Forças Armadas da Venezuela expressam 'absoluta lealdade' a Maduro e classificam de 'golpe de Estado' protestos contra governo

Conselho Nacional Eleitoral declarou o chavista como vencedor da votação realizada no último domingo, resultado questionado pela oposição e boa parte da comunidade internacional

Por O Globo com agências internacionais


Um membro da Força Armada Nacional Bolivariana (FANB) deposita seu voto em uma seção eleitoral durante a eleição presidencial venezuelana, em Caracas, em 28 de julho de 2024 YURI CORTEZ/AFP

O ministro da Defesa venezuelano, Vladimir Padrino López, expressou nesta terça-feira "absoluta lealdade e apoio incondicional" das Forças Armadas Nacionais Bolivarianas (Fanb) ao presidente Nicolás Maduro após o resultado das eleições no país, que deram vitória ao chavista, ter sido contestado pela oposição e parte da comunidade internacional. Padrino López também assegurou que os protestos que varreram o país nas últimas horas e prometem seguir ao longo desta terça "são um golpe de Estado" que promovem "a extrema direita", prometendo que as forças armadas não irão permiti-los.

Em uma declaração televisionada, Padrino López afirmou que Maduro é "o nosso comandante-em-chefe, que foi legitimamente reeleito pelo poder popular e proclamado pelo Poder Eleitoral para o período presidencial 2025-2031", destacando que tem instruções do próprio presidente para não permitir os protestos descritos por ele como "absurdos" e "implausíveis". O procurador-geral, Tarek William Saab, anunciou que 749 manifestantes foram detidos até o momento.

A polícia usou gás lacrimogêneo e balas de borracha na segunda-feira para dispersar os protestos, enquanto tiros foram ouvidos em algumas áreas. Segundo balanços apresentados por ONGs pelo menos quatro pessoas morreram durante os protestos, 44 ficaram feridas, a maioria por arma de fogo, e 25 estão desaparecidas. Como uma forma de protesto, ao menos cinco estátuas do ex-presidente Hugo Chávez, antecessor de Maduro, foram derrubadas.

As manifestações, alegou o ministro da Defesa, estariam sendo promovidas pelos EUA e seus países aliados — argumento já utilizado pelo governo de Maduro em 2019. Nas Nações Unidas, o então chanceler venezuelano Jorge Arreaza denunciou a "permanente interferência, intromissão e ingerência dos EUA e de seus governos satélites na Venezuela para provocar uma mudança do regime por caminhos não constitucionais".

— Vamos derrotar mais uma vez esse golpe de Estado, não há ninguém que possa contra a consciência moral de um povo, não há quem possa contra a fortaleza moral de uma instituição como as Forças Armadas — sublinhou, citado pelo jornal Efecto Cocuyo, acrescentando que "tem havido uma grande contradição fomentada por fatores da extrema direita que recorre sempre ao fascismo."

Ainda na segunda, Maduro também denunciou que estavam "tentando impor um golpe de Estado no país", depois que a oposição disse não reconhecer o resultado do pleito.

'Vocês sabem o que aconteceu no domingo'

O ministro pediu ainda que a coalizão opositora Plataforma Unitária Democrática (PUD), que lançou Edmundo González Urrutia como seu candidato e foi descrita como "extrema direita fascista por Padrino López, adotasse "o caminho democrático e constitucional". A oposição liderada por María Corina Machado, inabilitada politicamente por 15 anos e principal figura da oposição, e González Urrutia pressiona por uma nova contagem dos votos e a divulgação das atas da votação de todas as seções eleitorais do país (solicitação também feita pela comunidade internacional).

Na noite de segunda-feira, a opoisção lançou um site reunindo as informações de todas as atas a que alegam terem tido acesso ("73,20%", segundo Corina Machado) e que, afirmam, apresentam uma vitória incontestável de González Urrutia. O CNE, ao declarar Maduro como vencedor com 80% das urnas apuradas, disse que o chavista teria tido 51,2% dos votos válidos (cerca de 5,1 milhão de votos nominais), contra 4,4 milhões dos votos para González (44,2%). Maduro foi proclamado presidente oficialmente mesmo sem ter o resultado reconhecido pela oposição e contestado por vários países.

Em um vídeo, González Urrutia pediu que as forças venezuelanas "respeitem a vontade dos venezuelanos expressa em 28 de julho" e que "parem com a repressão às manifestações pacíficas". "Vocês sabem o que aconteceu no domingo. Cumpram seu juramento. A constituição está acima de tudo. Os venezuelanos querem paz e respeito à vontade do povo. A verdade é o caminho para a paz", enfatizou o candidato da oposição.

Padrino López discursou ao lado do alto comando militar e comunicou ainda a morte do sargento da Guarda Nacional Bolivariana (GNB) José Torres Blanca no estado de Aragua — onde uma estátua do ex-presidente Hugo Chávez foi derrubada — por um tiro no pescoço. Outros 23 militares e 25 policiais foram feridos, segundo o ministro.

Apoio não é unânime

Um dos principais temores que circundava os militares venezuelanos é cenário de instabilidade que tem se desenhado nas últimas 24 horas — e aqui, o papel dos militares seria crucial. As Forças Armadas venezuelanas são uma peça-chave na política do país há pelo menos três décadas e, mesmo quando demoraram a aceitar o sucessor de Chávez como chefe, Maduro conseguiu manter a cúpula totalmente comprometida com o chavismo. Ao longo dos anos, as forças resistiram a todo tipo de negociação ou acordo com a oposição para forçar uma saída de Maduro do poder. Quem aceitou, terminou preso ou no exílio.

Uma declaração recente de Padrino López destacou que aceitaria uma eventual vitória opositora ("Quem vencer, que assuma seu projeto de governo, e quem perder que vá descansar", afirmou para uma plateia de milhares), se fosse confirmada pelo CNE, e esse núcleo militar mais duro já sinalizou que não consideraria as denúncias de fraude contra Maduro. A visão, porém, é diferente no baixo clero militar.

Diferente das mais altas autoridades militares do país, recompensadas por sua lealdade com empregos lucrativos e controle de setores estratégicos, esses militares recebem salários muito baixos e enfrentam, assim como o resto da população, uma situação econômica difícil. Soldados e oficiais estão, assim como outros setores das bases chavistas, insatisfeitos.

Para o general Manuel Cristopher Figuera, ex-chefe de espionagem, qualquer movimento que viesse a desafiar maduro viria de baixo para cima com os militares se recusando, por exemplo, em reprimir manifestantes — embora não signifique que irão aderir as denúncias de fraude pela oposição.

— Eles não vão se rebelar, mas também não vão obedecer a ordens — disse à AP Figuera, que fugiu do país em 2019 depois de liderar uma tentativa fracassada de remover Maduro do poder, dias antes da eleição.

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