Cardeal investigado por fraude grava conversa com Papa Francisco escondido

Ex-conselheiro do pontífice, Angelo Becciu é acusado de usar o fundo de doações de fiéis da Igreja Católica para a aquisição de um prédio em Londres

Por AFP, O Globo — Vaticano


Papa Francisco durante seu pronunciamento semanal na Basília de São Pedro, no Vaticano, na quarta-feira FILIPPO MONTEFORTE/AFP

O cardeal italiano Angelo Becciu, investigado por fraude pelo Vaticano, gravou uma conversa telefônica com o Papa Francisco sem o consentimento do Pontífice, na qual tentou fazer o religioso argentino confirmar que havia aprovado movimentações financeiras suspeitas. A gravação foi realizada em 24 de julho de 2021, três dias antes do início do julgamento de Becciu — e quando Francisco ainda se recuperava de uma operação no cólon feita naquele mês.

As informações foram reveladas pela imprensa italiana nesta sexta-feira. O áudio não foi tornado público na íntegra, mas uma audiência no Tribunal Penal do Vaticano expôs sua existência na quinta-feira.

No telefonema, o cardeal Becciu pede para que o Pontífice confirme que aprovou o desbloqueio dos fundos para libertar uma católica colombiana detida por um grupo ligado à al-Qaeda no Mali.

— Você me deu, ou não, a autorização para iniciar as operações de libertação da religiosa? — perguntou Becciu. — Tínhamos estabelecido o resgate em 500 mil euros (R$ 2,7 bilhões), não mais do que isso, porque nos parecia imoral dar mais dinheiro para os terroristas. Acho que já o havia informado de tudo isto... Se lembra?

Segundo a transcrição, publicada pelo jornal italiano Il Messaggero", o Papa responde que se lembra "vagamente". O pontífice argentino pede, então, que Becciu envie a pergunta por escrito. A ligação foi gravada no apartamento do ex-cardeal por uma pessoa próxima, segundo o tribunal.

Becciu, de 74 anos, é um ex-conselheiro próximo ao Papa que foi afastado do cargo e destituído dos direitos de cardeal em setembro de 2020, após se envolver em um escândalo sobre o uso de fundos do Óbulo de São Pedro — sistema de arrecadação de doações da Igreja Católica comumente usado em obras de caridade — para a compra de um edifício em Londres.

Na época, o cardeal ocupava a segunda maior posição na Secretaria de Estado do Vaticano, responsável pela gestão do fundo, e era a terceira principal autoridade da Igreja Católica. Ele nega que os donativos tenham sido usados para a aquisição do imóvel e alega inocência.

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Desde julho de 2021, quando o julgamento de Becciu teve início, várias pessoas passaram pelo Tribunal Penal do Vaticano devido a acusações de fraude, abuso de poder, desvio e lavagem de dinheiro, corrupção e extorsão.

Entre elas, Cecilia Marogna, uma intermediária contratada por Becciu como consultora de segurança por 575 mil euros (R$ 3,2 bilhões). Parte da verba foi transferida para a conta de sua empresa na Eslovênia, e parte entregue em dinheiro vivo.

Segundo os promotores do caso, os recursos aos quais Marogna — conhecida como "a dama do cardeal" na imprensa italiana — teve acesso deveriam ter sido usados para ajudar a libertar padres e freiras mantidos como reféns no exterior, entre eles a freira colombiana sequestrada no Mali. Gastou a verba, contudo, em hotéis e artigos de luxo.

O julgamento de Becciu, o primeiro de um cardeal de tão elevada posição, continua nesta sexta-feira com depoimentos de testemunhas-chave.

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