Guarda Costeira grega jogou imigrantes ao mar e provocou morte de mais de 40, revelam testemunhas

Lei da Grécia permite que migrantes que buscam asilo realizem reivindicação, mas sobreviventes dizem ter sido apreendidos antes que pudessem chegar a locais de registro

Por O Globo e agências internacionais — Atenas


Barco com refugiados chega à Ilha de Creta, na Grécia Costas METAXAKIS / AFP/ 22-11-2022

Nos últimos três anos, a Guarda Costeira da Grécia causou a morte de dezenas migrantes no Mediterrâneo, incluindo nove que foram deliberadamente jogados na água, segundo uma reportagem da BBC. As vítimas estão entre mais de 40 pessoas que teriam morrido após serem forçadas a sair das águas territoriais gregas ou serem levadas de volta ao mar após chegarem às ilhas gregas. Autoridades do país negam as acusações.

A BBC mostrou imagens de 12 pessoas sendo carregadas num barco da Guarda Costeira grega e depois abandonadas em um bote inflável. Na reportagem, um ex-alto oficial da instituição marítima confessou que a ação era “obviamente ilegal” e constituía um “crime internacional”. Embora o governo grego seja há muito tempo acusado de devoluções forçadas — ao empurrar as pessoas de volta para a Turquia, por exemplo — esta é a primeira vez que o número de incidentes foi calculado pela imprensa.

As fontes iniciais foram principalmente a imprensa local, ONGs e a Guarda Costeira turca. Os 15 casos analisados, datados de maio de 2020 a 2023, resultaram em 43 mortes. Em cinco deles, os migrantes disseram ter sido jogados diretamente no mar pelas autoridades gregas. Em quatro, detalharam como desembarcaram nas ilhas — e como foram posteriormente caçados. As testemunhas dizem ter sido colocadas em botes infláveis sem motores, que depois esvaziaram ou foram perfurados.

Autoridades gregas são flagradas abandonando imigrantes africanos à deriva no mar

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Imagens mostram a ação da Guarda Costeira da Grécia

Um homem camaronês disse ter sido caçado pelas autoridades gregas após desembarcar na ilha de Samos, em setembro de 2021. Ele afirmou à BBC que planejava se registrar em solo grego como solicitante de asilo. Com ele estavam outros dois migrantes — outro de Camarões e um da Costa do Marfim. Todos foram transferidos para um barco da Guarda Costeira grega, onde foram espancados e posteriormente jogados no mar.

— Nós mal tínhamos atracado, e a polícia veio por trás. Havia dois policiais vestidos de preto e outros três à paisana. Eles estavam mascarados, só se podia ver os olhos — disse à BBC. — Os agentes começaram com [o outro] camaronês. Ele foi jogado na água. O homem da Costa do Marfim disse que não queria morrer, mas também foi engolido pela água. Eles socavam a minha cabeça como se estivessem socando um animal. Me empurraram para a água sem colete salva-vidas.

Ele conseguiu nadar até a costa. No entanto, os corpos dos outros dois — Sidy Keita e Didier Martial Kouamou Nana — foram recuperados posteriormente na costa turca. Agora, os advogados do sobrevivente exigem que as autoridades gregas abram um caso de duplo homicídio.

‘Eles queriam que eu morresse’

Em junho de 2023, uma embarcação sobrecarregada virou na frente de um barco de patrulha da Guarda Costeira grega, e mais de 600 homens, mulheres e crianças morreram na água. Outro homem, da Somália, contou à BBC que foi capturado pelo Exército grego ao chegar na ilha de Chios, em março de 2021. Assim como o trio anterior, ele também foi jogado na água – antes, porém, suas mãos foram amarradas.

— Eles me jogaram amarrado no meio do mar. Eles queriam que eu morresse — disse ele, que conseguiu sobreviver boiando de costas antes que uma de suas mãos se soltasse da amarra. Segundo ele, o mar estava agitado, e três pessoas de seu grupo morreram.

O caso com a maior perda de vidas ocorreu em setembro de 2022, quando um barco que transportava 85 migrantes teve problemas com o motor perto da ilha grega de Rodes. Mohamed, da Síria, afirmou à BBC que ligaram para a Guarda Costeira grega pedindo ajuda, mas os agentes os levaram de volta para as águas turcas e os colocaram em botes salva-vidas. Segundo Mohamed, o bote que ele e sua família receberam não teve a válvula fechada adequadamente, e eles afundaram imediatamente.

— Eles viram e ouviram todos gritando, e ainda assim nos deixaram — relatou. — A primeira criança que morreu foi o filho do meu primo. Depois, foi uma por uma. Outra criança, depois mais outra, e então meu primo desapareceu. De manhã, sete ou oito crianças haviam morrido. Meus filhos morreram bem antes de a Guarda Costeira turca chegar.

A lei grega permite que todos os migrantes que buscam asilo registrem sua reivindicação em várias ilhas em centros de registro especiais. Os entrevistados – com quem a BBC conseguiu contato com ajuda do grupo de apoio a migrantes Consolidated Rescue Group – disseram que foram apreendidos antes que pudessem chegar a esses locais, algo que também é garantido pela lei da União Europeia. Eles afirmam que esses homens operam disfarçados, sem uniforme e frequentemente mascarados.

Grupos de direitos humanos alegam que milhares de pessoas que buscaram asilo na Europa foram forçadas a voltar da Grécia para a Turquia – e tiveram o direito de solicitar asilo negado. O ativista austríaco Fayad Mulla disse à BBC que foi ao local de uma suposta devolução forçada após uma denúncia, em fevereiro de 2023. Lá, conseguiu gravar o momento em que foi parado por um homem de capuz que mais tarde foi identificado como um policial.

Dois meses depois, num local semelhante, ele conseguiu filmar uma devolução forçada. A história foi publicada pelo New York Times. Na ocasião, um grupo que incluía mulheres e bebês foi retirado de uma van sem identificação e direcionado a um pequeno barco. Eles foram transferidos para uma embarcação da Guarda Costeira grega, levados ao mar e colocados num bote, onde foram deixados à deriva. Posteriormente, o grupo foi resgatado pela Guarda Costeira turca.

O Ministério dos Assuntos Marítimos e Política Insular da Grécia disse à BBC que as imagens estão sendo investigadas pela Autoridade Nacional de Transparência independente do país. Ao veículo britânico, a Guarda Costeira grega disse que sua equipe trabalhou “incansavelmente com o máximo de profissionalismo, um forte senso de responsabilidade e respeito pela vida humana e pelos direitos fundamentais”.

A Grécia, que é a porta de entrada para a Europa para muitos migrantes, sempre negou que as chamadas “devoluções” ocorram no país. Apenas no ano passado, 263 mil pessoas chegaram na Europa pelo mar, e o Estado grego recebeu 41,5 mil (16%) delas. Em 2016, a Turquia assinou um acordo com a UE para impedir que migrantes cruzassem para a Grécia, mas em 2020 afirmou que não poderia mais aplicar a medida.

Nesta segunda-feira, a ONG alemã ResQship anunciou nas redes sociais que dez pessoas morreram e dezenas estão desaparecidas após o naufrágio de duas embarcações que transportavam migrantes no mar Mediterrâneo, em frente às costas da Itália. A Guarda Costeira italiana resgatou 11 pessoas num navio à deriva em frente à Calábria, no sul, e 64 pessoas estão desaparecidas, segundo a imprensa italiana. (Com AFP)

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