Otan acusa China de ser 'facilitador decisivo' da Rússia na Ucrânia e alerta sobre 'custo'; Pequim critica 'motivação sinistra' da aliança

Declaração conjunta apresentada pelos países ocidentais na quarta-feira representou primeiro reconhecimento da aliança sobre papel chinês na guerra

Por , Em The New York Times — Washington


O presidente dos EUA, Joe Biden, discursa durante cúpula da Otan em Washington Roberto Schmidt/AFP

RESUMO

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GERADO EM: 11/07/2024 - 09:27

Tensão entre Otan e China: Consequências do apoio à Rússia

A Otan acusa a China de ser facilitadora da guerra da Rússia na Ucrânia, exigindo a interrupção do envio de componentes de armas. Pequim nega e critica a Otan, alertando para possíveis consequências e acusando a aliança de motivos sinistros. Os EUA fornecem evidências de inteligência sobre o apoio da China a Moscou, visando convencer os céticos. A declaração conjunta da Otan alerta sobre o risco do apoio chinês à Rússia ter um custo, mencionando possíveis sanções econômicas. Pequim reage acusando a Otan de interferir em assuntos internos e provocar caos na Ásia. A relação entre a China e a Rússia cresce, com projetos conjuntos e apoio ao esforço russo na Ucrânia. A China nega envolvimento em ciberataques e destaca a hipocrisia dos EUA ao fornecer armamentos aos ucranianos. A situação reforça a tensão entre as potências e ameaça impactar as relações internacionais.

Pela primeira vez de forma oficial, a Otan acusou a China de atuar como "um facilitador decisivo da guerra da Rússia contra a Ucrânia" e exigiu que o país interrompa o envio de "componentes de armas" e outras tecnologias cruciais para a reconstrução militar de Moscou. O inédito posicionamento foi apresentado em uma declaração conjunta aprovada pelos 32 líderes do grupo, no segundo dia da reunião de cúpula em Washington. Pequim negou a denúncia, alertando os países ocidentais a não "mancharem a imagem" da China.

A declaração da Otan representa uma mudança significativa da aliança, que nunca havia mencionado oficialmente a China como uma preocupação até 2019. Também configura uma adesão oficial dos países aliados às denúncias de Washington sobre o apoio militar de Pequim a Moscou. Nesta quinta-feira, antes de uma reunião com o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, os membros da aliança ocidental debaterão com os aliados da região Ásia-Pacífico o apoio da China à Rússia no conflito.

O texto contém uma ameaça implícita: de que o crescente apoio da China à Rússia terá um custo. Pequim "não pode facilitar a maior guerra na Europa na história recente sem que isso afete negativamente seus interesses e reputação", diz a declaração, mencionando especialmente "seu apoio em larga escala à base industrial de defesa da Rússia".

O documento, contudo, não especifica quais seriam esses custos. O primeiro passo natural seria aplicar sanções econômicas que impediriam a China de ter acesso a partes dos mercados globais.

Nesta quinta-feira, Pequim reagiu acusando a Otan de procurar sua própria segurança às custas de outros e alertando a aliança para não causar o mesmo “caos” na Ásia.

— A escalada da Otan sobre a responsabilidade da China na questão da Ucrânia não é razoável e tem motivos sinistros — disse o porta-voz Lin Jian em uma entrevista coletiva.

Chefes de Estado e de governo da Otan posam para fotografia em evento que marcou os 75 anos da aliança militar — Foto: Andrew Harnik / GETTY IMAGES NORTH AMERICA / Getty Images via AFP

Lin ainda defendeu que a China tem uma posição "justa e objetiva" sobre a questão da Ucrânia, e que as relações com a Rússia segue parâmetros definidos pela Organização Mundial do Comércio (OMC).

— A China exorta a Otan a parar de interferir na polícia interna da China e manchar a imagem da China e não criar o caos na Ásia-Pacífico após desatar tumulto na Europa — acrescentou.

Líderes europeus hesitavam em desafiar Pequim, especialmente países como a Alemanha, que veem a China como um mercado crítico para carros de alta qualidade e produtos de luxo.

Inicialmente, muitos deles ignoraram a "parceria sem limites" anunciada pelos presidentes russo, Vladimir Putin, e chinês, Xi Jinping, em 2022. Até mesmo o presidente dos EUA, Joe Biden, disse ter suas dúvidas sobre a capacidade dos dois países, com uma longa história de inimizade, de trabalharem juntos. Em março de 2023, durante uma viagem ao Canadá, ele disse que havia exagero sobre as preocupações com a parceria.

