A sociedade brasileira não deveria desperdiçar a oportunidade para refletir com os casos recentes de racismo e antissemitismo em escolas de elite da capital paulista. No dia 22 de abril, duas alunas de 14 anos da Escola Vera Cruz pegaram o caderno da filha da atriz Samara Felippo e do ex-jogador de basquete Leandrinho, arrancaram folhas de um trabalho escolar e escreveram uma ofensa abjeta de cunho racista. Um mês e meio antes, no início de março, seis alunos de 15 anos da Beacon School intimidaram um colega judeu, desenhando suásticas num caderno e fazendo a saudação nazista.
Casos assim têm chamado mais a atenção nos últimos tempos. Eles têm surgido não apenas em colégios caros de São Paulo, mas em escolas particulares e públicas de todas as regiões do Brasil. O racismo é em geral invisível quando as vítimas são negros pobres da periferia. Crianças e jovens são alvos frequentes de humilhação hedionda em razão de cor da pele, religião, características físicas ou intelectuais. Não se pode esquecer que a legislação brasileira pune esses atos como crimes e que, perante a lei, os pais são responsáveis pelo que seus filhos fazem. Tais atitudes são, além disso, intoleráveis num ambiente que quer formar cidadãos.
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Mas, por óbvio, educadores não têm o poder de manter o racismo, a intolerância religiosa e outros preconceitos fora das instituições de ensino. O que está ao alcance da direção e do corpo docente é fazer um trabalho contínuo de prevenção, criar canais de denúncia eficientes, acolher e cuidar das vítimas e de suas famílias, identificar jovens agressores e tomar medidas corretivas. Tudo isso sem atropelo. A pior das decisões é tentar apenas agradar ao tribunal das redes sociais ou dos grupos de mensagens quando o horror vem à tona.
A dor de ver um filho alvo de racismo ou perseguição costuma provocar nos pais o desejo de punição exemplar, geralmente na forma de expulsão. Não é, obviamente, opção que deva ser descartada. Mas crianças e adolescentes são sujeitos em estágio de formação. Bem concebida e realizada, a educação é um instrumento de transformação. Desistir de incutir nelas princípios éticos e morais é um desserviço ao combate à discriminação. Cada situação deve ser examinada em suas particularidades antes de decisões extremas.
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O caso de racismo contra a filha de Samara Felippo ilustra a complexidade. O Vera Cruz é uma escola popular entre famílias progressistas da Zona Oeste de São Paulo. Foi uma das primeiras da cidade a adotar um programa antirracista consistente. Formou equipes de orientadores pedagógicos e professores atentos. Em vez de decretar o fracasso de todo esse esforço, a escola precisa identificar se houve erros, para torná-lo mais eficaz, sabendo que nunca estará livre de novos casos.
Independentemente da motivação, o ato não pode ser tratado com leveza. A escola suspendeu as agressoras e, em seguida, elas saíram voluntariamente. Em mensagem, os pais de uma delas, precursores do movimento contra o racismo no Vera Cruz, pediram desculpas pela “violência injustificável” e lembraram que a filha, como toda adolescente, comete erros e acertos.
A melhor resposta de educadores e da sociedade à sensação de aviltamento das vítimas seria transformar os agressores em cidadãos incapazes de cometer o mesmo crime. Sem prejuízo das punições previstas nos termos da lei, necessárias para desencorajar que atitudes tão repugnantes se repitam.