Com baixo número de recrutas, Kiev suspende serviços consulares para homens ucranianos no exterior

Cidadãos entre 18 e 60 anos não poderão mais renovar passaportes e outros documentos, a não ser que retornem para o país e se alistem no Exército

Por O Globo e agências internacionais — Kiev


Soldados ucranianos participam de treinamento na região de Donetsk, no Leste do país Nicole Tung/The New York Times

A Ucrânia suspendeu a prestação de serviços consulares a seus cidadãos homens ente 18 e 60 anos, como forma de pressionar para que retornem ao país e se juntem às forças de defesa contra a invasão russa, e também ajudem nas atividades econômicas locais.

Em comunicado divulgado nesta terça-feira, o Ministério das Relações Exteriores cita o estado de Lei Marcial, imposto logo depois do início da guerra, para justificar a suspensão da emissão de documentos como passaportes — a única exceção é para a concessão de carteiras de identidade usadas para retornar ao território ucraniano. Apesar da medida ter sido tomada em caráter temporário, não há prazo para que seja suspensa. De acordo com o Eurostat, o serviço europeu de estatísticas, há 4,3 milhões de ucranianos vivendo em países da União Europeia, sendo que 860 mil são homens.

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Ao contrário dos primeiros dias da invasão russa, em fevereiro de 2022, quando os centros de recrutamento estavam lotados e cidadãos recorriam a postos do governo para retirar armas para a defesa contra ataques terrestres, Kiev tem uma dificuldade cada vez maior para conseguir novos recrutas. De acordo com a revista Time, a idade média dos soldados do país é de 43 anos, e muitos permanecem no front por mais tempo do que deveriam, justamente por falta de substitutos.

Desde o início da guerra, homens entre 19 e 60 anos estão proibidos de deixar o país, mas muitos o fazem de maneira irregular, arriscando as próprias vidas em travessias rumo a países como a Moldávia — no ano passado, a BBC afirmou que cerca de 20 mil homens em idade de alistamento fugiram do país. Alguns foram capturados e outros morreram.

Além da suspensão dos serviços consulares, o que dificulta a permanência no exterior, o governo ampliou as possibilidades para mulheres participarem dos combates (algo que a Rússia não permite neste momento), oferece salários atrativos para funções como piloto drone e realiza campanhas para incentivar recrutas mais jovens.

No começo do mês, o Parlamento aprovou uma nova lei de mobilização, que obriga todos os homens entre 18 e 60 anos a se apresentarem para cadastramento em até 60 dias, reduz a idade mínima de convocação de 25 para 27 anos, e abre caminho para a medida anunciada nesta terça, que nega serviços consulares a homens no exterior.

“Um homem em idade militar vai para o estrangeiro, mostra ao seu país que a questão da sua sobrevivência não o incomoda, e depois vem querer receber serviços deste país. Não é assim que funciona. Há uma guerra em nosso país”, escreveu no X (antigo Twitter) o chanceler ucraniano, Dmytro Kuleba. “A permanência no exterior não exime o cidadão de seus deveres para com a Pátria. É por isso que ontem instruí a tomar medidas para restaurar o tratamento justo dos homens em idade de mobilização na Ucrânia e no estrangeiro. Será justo.”

Solução de 'curto prazo'

A determinação acontece em um dos momentos mais difíceis para a Ucrânia no campo de batalha. Sem tantos problemas de tropas e com os arsenais completos,a Rússia realizou avanços lentos porém consistentes no Leste do país, e que podem servir para reforçar o discurso do Kremlin.

Segundo o Instituto para o Estudo da Guerra, os bombardeios recorrentes contra Kharkiv, no nordeste ucraniano, podem ser um sinal de que os russos querem lançar uma nova ofensiva para tomar a cidade, que fica próxima à fronteira entre os dois países — nos primeiros dias de conflito, tropas russas chegaram a entrar no perímetro urbano, mas recuaram pouco depois. Na semana passada, o chanceler russo Sergei Lavrov, expressou interesse na cidade, dizendo que ela exerceria um “papel importante” nos planos do presidente Vladimir Putin de estabelecer uma “zona sanitária” entre o território ainda controlado por Kiev e as áreas tomadas por Moscou.

Contudo, resta saber qual será o cenário adiante após a aprovação na Câmara dos EUA de um pacote de US$ 60 bilhões (R$ 307,90 bilhões) em ajuda militar aos ucranianos, após meses de um impasse liderado pelos republicanos aliados do ex-presidente e candidato à Casa Branca Donald Trump — em seus discursos, ele tem sinalizado que cortará a ajuda caso seja eleito.

O texto deve ser aprovado pelo Senado, e inclui armas cruciais, como sistemas de defesa aérea e munições de artilharia. Mas para Gwendolyn Sasse, pesquisadora no Centro Carnegie Europa, essa é uma solução de curto prazo, que resolve problemas pontuais e não contempla futuras turbulências, como as eleições americanas de novembro.

“A Ucrânia deve focar nas boas notícias agora, mas as potências ocidentais precisam pensar mais à frente, e de forma estratégica, para tentar prevenir problemas a cada passo. Mesmo sem o argumento de Trump sair vencedor no Congresso agora, a eleição presidencial permanece em aberto, com uma parte substancial do futuro da Ucrânia em jogo”, escreveu Sasse no site do Carnegie Europa nesta terça-feira.

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