O presidente Luiz Inácio Lula da Silva está desperdiçando a chance de tornar-se um líder regional ao fazer declarações favoráveis a Nicolás Maduro, o chefe do regime autoritário que governa a Venezuela. Esta éa avaliação de especialistas em política externa ouvidos pelo GLOBO após nova rodada de críticas de presidentes de países vizinhos esta semana na cúpula do Mercosul na Argentina.
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Lula, que já chamara de “narrativa” as acusações de que o governo de Maduro viola os direitos humanos e afirmara que o conceito de democracia é algo “relativo”, calou-se sobre a inabilitação de opositores venezuelanos importantes, como a ex-deputada María Corina Machado, para concorrer às eleições previstas para 2024.
Dessa forma, dizem os analistas, o brasileiro se isola cada vez mais na região, tornando-se alvo constante de críticas de líderes sul-americanos, como nesta semana do uruguaio Luis Lacalle Pou e do paraguaio Mario Abdo Benítez na reunião do Mercosul e, no fim de maio, do chileno Gabriel Boric e do equatoriano Guillermo Lasso, que se uniram ao coro dos dois primeiros em uma cúpula sul-americana convocada por Lula em Brasília, com a presença do próprio Maduro.
Os embates no Mercosul, a prisão do bispo católico nicaraguense Rolando José Álvarez — sobre a qual Lula prometeu intervir a pedido do Papa Francisco — e suas declarações controversas sobre a guerra na Ucrânia mostram que os seis primeiros meses de Lula trouxeram menos resultados do que se esperava, dizem os analistas. Para eles, em que pese nove viagens internacionais — a nona será hoje a Leticia, na fronteira colombiano-brasileira — e o aumento de países doadores ao Fundo Amazônia, o presidente amarga avaliações negativas de sua política externa e deveria sair em defesa da democracia e deixar de valorizar laços antigos, incluindo com Maduro e o nicaraguense Daniel Ortega.
‘Congelado no passado’
Um dos maiores críticos é o ex-ministro da Fazenda e do Meio Ambiente Rubens Ricupero, que foi embaixador do Brasil nos EUA e na Itália. Para ele, Lula “ficou congelado no passado e continua a repetir posições da esquerda anacrônica de 20 anos atrás”. A seu ver, o presidente brasileiro está fora de sincronia com a moderna esquerda, tanto a da América Latina, tendo como exemplo Boric, que não passa a mão na cabeça de Maduro e Ortega, como da esquerda europeia, que se opõe à agressão russa à Ucrânia.
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— Dentro do Brasil, Lula não é mais acompanhado pela maioria da opinião pública, que condena suas declarações sobre política externa. Ele só não é mais criticado devido ao efeito do contraste com Bolsonaro, ainda sensível, mas cada vez mais fraco — diz Ricupero, para quem Lula está se isolando. — A diplomacia de Lula hoje representa um desgaste líquido para a popularidade do governo, ao contrário do que ocorreu nos dois primeiros mandatos. Agora, só constitui déficit. Repare que ninguém praticamente toma a defesa da diplomacia de Lula, nem na sua base. Tudo isso indica que ele não pode mais ser considerado um líder, nem na América Latina, nem no mundo.
O historiador Virgílio Arraes destaca que, nos dois primeiros mandatos, a imagem de Lula era de um líder popular e progressista. Porém, o presidente do Brasil era uma espécie de contraponto a Hugo Chávez, então presidente da Venezuela.
‘Desgastes desnecessários’
Segundo Arraes, o governo brasileiro partiu de uma percepção equivocada de que as ações do Brasil teriam uma repercussão maior e achava, por exemplo, que o país poderia ajudar a construir um acordo de paz entre Rússia e Ucrânia em curto prazo. Em sua opinião, Lula passa por “desgastes desnecessários”, como a defesa de Maduro e a falta de uma declaração mais forte em relação à Nicarágua.
— Como sua política externa foi valorizada nos dois primeiros mandatos, Lula achou que assumiria em um patamar mais alto. Mas o mundo mudou — ressalta.
Dawisson Belém Lopes, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), avalia que Lula parece mais ambicioso nesta nova passagem pela Presidência e já iniciou o seu mandato propondo intervenções arrojadas, tanto no plano regional quanto global. Ele acredita que Lula faz uma aposta de alto risco.
— Lula pode ser um ator estabilizador do contexto venezuelano, para a redemocratização da Venezuela, e espera auferir ganhos políticos nesse tipo de manobra de mediação político-diplomática. O risco é alto, porque ele pode perder capital político dentro do Brasil, ou seja, tenta ganhar na diplomacia presidencial, mas perde popularidade e ganha rejeição dentro do seu próprio país — afirma Lopes.
Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília, Roberto Goulart Menezes ressalta que a última reunião de cúpula do Mercosul mostrou o quanto será difícil para Lula transformar a integração regional em prioridade. Ele concorda com os demais especialistas em que, entre os fatores que têm dificultado o diálogo, está a posição do presidente em relação à Venezuela.
—Lula tem escorregado ao declarar que a democracia está assegurada naquele país. Ele tem caminhado no fio da navalha ao lidar com a crise política venezuelana. Diplomaticamente, Lula busca não isolar mais a Venezuela, mas isso tem causado desgaste para a sua imagem e o seu governo.
Gastar energia em casa
Menezes afirma que o mesmo ocorre em relação à Nicarágua. Para ele, Lula precisa deixar essas questões com o Itamaraty e gastar sua energia política com as questões domésticas.
— O esforço tem sido grande da parte do Brasil nesses seis primeiros meses para reconstruir a política externa do país. Lula não precisa puxar a orelha de Maduro ou Ortega em público, mas não pode titubear com as violações que ocorrem nesses dois países — afirma o acadêmico, que vê com bons olhos a tentativa de Lula de retomar o processo de integração na América do Sul.