Presidente russo, Vladimir Putin, e o presidente da China, Xi Jinping, fazem um brinde durante recepção no Kremlin, em Moscou — Foto: PAVEL BYRKIN/AFP

— Tenho ouvido nos últimos três meses que 'a China vai fornecer armas significativas para a Rússia', muita conversa sobre isso — disse Biden. — Eles ainda não fizeram isso. Isso não significa que não farão, mas ainda não fizeram.

Mas quase dois anos e meio após a invasão da Ucrânia, essa visão mudou drasticamente. Embora a China tenha respeitado os avisos para não fornecer sistemas de armas completos à Rússia, ela fez de tudo permitido: forneceu chips de computador, softwares avançados e os componentes necessários para que Moscou reconstrua uma base industrial de defesa que produzia equipamentos defeituosos e ultrapassados.

As evidências de inteligência foram fornecidas aos países da Otan pela administração Biden, numa tentativa de convencer os céticos que argumentavam que a China não era um ator central na guerra. Isso teve sucesso, mas apenas depois que os Estados Unidos publicaram os nomes, em uma ordem de sanções econômicas do Departamento do Tesouro, de empresas de fachada e fabricantes chineses que enviavam a tecnologia para a Rússia.

— A declaração demonstra que os aliados agora entendem coletivamente esse desafio e estão pedindo à República Popular da China que cesse essa atividade — disse Jake Sullivan, conselheiro de Segurança Nacional de Biden, na tarde de quarta-feira. — Se esse apoio da RPC continuar, isso prejudicará suas relações em toda a Europa, e os Estados Unidos continuarão a impor sanções às entidades envolvidas nessa atividade em coordenação com nossos aliados europeus.

Presidente dos EUA, Joe Biden, durante o primeiro dia de reunião da Otan em Washington — Foto: SAMUEL CORUM / AFP

A declaração também culpa a China por "atividades cibernéticas maliciosas e híbridas, incluindo desinformação" dirigidas aos EUA e à Europa. No início desta semana, Washington e vários de seus aliados alertaram sobre um grupo de hackers ligado ao Ministério de Segurança da China, que parece estar centrado em roubar segredos bem protegidos de governos e empresas. Funcionários da Casa Branca passaram boa parte dos últimos anos concentrados em outro grupo que acusaram de implantar um software malicioso na infraestrutura crítica americana, que poderia ser ativado para interromper oleodutos e redes elétricas em caso de um confronto sobre Taiwan.

A China negou que esteja se preparando para ciberataques ou que seja um fator importante na guerra na Ucrânia. Autoridades chinesas acusaram publicamente e em particular Washington de uma profunda hipocrisia, notando as dezenas de bilhões de dólares em munições, sistemas de mísseis, tanques e em breve jatos F-16 que os EUA estão fornecendo aos ucranianos.

Em maio, quando as sanções americanas foram impostas, Wang Wenbin, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, chamou as acusações dos EUA de "hipócritas e altamente irresponsáveis". Mas ele não negou os detalhes.

O impasse sobre o papel da China na Ucrânia ameaça desfazer qualquer boa vontade que Biden desenvolveu com Xi quando se encontraram em novembro na Califórnia. Na época, Biden alertou Xi particularmente sobre interferir nas eleições presidenciais de 2024, mas as evidências de que a China se tornava uma força importante, ao lado do Irã e da Coreia do Norte, no apoio ao esforço de guerra russo ainda não estavam disponíveis.

Biden e Xi caminham juntos após reunião de cúpula na Califórnia. — Foto: Brendan Smialowski/AFP

Para a China, o movimento de ajudar a invasão da Rússia à Ucrânia é relativamente novo. No fim de semana antes do início da invasão em larga escala em fevereiro de 2022, o principal oficial de política externa da China, Wang Yi, disse à Conferência de Segurança de Munique que Pequim respeitava a soberania de nações independentes, incluindo a Ucrânia. Mas agora mantém pouco segredo de seu apoio ao esforço russo para aniquilar o país e integrar seu território.

Desde então, o número de projetos conjuntos da China com a Rússia, incluindo exercícios militares, tem sido impressionante. Xi e Putin se encontraram cerca de 50 vezes como presidentes. E seu esforço conjunto com a Europa para conter o crescimento do arsenal nuclear da Coreia do Norte e evitar que o Irã siga um caminho semelhante foi abandonado.

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