Sob comando da thatcherista Truss, Reino Unido anuncia maiores cortes de impostos em 50 anos

Pacote econômico é classificado como imprudente por críticos da política conservadora, que temem o aumento do endividamento em um cenário econômico já ruim

Por O Globo e agências internacionais — Londres


Primeira-ministra Liz Truss, ao lado do ministro do Tesouro, Kwasi Kwarteng, durante visita a Northfleet, no Sudeste britânico Dylan Martinez/AFP

O Reino Unido anunciou nesta sexta-feira um ambicioso pacote econômico com os maiores cortes de impostos em 50 anos, congelamento das contas de energia e a desregulamentação do setor bancário. Classificada como imprudente por críticos, a iniciativa da premier conservadora Liz Truss almeja oxigenar a situação de um país à beira da recessão e com a inflação perto dos dois dígitos.

Truss, que foi empossada pela rainha Elizabeth II no último dia 6, antevéspera da morte da monarca, cumpre sua promessa de campanha com o pacote classificado como thatcherista. A aposta da substituta de Boris Johnson é que políticas como a redução de 45% para 40% do patamar máximo do Imposto de Renda, pago por quem ganha mais de 150 mil libras anuais (R$ 864,9 mil reais), aqueçam a economia em longo prazo.

Desde a disputa pela liderança do Partido Conservador, contudo, especialistas acusam Truss de irresponsabilidade fiscal com o pacote, que deve custar 161 bilhões de libras (R$ 928,3 bilhões) nos próximos cinco anos. O temor é que as iniciativas aumentem a dívida britânica e a inflação, cuja variação anual em agosto foi de 9,9%, quase cinco vezes a meta oficial. Após o anúncio, a libra ficou abaixo de US$ 1,11 pela primeira vez desde 1985.

— Nosso foco será no crescimento, mesmo que isso signifique a tomada de decisões difíceis — disse o ministro das Finanças, Kwasi Kwarteng, no Parlamento. — Nada vai acontecer do dia para a noite, mas hoje publicamos nosso plano de crescimento que traça uma nova abordagem para esta nova era — completou ele, classificando a medida como um “miniorçamento” necessário para atrair investimentos.

O ministro traçou uma tendência de crescimento anual para o país de 2,5%, índice não visto desde antes da crise financeira de 2008. O aquecimento, disse ele, virá de medidas como o corte da alíquota-base do Imposto de Renda de 20% para 19%. Assim, uma pessoa que ganha 20 mil libras por ano (R$ 115,3 mil) economizará cerca de 218 libras (R$ 1.256) em comparação com este ano fiscal. Quem recebe 10 vezes mais economizará cerca de 4.500 libras (R$ 25.935).

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'Economia de cassino'

O pacote também inclui o alívio dos tributos para quem compra sua primeira casa e ajuda para os negócios, com a reversão de um aumento planejado de 1,25% nos impostos sobre as folhas de pagamento. O governo de Truss cancelou também o crescimento das taxas corporativas de 19% para 25% e aboliu o teto de 200% sobre o salário para o bônus pago no fim do ano aos banqueiros.

— O endividamento é maior do que precisa ser, no mesmo momento em que as taxas de juros sobem — disse Rachel Reeves, porta-voz do Partido Trabalhista para assuntos financeiros. — É uma economia de cassino. Apostam com as hipotecas e com as contas de todas as famílias no país para manter o Partido Conservador feliz.

O governo já havia anunciado no último dia 8 o congelamento das contas de gás e eletricidade por dois anos para as famílias britânicas, além de auxílios de seis meses para as empresas. Nesta sexta, Kwarteng disse que o governo deve desembolsar cerca de 60 bilhões de libras (R$ 345,8 bilhões) para implementar a medida, cujo lançamento havia sido ofuscado pela morte da rainha.

Com o anúncio desta sexta, Truss se espelha naquela que diz ser sua ídola, a ex-primeira-ministra Margaret Thatcher (1979-1990), cujas políticas neoliberais com cortes fiscais, adesão ao livre mercado e o controle inflacionário deram uma guinada na economia britânica. Muitos criticam a comparação, contudo, já que a ex-premier defendia com afinco o equilíbrio das contas públicas.

Maior corte em meio século

O recém-anunciado corte fiscal é o maior desde 1972, quando as medidas do então premier Edward Heath fizeram a inflação e a dívida disparar. A crise só foi solucionada com um resgate do Fundo Monetário Internacional (FMI) quatro anos depois.

— Este evento fiscal enorme é uma aposta econômica radical (...) que vai pôr a dívida britânica em um lugar instável — disse Bethany Payne, administradora do portfólio de títulos da Janus Henderson Investors.

Kwarteng apenas comentou as preocupações referentes ao aumento do endividamento, prometendo reduzi-lo nos próximos três anos. Admitiu também que algumas de suas medidas podem ser impopulares e que seu impacto não será imediato, mas alega que são necessárias para transformar “um ciclo vicioso de estagnação em um ciclo virtuoso de crescimento”.

O timing é importante para os conservadores, que daqui a dois anos têm pela frente uma eleição geral e devem usar a política econômica como um dos pilares de sua campanha. O caminho que tem pela frente, contudo, não é dos mais fáceis: o compilado de pesquisas do site Politico mostra que se o pleito fosse hoje, os trabalhistas estariam nove pontos percentuais na frente, com 42% contra 33%.

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