Em seu terceiro mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva testemunha um distanciamento inédito entre o governo que comanda e o partido que fundou há 44 anos. A relação da gestão federal com o PT vive uma crise com trocas de farpas nos bastidores que contribuem para as dificuldades enfrentadas no Congresso.
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Enquanto deputados apontam desarticulação na relação com os partidos da base, falta de linha política e se queixam de não serem ouvidos, o Planalto entende que os parlamentares não se empenham na defesa do Executivo.
Com quase um ano e meio de governo, Lula ainda não se reuniu com as bancadas do PT da Câmara e do Senado. No primeiro mandato, entre 2003 e 2006, esses tipos de encontros eram comuns. Em 30 de abril de 2003, perto de completar quatro meses no cargo e um dia antes de entregar ao Congresso as propostas de Reforma Tributária e da Previdência, o presidente almoçou com os então 92 deputados da bancada do PT.
— O presidente não se encontrou até hoje com a bancada do PT. É estranho — diz o deputado Zeca Dirceu (PR).
Em conversas internas, o presidente alega que caso se reunisse com os deputados petistas teria que fazer encontros também com as bancadas dos demais partidos que o apoiam. No total, 11 legendas têm participação no primeiro escalão da administração. No ano passado, o calendário de viagens internacionais impediu esse tipo de encontro, ponderam interlocutores de Lula, que pretendem viabilizar a reunião este ano.
Linha de frente
Os deputados reconhecem o caráter mais amplo da atual gestão em relação aos dois primeiros mandatos, mas dizem que, apesar da base diversa, é o PT que acaba assumindo a missão de ficar na linha de frente dos embates em favor do governo.
Lula, por sua vez, revelou insatisfação em reunião com ministros do núcleo político e líderes do governo na semana passada, quando se queixou da falta de dedicação na defesa dos interesses do Executivo no Congresso e do empenho na divulgação de ações.
Para auxiliares do presidente, petistas da Câmara precisam se contrapor ao bolsonarismo e marcar posição mesmo em pautas que não tenham chance de prosperar. Avaliam ainda que o PT tem a função de ajudar no debate político e na mobilização da sociedade para que a gestão encontre eco. Um exemplo, na visão do governo, aconteceu no projeto que restringe a “saidinha” de presos, em que não houve um posicionamento firme dos aliados para que o veto de Lula a um trecho central do texto pudesse ser justificado.
No Senado, apenas um dos oito petistas votou contra o projeto. Na Câmara, os deputados do PT alegaram que o texto, aprovado em março, era melhor do que a versão original do projeto, que havia passado pela Casa em 2022. Na época, o partido se posicionou contra.
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Entre os deputados, os principais alvos de queixas são os ministros petistas Alexandre Padilha (Relações Institucionais) e Rui Costa (Casa Civil). Procurados, os dois não se manifestaram. Parlamentares de diferentes correntes reclamam de falta de coordenação do governo, tanto nas ações como na articulação política, o que dificulta a mobilização.
— O ministério da articulação política e o ministro da Casa Civil não ouvem a bancada do PT. Nós somos convidados para lavar o espeto e não para comer a picanha — diz o deputado Dionilson Marcon (RS).
Os deputados também dizem que não são avisados sobre inciativas do governo em suas bases e relatam que já houve caso de um parlamentar de direita ficar sabendo antes do lançamento de uma obra do que o próprio deputado do PT da região. Articuladores do Planalto reconhecem as falhas e dizem que os congressistas passarão a ser informados de todos os passos de obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) em suas regiões.
Na tentativa de apaziguar os ânimos, na semana passada a coordenação da bancada do PT foi recebida por Rui Costa.
Líder da bancada do PT na Câmara, Odair Cunha (MG) cobra o esforço para formação de “uma base sólida”. Ele isenta o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), de responsabilidade pelos percalços enfrentados pela gestão Lula no Congresso e sugere que os problemas têm como origem a articulação que deveria ser promovida pelo Planalto:
— O problema não é o presidente Arthur Lira. Se tem uma bancada com a qual o governo mais pode contar, é a do PT.
Ex-presidente do partido, o deputado Rui Falcão (SP) avalia que a legenda se concentrou, nos últimos anos, no enfrentamento eleitoral e, de certa forma, abandonou as lutas sociais:
— É um governo de frente ampla. Temos que defender nossas ideias dentro da frente.