MP avalia proposta de criação de centro de memória na antiga sede do Dops, no Centro do Rio

Projeto de transformar um dos símbolos da ditadura em espaço de preservação dos direitos humanos é do Coletivo RJ Memória Verdade Justiça e Reparação

Por — Rio de Janeiro


Em estágio avançado de deterioração, o edifício do antigo Dops fica na Rua da Relação, no Centro do Rio, e pode virar um centro de memória Reprodução

Proposta pelo Coletivo RJ Memória Verdade Justiça e Reparação, a criação de um centro de memória e dos direitos humanos na antiga sede do Departamento de Ordem Política e Social (Dops), no Centro do Rio de Janeiro, será analisada pelo Ministério Público Federal (MPF), que abriu um inquérito civil para discutir e, se possível, viabilizar a transformação do prédio. O local, que foi um centro de detenção e tortura durante a ditadura militar, está abandonada desde os anos 1980 e deteriorado.

O MPF deu prazo de dez dias para que a Polícia Civil, que administra o edifício, se manifeste sobre a representação do coletivo, organização da sociedade civil que reúne entidades constituídas por ex-presos políticos, familiares de mortos e desaparecidos e militantes de direitos humanos. O grupo reivindica a transformação da antiga sede do Dops em um espaço de preservação da memória política do povo brasileiro.

De acordo com a representação apresentada ao MPF, o abandono do edifício, localizado na Rua da Relação, no Centro da cidade, vem ocasionando a perda de elementos do testemunho histórico sobre o período da ditadura, havendo um risco iminente de perda total de material que ainda não pôde ser objeto de estudo adequado de arqueologia forense especializada.

Segundo o procurador da República Julio José Araujo Junior, que assina a abertura do inquérito, instaurado na Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão, o direito à memória não constitui mero olhar retrospectivo ao passado, mas a recriação da compreensão coletiva, permitindo um entendimento também acerca do presente e do futuro.

“A proteção da memória e do patrimônio histórico-cultural passa pela superação crítica do enaltecimento do regime autoritário, tendo em vista as violações praticadas, com assassinatos, desaparecimentos forçados, torturas e outras práticas ilícitas por parte do Estado”, ponderou.

Em 1987, o prédio foi declarado patrimônio cultural pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac), sob a justificativa de preservação das qualidades arquitetônicas notáveis. O MPF salientou, na ocasião, que o edifício é, sobretudo, “um marco e testemunho histórico das lutas populares pela conquista de liberdade e lugar de memória dos que ali foram torturados pela defesa de suas ideias políticas”.

Entre os elementos preservados estão as carceragens masculina e feminina, armários, escaninhos, documentos da época, e uma sala com revestimento acústico – que indica seu uso para tortura. As visitas técnicas realizadas ao longo dos anos, acompanhadas por autoridades públicas e representantes de entidades de direitos humanos, constatam que a ação do tempo vem agravando os danos à estrutura do prédio, sendo necessário inclusive o isolamento de certas áreas pelo risco de desabamento do piso.

Autores da proposta comemoram

Sobrinho de Raul Amaro Nin Ferreira, preso político morto durante o regime militar no hospital do Exército, no Rio, o arquiteto Felipe Nin, que é membro do Coletivo RJ Memória Verdade Justiça e Reparação, conta que o grupo recebeu com esperança a notícia da abertura do inquérito do MPF.

— No marco dos 60 anos do golpe militar de 1964, o Ministério Público Federal demonstra que entende o papel do estado na preservação e difusão da memória coletiva e política sobre graves violações de direitos humanos. Com isso, a proposta de criação de um centro de memória sobre os direitos humanos e a violência política ganha um importante interlocutor para a garantia desses direitos por meio de iniciativas públicas. E sempre lembramos que a relevância histórica e política do edifício é anterior às duas ditaduras. Esse edifício é um símbolo do braço punitivo de toda a República — diz.

A pesquisadora e professora de direitos humanos Fernanda Pradal, que também faz parte do coletivo, destaca que o projeto, que vem sendo elaborado há décadas, está alinhado com padrões internacionais sobre lugares de memória.

— A luta pela criação de um museu da liberdade para lembrar a barbárie do Estado Novo e da ditadura no prédio do antigo DOPS começou já nos anos 1980, teve marcos fundamentais nos anos 1990 e 2000, com o acesso à documentação e com o Arquivo Público sendo transferido temporariamente para lá. Nós, em dezembro de 2013, no contexto de funcionamento da Comissão da Verdade do Rio, nos articulamos com diversos movimentos e organizações da área de direitos humanos e da cultura e lançamos a campanha Ocupa Dops para renovar os esforços para a transformação do edifício em um centro de memória. A partir dessa campanha, também conseguimos que a Comissão de Anistia viabilizasse um projeto de Centro de Referência dos Direitos Humanos. E seguimos pressionando para uma solução definitiva que garanta o direito à memória e à verdade no prédio do DOPS-RJ.

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