A votação em segunda discussão do projeto de lei que prevê internação sem consentimento para pessoas em situação de vulnerabilidade social e dependência química em Niterói, prevista para a última sessão ordinária antes do recesso parlamentar, nesta quinta-feira (1º), foi adiada. O presidente da Câmara Municipal, Milton Cal (PP), acatou o pedido de vista da vereadora Benny Briolly (PSOL), que pediu o adiamento da discussão. Durante o debate, um grupo contrário ao projeto lotou as galerias da Câmara, gritando "Não à internação!".
— Niterói não é o lugar onde iremos permitir o encarceramento das pessoas que têm problemas psiquiátricos e químicos. Como pode a gente gastar dinheiro público para fortalecer estabelecimentos que não condizem com a reforma psiquiátrica no Brasil? — indagou Benny, enquanto pedia que o projeto fosse retirado de pauta.
A vereadora ainda pediu encaminhamento do texto para a Comissão Permanente de Direitos Humanos, da Mulher, da Criança, e do Adolescente, presidida por ela. O autor da proposta, o vereador Fabiano Gonçalves (Cidadania) acatou o pedido de vista, mas afirmou que "tinha certeza de que a base ia votar favoravelmente ao projeto", caso fosse votado.
Projeto idealizado após viagens a Nova York
De acordo com o autor do projeto, o vereador Fabiano Gonçalves (Cidadania) a ideia surgiu após ele notar o aumento de pessoas em situação de rua ao redor do mundo.
— Tenho ido a Nova York. Uma coisa que me chamou muito a atenção nos últimos três anos, sendo que é um período muito frio lá em janeiro, é que o índice de população de rua, em Manhattan, hoje, é uma coisa absurda — afirmou.
Ele complementa que em lugares como Paris a situação é a mesma:
— Na Europa a gente também vê isso. Você vê na (avenida) Champs-Élysées milhares de imigrantes que são moradores de rua.
Após a pandemia, o vereador também identificou um “número muito grande” de pessoas em situação de rua em Niterói.
— Você precisa ter um local para levar essa pessoa que está em surto. Nosso projeto é voltado para resolver o problema desses cidadãos que estão fora da sua capacidade, da autonomia, da vontade. Em nenhum momento falamos que esse projeto é para todos os moradores em situação de rua. São para as pessoas em situação de rua que têm dependência química ou problemas psiquiátricos — ressaltou.
Após sua aprovação em primeiro turno, o documento recebeu uma série de emendas de autoria do vereador Leonardo Giordano (PCdoB) que revisaram alguns dos pontos mais polêmicos. Com as alterações, o novo texto perderia trechos que tratavam de “internação involuntária” e “sem o consentimento da pessoa”. De acordo com a assessoria da Câmara, as emendas serão discutidas no segundo turno da votação. O próprio Gonçalves apresentou uma emenda modificativa alterando a aplicação da lei, que na versão original incluía “todos os cidadãos que estejam em situação de rua”, para “todos os cidadãos que estejam em situação de vulnerabilidade”.
Projeto semelhante
O vereador Douglas Gomes (PL) é autor de outro projeto que ainda tramita nas comissões da Casa: o “Projeto de internação compulsória”. Segundo ele, a principal diferença entre o projeto dele e o de Gonçalves é o nome. O projeto do vereador do Cidadania é conhecido como “Projeto de internação humanizada”.
— Normalmente, quando nós temos dois projetos parecidos, ele é apensado, ou seja, é realizada uma votação só. Por que nós não fizemos isso? Em acordo com o vereador Fabiano, entendemos que, se um perder, temos chance ainda de ter a discussão da matéria com o outro projeto. Então, os projetos estão protocolados, estão tramitando de forma totalmente separada, com o intuito de ter mais uma linha, mais um braço para discutir sobre a questão da internação compulsória — explicou.
Vereadores contrários à proposta ressaltam a semelhança do projeto com um PL sancionado em março em Florianópolis, reconhecido pelo próprio autor como a inspiração para o projeto em Niterói. O vereador Professor Tulio (PSOL) destaca que, no caso de Florianópolis, houve uma recomendação das Defensorias Públicas da União e do Estado para que o projeto não fosse adotado, por ser “inconstitucional”.
— Infelizmente, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Municipal de Niterói deu parecer favorável ao projeto. Tentamos fazer uma obstrução de pauta, prevista no regimento interno da Casa, para tentar evitar a aprovação em primeira discussão, mas não deu certo. Esperamos reverter essa votação em segundo turno para que ele não seja aprovado — destacou o vereador, que vê o projeto como inconstitucional por dar “um tratamento diferenciado a uma parcela da população”, além de considerar que a legislação federal já dispõe de mecanismos que tratam de internação.
Gonçalves defendeu a pauta e minimizou as críticas; alegou que atos violentos de “viciados em crack” não são contidos por “discursos bonitos e convincentes de intelectuais”.
Contrário à proposta, o vereador Paulo Eduardo Gomes (PSOL) destaca que os profissionais da Saúde de Niterói, sobretudo especialistas em saúde mental, são contra a proposta de “internação humanizada”:
— O que está sendo oferecido hoje é desumanizado? Na hora em que você coloca um adjetivo, como internação “humanizada”, significa que os trabalhadores da Saúde de Niterói estão tratando as pessoas de maneira desumana?
Gomes aponta ainda a falta de manifestação da gestão de Axel Grael (PDT) sobre o assunto:
— Se o governo acatar a visão do pessoal de saúde mental, ele vai orientar a base para votar contra. Se ele fizer diferente, e se omitir em não orientar claramente, através do seu líder (o vereador Andrigo, do PDT), sobre a votação nesse projeto, isso vai cair sobre as costas do Rodrigo Neves (PDT), como se ele quisesse a internação compulsória das pessoas. E este é um ano eleitoral.