Um dia depois da maior troca de prisioneiros entre a Rússia e o Ocidente desde o fim da Guerra Fria, o governo russo admitiu que um dos envolvidos na operação era um agente do serviço de segurança interna do país, o FSB. Vladimir Krasikov foi condenado à prisão perpétua pela Alemanha, em 2021, pelo assassinato de um militante checheno em Berlim, mas seus laços com Moscou jamais tinham sido confirmados.
— Krasikov, ele é funcionário do Serviço de Segurança Federal (FSB), serviu na unidade Alfa — disse o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, citado pela agência RIA Novosti, se referindo a uma unidade de elite da agência. — É interessante que quando serviu na Alfa, serviu junto com alguns membros do Serviço de Segurança Presidencial, que agora trabalham na Segurança Presidencial. naturalmente, amigos, nos cumprimentamos ontem quando nos vimos.
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Vladimir Krasikov foi preso em 2019, depois de perseguir e matar a tiros o cidadão georgiano Zelimkhan Khangoshvili, que comandou uma milícia durante a Segunda Guerra da Chechênia, em um parque de Berlim. Khangoshvili havia se mudado para a Alemanha após uma série de tentativas de assassinato contra ele na Geórgia, e supostamente ligadas às agências de inteligência russas.
Seguindo um velho modus operandi, herdado dos serviços de segurança soviéticos, o Kremlin negou qualquer participação no caso.
— Este caso não tem relação com o Estado russo e órgãos oficiais — disse, em agosto de 2019, o mesmo Dmitry Peskov, afirmando que as ligações entre Krasikov e o Kremlin eram suposições vindas da imprensa ocidental. — Eu nego resolutamente qualquer conexão entre este assassinato e a Rússia.
Krasikov, em uma demonstração de lealdade que lhe rendeu pontos junto ao governo russo, negou ser o autor e também que fosse um agente do FSB. Em 2021, ele foi condenado à prisão perpétua, e o juiz responsável pelo caso sugeriu que a ordem para executar Khangoshvili poderia ter vindo do próprio presidente russo, Vladimir Putin.
Mesmo oficialmente sem laços com o aparato de segurança estatal russo, o nome de Krasikov sempre circulou em negociações para a troca de prisioneiros entre o Ocidente e a Rússia. Em um desses momentos, após a prisão da jogadora de basquete americana Brittney Griner, em fevereiro de 2022, o Kremlin sugeriu uma troca direta entre a atleta, presa por posse de substâncias proibidas, e Krasikov, mas fontes diplomáticas sugerem que a Alemanha se recusou. Em dezembro daquele ano, Griner voltou para os EUA em troca da libertação de Viktor Bout, um dos maiores traficantes de armas da história recente, e que inspirou o filme “Senhor das Armas”.
A troca concluída na quinta-feira, que envolveu 26 pessoas, incluindo dois menores, foi conduzida de forma secreta, envolvendo, além de Rússia e EUA, países como Turquia, Alemanha e Eslovênia, e o nome de Krasikov sempre esteve em destaque na lista de prisioneiros que os russos queriam ver livres.
Em determinado momento, o governo alemão, como revelou o jornal Zeit, sinalizou que estava disposto a libertar Krasikov em troca, além do jornalista do Wall Street Journal, Evan Gershkovitch, do líder da oposição, Alexei Navalny. Com a morte de Navalny, Moscou aceitou incluir na lista o ativista e jornalista Vladimir Kara-Murza, que havia sido condenado, em 2023, a 25 anos de prisão por suas críticas à guerra na Ucrânia.
— As negociações sobre esta complexa troca foram conduzidas entre o FSB e a CIA. Esta foi a linha principal ao longo da qual um acordo foi alcançado. — disse Peskov, citado pela RIA. — Toda a dinâmica interna dessas negociações, é claro, não pode ser tornada pública.
Logo após a chegada dos russos no aeroporto Vnukovo, na capital russa, na noite de quinta-feira, Peskov revelou que as duas crianças a bordo do avião, filhas de dois espiões russos presos na Eslovênia, descobriram que eram filhas de pais russos só depois de embarcar — o casal de espiões se passava por argentinos que tinham uma empresa de tecnologia da informação e uma galeria de arte na capital, Ljubljana, antes de serem presos.
— Os filhos dos ilegais que chegaram ontem [quinta-feira] só descobriram que eram russos já a bordo do avião vindo de Ancara. Eles não falam russo — disse Peskov. O termo “ilegal” é usado para descrever espiões russos que vivem no exterior, por vezes durante décadas, sob identidades falsas.
As crianças, acrescentou o porta-voz, acreditavam ser argentinas, e ao cumprimentá-las no pátio do aeroporto Putin se dirigiu a elas com expressões em espanhol. Segundo Peskov, elas não sabiam que se encontrariam com o presidente russo, que em raríssimas ocasiões vai receber visitantes assim que desembarcam de suas aeronaves no país.
— Isto é muito importante. Esta foi uma homenagem àquelas pessoas que servem o seu país. Que depois de provações muito difíceis, tiveram a oportunidade, graças ao trabalho árduo de muitas, muitas pessoas, de regressar à sua terra natal — afirmou o porta-voz, ao ser questionado sobre o que fez Putin sair do Kremlin para receber os recém-libertados.