vez prejudicaram seu estado de saúde. Na terça, depois que o primeiro dia de audiência teve que ser interrompido por uma indisposição, ela disse que entendia a "pressa" de sentenciá-la no caso, mas pediu ao Primeiro Tribunal de Sentença Anticorrupção de La Paz que considerasse seu estado de saúde.
- Entrevista: 'A corrupção no governo de Áñez manchou toda a oposição', diz líder do movimento que levou à queda de Morales
- Contexto: TPI rejeita pedido para investigar ex-presidente boliviano Evo Morales por crimes contra a humanidade
- Entenda: Relator especial da ONU critica falta de independência do sistema Judiciário na Bolívia
A decisão de interromper a audiência, na segunda, foi tomada quando os representantes do Ministério Público apresentavam suas alegações finais, e Carolina Ribera, filha de Áñez, relatou que sua mãe se sentia indisposta e sofreu uma hipotermia.
Veja imagens do Salar de Uyuni, na Bolívia, o maior deserto de sal do mundo
O Pacto de Unidade, coalizão pró-governo, no entanto, chamou as diversas interrupções de um “show político” e disse que Áñez buscava a impunidade, retardando o processo. O bloco pedia uma pena de 30 anos e ameaçou tomar medidas judiciais.
Nesta sexta-feira, um grupo de 23 ex-presidentes de países ibero-americanos pediu à ONU e à União Europeia que "repudiem a intenção de condená-la arbitrariamente".
A ex-presidente enfrenta vários julgamentos simultâneos, entre eles os chamados caso Golpe de Estado I e caso Golpe de Estado II, pelo qual foi sentenciada. O caso I é por seus atos como presidente, e o II, por seus atos como senadora. O primeiro está parado no Parlamento.
O julgamento já havia sido suspenso no começo de maio, quando os advogados da ex-chefe de Estado entraram com uma ação de inconstitucionalidade no Tribunal Constitucional Plurinacional (TCP). Na terça-feira, um novo pedido de suspensão de sua prisão preventiva foi negado, já que "não foram apresentadas provas", de acordo com o promotor Omar Mejillones e "persistem riscos processuais, como o perigo de fuga e obstrução do processo de investigação".
Outro processo contra a ex-presidente, por sedição, terrorismo e conspiração, está em etapa de investigação, por isso ainda não há acusações formais.
Ela ainda é acusada por genocídio — que acarreta penas de prisão entre 10 e 20 anos — após denúncia de parentes de vítimas da repressão de novembro de 2019. Um grupo de especialistas contratado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), em parceria com a Bolívia, contabilizou 22 mortos nesses incidentes, que chamou de "massacres", e constatou "graves violações dos direitos humanos".
Mas, diferentemente das outras acusações, o caso será tratado pelo Congresso, que decidirá se realiza ou não um julgamento contra ela.
Áñez, uma ex-apresentadora de televisão que se elegeu senadora, virou presidente da República após a renúncia de Evo Morales, sob pressão das Forças Armadas, em novembro de 2019. A sessão que a consagrou presidente não teve o quorum necessário pela lei boliviana para empossar um novo mandatário, mas ainda assim foi validada pela Justiça.
O partido de Morales, o Movimento ao Socialismo (MAS) — que voltou ao poder em novembro de 2020 com a eleição de Luis Arce — diz que ele foi afastado do poder por meio de um golpe, com a participação de União Europeia, Brasil e Equador, além da Igreja Católica e lideranças locais de direita. Seus opositores defendem, por sua vez, que houve uma revolta popular contra Morales, a quem acusam de ter cometido fraude nas eleições de 2019, quando pretendia obter um quarto mandato até 2025.