'Máfia das creches' em SP movimentou cerca de R$ 1,5 bilhão entre 2016 e 2020, diz PF

Investigação aponta o prefeito Ricardo Nunes (MDB) como suspeito de lavagem de dinheiro; segundo a PF, há indícios de irregularidades em 112 de 152 estabelecimentos investigados

Por — São Paulo


O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes Maria Isabel Oliveira / Agência O Globo

Alvo de investigação da Polícia Federal, o esquema de desvio de verbas em creches administradas por organizações sociais em São Paulo movimentou, ao todo, aproximadamente R$ 1,5 bilhão entre 2016 e 2020. Conforme aponta o inquérito, fruto de averiguação iniciada em 2021, o caso envolveria escritórios de contabilidade e empresas de fachada especializadas em emitir notas frias, chamadas pela PF de “noteiras”.

Em relatório finalizado nesta terça-feira, a PF também apontou a necessidade de continuidade das investigações sobre o prefeito Ricardo Nunes (MDB). Contra ele, pesam suspeitas de lavagem de dinheiro. A investigação encontrou indícios de irregularidades em 112 de 152 unidades investigadas, envolvendo R$ 14,4 milhões.

A PF suspeita que o prefeito Ricardo Nunes, quando ainda era vereador (2013 – 2020), teria participado do esquema por meio da empresa de dedetização de sua família, mas o prefeito nega. Na terça-feira, a PF indiciou 116 pessoas e pediu a continuidade de investigações em relação a Nunes.

Investigação

O inquérito mostra que os indícios de irregularidades vão desde falsificações de guias da Previdência Social até a emissão de notas frias de serviços e produtos que nunca foram prestados ou entregues. Em outra manobra, fornecedores contratados pelas OSs devolveriam parte do valor que recebiam para as contratantes.

As suspeitas de irregularidades começam em 2018, após a Controladoria-Geral do Município receber denúncias anônimas sobre possíveis fraudes na contribuição previdenciária. Além disso, um cruzamento da CGM mostrou conexões de donos de escritórios de contabilidade com empresas fornecedoras de serviços para as OSs.

O elo permitiu, apontam as investigações, que OSs fingissem contratar serviços, e a prestação de contas ocorria por meio de notas frias. As organizações transferiam dinheiro para as “noteiras”, que encaminhavam o valor para os fornecedores. Depois, parte desses valores eram enviados de volta para as OSs.

Nesse ponto da investigação, surgiram indícios do suposto envolvimento de Nunes que, diz o inquérito, teria relações com a Associação Amiga da Criança e do Adolescente (Acria), cuja presidente é Elaine Targino da Silva. Elaine foi funcionária da Nikkey Serviços S/S, empresa de controle de pragas da família de Nunes.

A PF identificou um repasse da empresa Francisca Jaqueline Oliveira Braz Eireli, supostamente uma “noteira”, de R$ 11.590 para a conta de Nunes, por meio de dois cheques, em 27 de fevereiro de 2018. No mesmo dia, diz a PF, foi feita uma remessa de R$ 20 mil da mesma empresa para a Nikkey. Segundo a polícia, “é suspeita essa relação do então vereador (...) com uma das principais empresas atuantes do esquema criminoso”.

Segundo Targino, os valores que a Acria recebeu da empresa, total de R$ 1,3 milhão, são “doações”, mas ela não apresentou comprovantes.

Já Nunes, quando ouvido pela PF, afirmou que a Nikkey prestou serviços de dedetização para a Acria. Na quarta-feira, o prefeito negou envolvimento com o esquema, apontou motivações políticas por conta de sua campanha à reeleição. Em nota, sua assessoria disse ainda que ele prestou “todos os esclarecimentos no processo” e não houve qualquer acusação. A Acria afirmou que a Nikkey prestou os serviços contratados. A defesa dos demais citadas não foi localizada. A da Francisca Jaqueline Eireli não quis se manifestar.

Entenda o suposto esquema

  • Creches conveniadas recebem repasses mensais da prefeitura que variam de acordo com o número de alunos matriculados. Modelo permite atender crianças que a gestão municipal não conseguiria apenas com unidades próprias.
  • Todo mês, as Organizações Sociais que gerem as creches prestam contas à prefeitura, elencando despesas com recursos humanos, manutenção, alimentação e materiais pedagógicos, de limpeza e de escritório.
  • Segundo a PF, as OSs investigadas emitiam notas fiscais falsas de serviços e produtos que nunca foram de fato prestados ou comprados.
  • Parte do dinheiro pago para essas fornecedoras voltava para as próprias entidades contratantes.
  • As notas fiscais eram emitidas por empresas “noteiras”, cujos sócios têm ligações com as OSs ou com os fornecedores.
  • A Nikkey Serviços, empresa da família de Ricardo Nunes, prestou serviços para algumas creches conveniadas. A PF aponta suspeitas sobre a real prestação de serviços. Nunes diz que eles foram regularmente prestados e nega irregularidade.
  • A PF ainda aponta que as OSs falsificaram guias de recolhimento da Previdência, que não foram pagas como devido.

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