Hamas diz que apresentou proposta e Biden pressiona por cessar-fogo até o Ramadã

Governo israelense decidiu não enviar delegação para conversas sobre trégua porque o grupo terrorista não forneceu lista com reféns que estão sob custódia

Por O Globo e agências internacionais — Cairo


Palestinos se reúnem em ruas da Faixa de Gaza à espera de envios aéreos de ajuda humanitária AFP

As negociações para um cessar-fogo na Faixa de Gaza, realizadas no Cairo, continuaram nesta terça-feira sem avanços concretos, enquanto cresce a pressão para que o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, chegue a um acordo até o Ramadã. O representante do Hamas, Bassem Naim disse à Reuters que o grupo terrorista apresentou sua proposta de trégua aos países mediadores (Catar, Egito e Estados Unidos) durante os dois últimos dias de encontros, e que agora aguardava a resposta de Israel. Autoridades israelenses, no entanto, não enviaram uma delegação para as conversas, apesar da crescente pressão diplomática para o anúncio de um acordo antes do Ramadã, mês sagrado para os muçulmanos e que terá início no dia 10.

Enquanto isso o presidente americano, Joe Biden, alertou seu aliado sobre uma situação “muito, muito perigosa” caso o cessar-fogo não seja alcançado em breve e disse que “não havia desculpas” para não permitir mais ajuda ao enclave.

— Se nos encontrarmos diante da circunstância de que esta situação se prolongue durante o Ramadã, Israel e Jerusalém poderiam ser (lugares) muito, muito perigosos — disse Biden à imprensa nesta terça-feira (5), ao enfatizar também que Israel "não tem desculpas" para impedir a entrada de ajuda humanitária na Faixa de Gaza.

A decisão de Israel de não enviar um representante para a nova rodada de negociações ocorreu porque suas exigências não foram atendidas. A expectativa era a de que o Hamas fornecesse uma lista com os reféns que estão sob custódia, vivos e mortos, além da proporção de prisioneiros palestinos que deveriam deixar as prisões israelenses por cada refém liberado. O governo de Israel calcula que 130 dos 250 reféns sequestrados pelo grupo em 7 de outubro continuam em cativeiro em Gaza, mas que pelo menos 31 deles tenham morrido.

Nesta terça, no entanto, o representante do Hamas disse à AFP que o grupo não sabe quantos reféns estão vivos ou mortos, uma vez que eles são detidos por “inúmeros grupos em vários locais”. Mais cedo, antes dos comentários de Biden, Naim já havia Israel de bloquear as negociações e afirmou que “a bola está no campo dos EUA”, principal aliado do governo de Netanyahu. Em resposta, o chefe da diplomacia americana, Antony Blinken, instou o grupo fundamentalista a aceitar o plano de interromper os combates e permitir a entrada de mais ajuda humanitária no enclave.

— Cabe ao Hamas decidir se está preparado para se comprometer com o fim das hostilidades — disse.

A deterioração das condições do território palestino e o aumento da fome têm feito com Israel passe a enfrentar críticas até mesmo de Washington. Na segunda-feira, a vice-presidente americana, Kamala Harris, já havia expressado “profunda preocupação com a situação humanitária em Gaza” durante as conversas com o membro do gabinete de guerra e líder da oposição israelense, Benny Gantz. Harris também mencionou a iminente ofensiva militar em Rafah, no sul de Gaza, onde está abrigada a maior parte da população local.

— O que estamos vendo todos os dias em Gaza é devastador. Temos visto relatos de famílias comendo folhas ou ração animal. Mulheres dando à luz a bebês desnutridos com pouco ou nenhum atendimento médico. E crianças morrendo de desnutrição e desidratação. Como disse muitas vezes, muitos palestinos inocentes foram mortos — disse Harris, que não deixou de reiterar o direito de Israel à autodefesa.

Nesta terça-feira, aviões dos Estados Unidos lançaram mais de 36 mil suprimentos alimentícios sobre Gaza. No mesmo dia, Rafah voltou a ser alvo de bombardeios noturnos. Ao canal al-Qahera News, próximo dos serviços de inteligência egípcios, afirmou que as negociações para um cessar-fogo são “difíceis, mas continuam”.

