'Não posso me desesperar, senão vou morrer', diz brasileiro convocado para guerra

Carioca Felipe Altschuller, de 34 anos, vive em Israel desde 2009 e foi convocado para lutar na região Norte do país, na fronteira com o Líbano

Por — São Paulo


Soldado israelense orienta tanque de guerra Merkava enquanto outro se posiciona ao longo da fronteira com a Faixa de Gaza, no sul de Israel ARIS MESSINIS/AFP

Depois de uma madrugada de trabalho, o brasileiro Felipe Altschuller, de 34 anos, esperava a chaleira elétrica apitar para passar um café quando começou a ouvir explosões. Morador da cidade Beer Sheva, ao Sul de Israel, a cerca de meia hora da Faixa de Gaza, foi até a janela e logo imaginou se tratar de algo grave. Como seu apartamento não tem um quarto blindado, rumou para as escadas do prédio, o local mais seguro para se abrigar. Mais tarde, depois que as sirenes cessaram, recebeu uma mensagem de seu comandante. Estava convocado para lutar na guerra contra o Hamas.

— Tenho uma mochila pronta, com produtos de higiene pessoal, remédios, uniformes e um casaco reforçado. Aqui pode estourar uma guerra a qualquer momento, estamos sempre preparados — contou ao GLOBO.

Educado em escola judia no Rio de Janeiro, Altschuller emigrou para Israel em 2009, "como um jovem idealista e sionista", seguindo o mesmo caminho de amigos. Casou-se no país, teve um filho e se separou. Serviu no Exército entre 2011 e 2013 e hoje é integrante da reserva. Todo ano, passa por treinamentos de reciclagem com soldados de um mesmo batalhão, de faxineiro a funcionário de empresa de alta tecnologia.

— No Exército, todos somos iguais. Todo mundo é amigo, todo mundo se respeita — ressalta ele, que trabalha como fiscal numa empresa de segurança e tem dupla cidadania: "carioca e israelense".

No sábado, início da guerra, Altschuller viajou até o Norte do país, na fronteira com o Líbano, região destinada ao batalhão a que pertence. Por questões estratégicas, não deu detalhes sobre o pelotão e pediu para não ter sua foto divulgada. Apenas contou que os ataques são diários, e que num deles os tiros dos inimigos chegaram perto. Sua função é ser motorista de jipe. Apesar do clima tenso, ele se mantém bem-humorado e calmo. Aos desavisados, nem parece que está em meio a uma guerra.

— Ficamos o tempo todo em estado de alerta. Mas preciso estar tranquilo, calmo, controlar minha área mental, ser racional para pensar rápido. Não posso ficar desesperado, senão vou morrer. E não quero que meu filho seja um órfão — afirmou.

Altschuller destaca ser a favor de um Estado palestino, "desde que seja democrático", e diz que seu alvo na Faixa de Gaza são os terroristas do Hamas, não os civis.

— Pelo contrário. Não tenho nada contra os palestinos, apenas contra os terroristas, que fazem coisas horríveis contra o próprio povo deles — opinou, deixando claro que está falando em seu nome, e não representando o Exército.

Notícias para família

Todos os dias, Altschuller faz chamadas de vídeo com o filho Lavi, um menino "bagunceiro" de quatro anos, que ainda não compreende a situação atual de seu país. Quando toca a sirene alertando para novos mísseis a caminho, o menino diz em hebraico: "sirene, bum, bum, bum".

A mãe de Altschuller, a jornalista Cláudia Altschuller, vive no Rio de Janeiro e ainda não conhece o neto. Seus planos foram frustrados primeiro pela pandemia do coronavírus e agora pela guerra. Cláudia estava com passagem para Israel comprada para a última quinta-feira (11). Iria rever o filho, que não encontra desde 2017, e conhecer Lavi.

— Minha mãe vai ver meu filho em breve. Quando terminar a guerra e tudo voltar ao normal, quero voltar ao Brasil. Quem sabe no carnaval do ano que vem — diz Altschuller.

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