Cinco meses após contraofensiva, chefe das forças ucranianas admite que erros levaram a impasse na guerra

Em entrevista ao jornal The Economist, general Valery Zaluzhny reconheceu que a guerra contra a Rússia está paralisada e que conflito prolongado favorece a nação rival

Por O Globo — Kiev


Soldado ucraniano observa área em posição perto de Kherson Roman PILIPEY / AFP

Há exatos cinco meses do início da contraofensiva ucraniana, o país conseguiu recuperar só 17 quilômetros do território perdido para a Rússia. A situação de Kiev pode ficar ainda pior com a eclosão do conflito entre Israel e Hamas no Oriente Médio, que mudou as atenções não só da imprensa internacional, mas dos seus principais financiadores, em especial os Estados Unidos. Em entrevista ao jornal The Economist, o comandante-chefe das Forças Armadas da Ucrânia, Valery Zaluzhny, reconheceu que a guerra no Leste Europeu chegou a um impasse: apenas uma grande invenção tecnológica, como foi a pólvora no passado, poderia rompê-lo.

— O simples fato é que vemos tudo o que o inimigo está fazendo e ele vê tudo o que estamos fazendo. Para que possamos sair desse impasse, precisamos de algo novo, como a pólvora que os chineses inventaram e que ainda estamos usando para matar uns aos outros — disse ele ao veículo americano.

Os EUA têm sido reticentes em ceder armamentos mais poderosos e avançados — embora tenham autorizado o envio de bombas de fragmentação, proibidas em 110 países — por temer que o movimento abra margem para um eventual confronto direto com Moscou, que arrastaria todos os membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). No entanto, na avaliação do líder das forças ucranianas, as armas fornecidas pelos aliados do Ocidente conseguiram manter a Ucrânia na guerra, mas garantir sua vitória sob a Rússia.

— Eles não são obrigados a nos dar nada, e somos gratos pelo que recebemos, mas estou simplesmente relatando os fatos — disse Zaluzhny.

Há algumas semanas, o presidente dos EUA, Joe Biden, enviou para o Congresso a proposta de um pacote de pouco mais de US$ 100 bilhões que incluiria ajuda militar à Ucrânia, a Israel, a Taiwan e o reforço da fronteira do país com o México. A continuidade do apoio a Kiev, porém, tem sido alvo de fortes questionamentos na Casa, sobretudo entre parlamentares republicanos, em meio ao cansaço do conflito, ao estacionamento no campo de batalha e às denúncias de corrupção na alta cúpula do governo ucraniano.

Na última quinta-feira, um movimento controverso sinalizou de que a prioridade do principal apoiador do país será agora Tel Aviv. A Câmara dos Deputados, de maioria estreita republicana, aprovou um pacote de US$ 14,5 bilhões somente para Israel, dividindo a proposta original de Biden e ignorando Kiev. O projeto contou com o voto de 12 democratas. Sem os EUA, a Ucrânia pode ver a já estacionada contraofensiva ruir.

— Assim como na Primeira Guerra Mundial, atingimos o nível de tecnologia que nos coloca em um impasse — pontuou Zaluzhny, em um tom desesperança sobre uma mudança que poderia mudar o jogo. — Muito provavelmente não haverá um avanço profundo.

O comandante ucraniano admitiu que errou ao achar que poderia deter as forças de Moscou no campo de batalha, mas disse que as vidas não valem muito no país, principalmente se for levar em conta as dezenas de milhões de baixas na primeira e segunda guerra. Segundo ele, diversas mudanças foram feitas para recalcular a rota quando percebeu que a contraofensiva não estava avançando, mas o problema, disse ele, ia além disso.

— A Rússia perdeu pelo menos 150 mil mortos. Em qualquer outro país, essas baixas teriam interrompido a guerra — disse ao Economist. — Primeiro pensei que havia algo errado com nossos comandantes, então troquei alguns deles. Depois, pensei que talvez nossos soldados não fossem adequados ao propósito, então mudei os soldados de algumas brigadas.

Sem sucesso, ele conta que recorreu ao livro "Rompendo linhas de defesa fortificadas", que leu quando era estudante, uma análise da Primeira Guerra Mundial, publicada em 1941, feita por um major-general soviético.

— E antes mesmo de chegar à metade do livro, percebi que é exatamente onde estamos porque, assim como naquela época, o nível de nosso desenvolvimento tecnológico atual colocou tanto nós quanto nossos inimigos em um estado de paralisia — avaliou, afirmando que o fator decisivo não será uma nova tecnologia, mas a combinação de todas que já existem.

Para Zaluzhny, o atraso na entrega de armamentos, como caças F-16, e a negativa ao fornecimento de mísseis de longo alcance e tanques permitiram que a Rússia reagrupasse suas defesas e avançasse — embora não encare esses como os únicos fatores para o fracasso.

Ucranianos vão às ruas celebrar Dia da Independência

10 fotos
Em Kiev, população vestiu as cores da bandeira para marcar os 32 anos de independência de Moscou; Berlim também prestou homenagem ao país

— É importante entender que essa guerra não pode ser vencida com as armas da geração passada e com métodos ultrapassados. Eles inevitavelmente levarão a atrasos e, como consequência, à derrota — disse, enfatizando o papel decisivo dos drones e de tecnologias para freá-los.

O general afirma que Kiev agora está preso em uma guerra prolongada, o que favorece a Rússia, que tem uma população três vezes maior e uma economia dez vezes superior. No entanto, ele enfatiza que a Ucrânia não tem alternativa, mesmo que avance apenas alguns metros diariamente.

— Sejamos honestos, [a Rússia] é um Estado feudal em que o recurso mais barato é a vida humana. E para nós... a coisa mais cara que temos é o nosso povo. Precisamos buscar essa solução, precisamos encontrar essa pólvora, dominá-la rapidamente e usá-la para uma vitória rápida. Porque, mais cedo ou mais tarde, vamos descobrir que simplesmente não temos pessoas suficientes para lutar.

Mais recente Próxima A solução do planeta está na natureza, basta investir