Crise humanitária

Para concordar com a trégua, o Hamas exige que a ajuda humanitária em larga escala seja permitida em Gaza, e que os palestinos deslocados de suas casas no norte do território sejam autorizados a retornar. Nesta terça-feira, a Organização Mundial da Saúde disse que crianças morrendo de fome foram encontradas durante uma missão de ajuda a dois hospitais no norte do enclave. Chefe da OMS, Tedros Adhanom afirmou que “a falta de alimentos resultou na morte de 10 crianças”. A agência estima que ao menos 8 mil pacientes precisem ser retirados da Faixa para receber tratamento adequado.

A entrada de ajuda humanitária é quase impossível no norte devido a saques e combates e a ONU alerta para um risco de “fome [ou catástrofe humanitária] quase inevitável” na região. No sul, mais novo alvo dos bombardeios e incursões israelenses, o quadro também preocupa. Em Rafah, cidade que recebeu mais da metade dos 2,3 milhões de palestinos deslocados pela guerra — e que deve ser o próximo alvo da incursão das Forças Armadas de Israel —, 5% das crianças com menos de 2 anos também sofrem de subnutrição aguda.

“As mortes infantis que temíamos estão aqui, enquanto a desnutrição assola a Faixa de Gaza. Estas mortes trágicas e horríveis são causadas pelo homem, previsíveis e totalmente evitáveis”, afirmou o diretor regional do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), Adele Khodor, em um comunicado no domingo, citado pela BBC.

Segundo a Agência das Nações Unidas para os Refugiados Palestinos (UNRWA, na sigla em inglês), quase 2,3 mil caminhões de ajuda humanitária entraram no enclave em fevereiro, um número 50% menor que em janeiro. Antes do conflito atual, quando as necessidades da população eram menos urgentes, cerca de 500 caminhões entravam no enclave todos os dias.

De acordo com a Human Rights Watch (HRW), o governo de Israel não cumpriu a ordem da Corte Internacional de Justiça (CIJ), que em janeiro indicou a necessidade do fornecimento de ajuda urgente aos civis palestinos. Na ocasião, a CIJ havia declarado que a operação militar no enclave palestino representava um “risco plausível de danos irreversíveis e imediatos à população”, e determinado que o Estado judeu tomasse todas as medidas em seu poder para evitar violações da Convenção das Nações Unidas sobre Genocídio, de 1948.

Ataques continuam

Para agravar ainda mais a insuficiência de ajuda e a crise humanitária, na semana passada autoridades palestinas acusaram Israel de disparar e matar dezenas de pessoas em meio a uma entrega caótica de ajuda humanitária no enclave, uma tragédia que deixou ao menos 112 mortos e 760 feridos. Israel negou a acusação, afirmando que as mortes decorreram de tumultos durante a entrega de alimentos, com “empurra-empurra, pisoteamento e atropelamentos”. Apesar disso, Estado judeu investiga a possibilidade de ter havido desvio de conduta de soldados.

Enquanto o cessar-fogo parece cada vez mais distante, os ataques continuam. Em Hamad, perto de Khan Younis, no sul de Gaza, as autoridades locais também relataram dezenas de ataques aéreos perto do Hospital Europeu na madrugada desta terça-feira. Na manhã do mesmo dia, um grupo de mulheres fugiu da região, que passou a ser um campo de ruínas, carregando bandeiras brancas frente aos tanques israelenses. Sobrevivente do bombardeio em uma casa na qual morreram 16 pessoas, incluindo um recém-nascido, Abdullah Amur afirmou que o local foi destruído sem aviso, e que o bairro se tornou “um inferno de chamas”.

O Exército de Israel confirmou que executa ataques seletivos e que prendeu, na segunda-feira, dezenas de combatentes do Hamas e da Jihad Islâmica que estavam escondidos entre os civis. Ainda segundo o Exército, a aviação de Israel atingiu 50 alvos do Hamas em toda Faixa de Gaza. O Ministério da Saúde do enclave, controlado pelo grupo terrorista, afirmou que 97 pessoas morreram nas últimas 24 horas, sendo a maior parte mulheres e crianças. Moradores afirmaram que encontraram corpos em decomposição nas ruas, diante de suas casas e estabelecimentos comerciais destruídos.

Ao todo, mais de 30,6 mil palestinos já morreram em Gaza em quase cinco meses de guerra, segundo autoridades de saúde locais. Em 7 de outubro, quando terroristas invadiram Israel e realizaram um ataque sem precedentes, cerca de 1,1 mil pessoas foram mortas.

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