Regime de Ortega sofre cerco financeiro com bloqueio de verba internacional para meio ambiente e infraestrutura rodoviária

Financiamentos do Fundo Verde da ONU e do Banco Centro-Americano de Integração Econômica foram adiados

Por Wilfredo Miranda, El País — San José, Costa Rica


Presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, durante discurso comemorando o aniversário da Revolução Sandinista Cesar Perez/AFP

O regime de Daniel Ortega e Rosario Murillo na Nicarágua sofreu recentemente dois reveses em sua busca por financiamento internacional. A primeira diz respeito ao bloqueio do pagamento de US$ 116,6 milhões (em torno de R$ 550 milhões) do Fundo Verde das Nações Unidas para o Clima (GCF, na sigla em inglês), para um projeto de redução do desmatamento e fortalecimento da resiliência nas biosferas da floresta tropical de Bosawás e em Río San Juan. Já o Banco Centro-Americano de Integração Econômica (BCIE) atrasou por mais seis meses a entrega do megafinanciamento de US$ 352,58 milhões (R$ 1,6 bilhão) para a expansão e melhoria de rodovias.

No caso do Fundo Verde, aprovado em novembro de 2020, a Diretoria de Administração da instituição decidiu há uma semana e meia manter os recursos congelados até que o regime de Ortega-Murillo "cumpra com as políticas e procedimentos deste mecanismo". O descumprimento oficial decorre de uma denúncia apresentada por indígenas dos Bosawás e do Río San Juan. Eles alegam que não foram objeto de "consulta livre, prévia e informada" e que o governo sandinista não cumpriu com a identificação de um terceiro independente para supervisionar as ações do projeto e o uso transparente dos recursos.

Os indígenas temem sobretudo que o financiamento do projeto Bio-Clima possa aumentar a "degradação do meio ambiente" e a invasão de seus territórios. Duas realidades que já sofrem nas mãos dos colonos, os invasores que, com armas de alto calibre e sob a égide da impunidade dos dirigentes sandinistas, invadem as comunidades. Eles são deslocados à força e os colonos estabelecem indústrias extrativistas nessas florestas protegidas, como mineração, pecuária e agricultura.

Organizações nicaraguenses que trabalham de perto com a violência contra comunidades ancestrais estimam que, nos últimos 10 anos, 70 indígenas Miskito e Mayangna foram mortos por colonos. Até agora, em 2023, houve dois massacres em Bosawás. Outros 100 membros da comunidade foram vítimas de sequestros, estupros, deslocamentos forçados, traumas psicológicos e ferimentos que os deixaram com amputações ou em estado tetraplégico. Até autoridades sandinistas estiveram envolvidas no tráfico ilegal de terras ancestrais para favorecer os colonos.

Em resposta à denúncia dos indígenas, o Mecanismo Independente de Reparação (IRM, na sigla em inglês) do Fundo Verde realizou uma investigação que apurou "descumprimento do projeto" no que foi alegado pelos comunitários.

Outro temor dos indígenas tem sido "o provável descumprimento ou incapacidade" das entidades credenciadas e executoras do Fundo Verde para "continuar com êxito as políticas e procedimentos e as condições impostas pela Diretoria durante a aprovação do projeto". As entidades executoras em nome do governo são o Ministério do Meio Ambiente e Recursos Naturais e o Ministério da Fazenda e Crédito Público e o BCIE.

Atraso do empréstimo rodoviário

Desde a eclosão da crise sociopolítica em 2018, quando o regime sandinista exerceu brutal repressão policial, paramilitar e judicial, o BCIE se tornou um dos principais financiadores de um governo acusado de cometer crimes contra a Humanidade. O presidente do banco, Dante Mossi, foi muito próximo da família Ortega-Murillo durante sua gestão. A concessão de empréstimos a Manágua lhe rendeu muitas críticas, a ponto de não ter sido reeleito em maio passado para continuar à frente da instituição multilateral, ligado a acusações de que sua gestão derrubou os indicadores do banco.

Antes de deixar o cargo em dezembro próximo, Mossi estendeu por "até seis meses adicionais" o prazo para iniciar os pagamentos do empréstimo concedido à Nicarágua para ampliação e melhoria de rodovias. O BCIE tinha prazo de desembolso até 30 de junho, mas agora se estende até o final deste ano. Assim, caberá ao novo presidente do banco autorizar ou cancelar o pagamento, o que põe em apuros o governo sandinista: as obras que esse empréstimo financiará já haviam sido outorgadas pela família Ortega-Murillo.

De fato, nos dias de comemoração do 44º aniversário da revolução sandinista, o governo anunciou o início da construção — com recursos do BCIE — da rodovia Costanera, um antigo projeto cuja ideia nasceu sob o mandato do falecido ex-presidente Enrique Bolaños. As razões pelas quais Mossi atrasou o desembolso não são claras. No entanto, o empréstimo tem prazo de 15 anos e foi aprovado pelo Parlamento sandinista em 28 de junho de 2022.

O que chama a atenção é que o contrato de financiamento estabelece que o desembolso deve começar em um período não superior a 12 meses após a aprovação do empréstimo pelo Legislativo da Nicarágua. Se isso não for possível, siga o contrato, o banco pode rescindir o contrato de empréstimo.

Isso é algo que se verá quando Mossi deixar o cargo, enquanto no caso do Fundo Verde, Manágua terá 120 dias para cumprir as medidas de acordo com suas políticas e descongelar o pagamento de US$ 116,6 milhões.

— A Diretoria do Fundo Verde, que concedeu milhões de dólares à ditadura de Ortega-Murillo, finalmente tomou a decisão certa e decidiu suspender a concessão desse fundo à Nicarágua por descumprimento de políticas e procedimentos — disse ao El País o ex-candidato à Presidência e exilado nos Estados Unidos, Félix Maradiaga. — É sabido que este fundo, concebido com boas intenções no âmbito do programa Bio-Clima, foi manipulado durante anos para financiar estruturas políticas da ditadura em várias zonas do país.

Segundo Maradiaga, as evidências são claras:

— As violações dos direitos humanos das comunidades indígenas e a depredação ambiental aumentaram dramaticamente sob o governo de Ortega e Murillo. A concessão do Fundo Verde foi uma espécie de escárnio para essas comunidades. Esta suspensão representa mais uma vitória na luta cívica pela democracia, direitos humanos e transparência.

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