Após troca de prisioneiros, Moscou admite que russo libertado pela Alemanha era um agente do Kremlin

Vladimir Krasikov, condenado pelo assassinato de um militante checheno em Berlin, agia a serviço do FSB, algo que o governo russo jamais havia confirmado

Por O Globo e agências internacionais — Moscou


Russos envolvidos em troca de prisioneiros com o Ocidente chegam ao aeroporto Vnukovo, em Moscou Kirill ZYKOV / POOL / AFP

RESUMO

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GERADO EM: 02/08/2024 - 14:02

Troca de prisioneiros revela agente do Kremlin preso em Berlim

Após troca de prisioneiros entre Rússia e Ocidente, governo russo confirma agente do Kremlin, Vladimir Krasikov, preso por assassinato em Berlim. Negado anteriormente, sua ligação com o FSB é revelada. Troca envolveu 26 pessoas, incluindo espiões e jornalistas, em operação secreta e complexa, conduzida entre FSB e CIA, com destaque para a chegada de espiões russos e seus filhos em Moscou.

Um dia depois da maior troca de prisioneiros entre a Rússia e o Ocidente desde o fim da Guerra Fria, o governo russo admitiu que um dos envolvidos na operação era um agente do serviço de segurança interna do país, o FSB. Vladimir Krasikov foi condenado à prisão perpétua pela Alemanha, em 2021, pelo assassinato de um militante checheno em Berlim, mas seus laços com Moscou jamais tinham sido confirmados.

— Krasikov, ele é funcionário do Serviço de Segurança Federal (FSB), serviu na unidade Alfa — disse o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, citado pela agência RIA Novosti, se referindo a uma unidade de elite da agência. — É interessante que quando serviu na Alfa, serviu junto com alguns membros do Serviço de Segurança Presidencial, que agora trabalham na Segurança Presidencial. naturalmente, amigos, nos cumprimentamos ontem quando nos vimos.

Vladimir Krasikov foi preso em 2019, depois de perseguir e matar a tiros o cidadão georgiano Zelimkhan Khangoshvili, que comandou uma milícia durante a Segunda Guerra da Chechênia, em um parque de Berlim. Khangoshvili havia se mudado para a Alemanha após uma série de tentativas de assassinato contra ele na Geórgia, e supostamente ligadas às agências de inteligência russas.

Seguindo um velho modus operandi, herdado dos serviços de segurança soviéticos, o Kremlin negou qualquer participação no caso.

— Este caso não tem relação com o Estado russo e órgãos oficiais — disse, em agosto de 2019, o mesmo Dmitry Peskov, afirmando que as ligações entre Krasikov e o Kremlin eram suposições vindas da imprensa ocidental. — Eu nego resolutamente qualquer conexão entre este assassinato e a Rússia.

Krasikov, em uma demonstração de lealdade que lhe rendeu pontos junto ao governo russo, negou ser o autor e também que fosse um agente do FSB. Em 2021, ele foi condenado à prisão perpétua, e o juiz responsável pelo caso sugeriu que a ordem para executar Khangoshvili poderia ter vindo do próprio presidente russo, Vladimir Putin.

Mesmo oficialmente sem laços com o aparato de segurança estatal russo, o nome de Krasikov sempre circulou em negociações para a troca de prisioneiros entre o Ocidente e a Rússia. Em um desses momentos, após a prisão da jogadora de basquete americana Brittney Griner, em fevereiro de 2022, o Kremlin sugeriu uma troca direta entre a atleta, presa por posse de substâncias proibidas, e Krasikov, mas fontes diplomáticas sugerem que a Alemanha se recusou. Em dezembro daquele ano, Griner voltou para os EUA em troca da libertação de Viktor Bout, um dos maiores traficantes de armas da história recente, e que inspirou o filme “Senhor das Armas”.

Viktor Bout (ao centro, de vermelho) cumpre pena nos EUA e pode ser usado em troca de presos com a Rússia — Foto: Reprodução

A troca concluída na quinta-feira, que envolveu 26 pessoas, incluindo dois menores, foi conduzida de forma secreta, envolvendo, além de Rússia e EUA, países como Turquia, Alemanha e Eslovênia, e o nome de Krasikov sempre esteve em destaque na lista de prisioneiros que os russos queriam ver livres.

Em determinado momento, o governo alemão, como revelou o jornal Zeit, sinalizou que estava disposto a libertar Krasikov em troca, além do jornalista do Wall Street Journal, Evan Gershkovitch, do líder da oposição, Alexei Navalny. Com a morte de Navalny, Moscou aceitou incluir na lista o ativista e jornalista Vladimir Kara-Murza, que havia sido condenado, em 2023, a 25 anos de prisão por suas críticas à guerra na Ucrânia.

— As negociações sobre esta complexa troca foram conduzidas entre o FSB e a CIA. Esta foi a linha principal ao longo da qual um acordo foi alcançado. — disse Peskov, citado pela RIA. — Toda a dinâmica interna dessas negociações, é claro, não pode ser tornada pública.

Presidente da Rússia, Vladimir Putin, acompanha russos libertados em troca de prisioneiros com o Ocidente, no aeroporto Vnukovo, em Moscou — Foto: Kirill ZYKOV / POOL / AFP

Logo após a chegada dos russos no aeroporto Vnukovo, na capital russa, na noite de quinta-feira, Peskov revelou que as duas crianças a bordo do avião, filhas de dois espiões russos presos na Eslovênia, descobriram que eram filhas de pais russos só depois de embarcar — o casal de espiões se passava por argentinos que tinham uma empresa de tecnologia da informação e uma galeria de arte na capital, Ljubljana, antes de serem presos.

— Os filhos dos ilegais que chegaram ontem [quinta-feira] só descobriram que eram russos já a bordo do avião vindo de Ancara. Eles não falam russo — disse Peskov. O termo “ilegal” é usado para descrever espiões russos que vivem no exterior, por vezes durante décadas, sob identidades falsas.

As crianças, acrescentou o porta-voz, acreditavam ser argentinas, e ao cumprimentá-las no pátio do aeroporto Putin se dirigiu a elas com expressões em espanhol. Segundo Peskov, elas não sabiam que se encontrariam com o presidente russo, que em raríssimas ocasiões vai receber visitantes assim que desembarcam de suas aeronaves no país.

— Isto é muito importante. Esta foi uma homenagem àquelas pessoas que servem o seu país. Que depois de provações muito difíceis, tiveram a oportunidade, graças ao trabalho árduo de muitas, muitas pessoas, de regressar à sua terra natal — afirmou o porta-voz, ao ser questionado sobre o que fez Putin sair do Kremlin para receber os recém-libertados.

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