Dossiê Mulher: a cada hora, 14 mulheres são vítimas de violência no Estado do Rio

Trabalho revela também que 52,7 % dos agressores tinham entre 30 e 59 anos; entre os mais jovens, de 18 a 29 anos, a violência física sobressai

Por e — Rio de Janeiro


Mulheres protestam contra feminicídio em Nova Friburgo, no Rio Márcia Foletto / Agência O Globo

RESUMO

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GERADO EM: 09/08/2024 - 17:11

Violência contra Mulheres no RJ: Dossiê revela dados alarmantes

No Estado do Rio, o Dossiê Mulher revela que a cada hora 14 mulheres sofrem violência, sendo 52,7% dos agressores entre 30 e 59 anos. Violência física é comum entre os mais jovens. A psicóloga destaca a intensificação do abuso ao longo do tempo. O estudo ressalta a importância de políticas públicas para proteger as mulheres.

Segundo o Dossiê Mulher, levantamento feito pelo Instituto de Segurança Pública (ISP) e apresentado pelo GLOBO com exclusividade, 125.704 mulheres foram vítimas de violência doméstica no Estado do Rio, em 2022. É como se, a cada hora daquele ano, 14 mulheres sofressem algum tipo de violência. O trabalho revela também que cerca de 21 mil mulheres foram vítimas de violências simultâneas: física, psicológica, moral.

O novo Dossiê Mulher também joga luz sobre os autores desses crimes: 52,7 % dos agressores tinham entre 30 e 59 anos. Dentro desse grupo, 36,1% cometeram violência psicológica. Entre os acusados mais jovens, de 18 a 29 anos, a violência física sobressai, representando 42,1% dos casos.

Na delegacia, 75% dos autores admitiram em seus depoimentos motivações como ciúmes, sentimento de posse, briga, término do relacionamento e desconfiança da traição. Entre as mulheres com mais de 60 anos, em 15,8% dos casos as agressões partiram de seus próprios filhos.

— Na maior parte dos casos em que as vítimas são idosas, as mulheres sofrem agressões físicas e patrimoniais. E é muito difícil cortar esse vinclo e mostrar que ela precisa se afastar de filhos ou netos — pontua a delegação Mônica Silva, titular da Delegacia de Atendimento à Mulher (DEAM) de Nova Iguaçu.

Perfil do agressor — Foto: Editoria de Arte

A professora aposentada Claudia Regina Aguiar Bentes tem 49 anos e passou cerca de três décadas na companhia de um agressor. Na rotina ao lado do homem com quem decidiu casar, o amor inicial foi trocado por abuso e violência.

— Ele fazia terror psicológico comigo. Às vezes, eu acordava e ele estava parado em pé me encarando. Eu não podia usar batom, pintar a unha ou sequer cortar o cabelo. Com o nascimento do nosso filho, ele passou a me ameaçar dizendo que, se eu me separasse, ele tiraria a guarda de mim, alegando que sou louca. Ele queria me controlar em absolutamente tudo — lembra ela.

Segundo a psicóloga Pâmella Rossy, a dinâmica das relações abusivas se transforma com o passar dos anos.

— A violência contra a mulher costuma ganhar intensidade com o tempo, de modo a possibilitar maior controle do homem sobre a vítima. Conforme o homem envelhece e perde sua força, pode mudar a forma de agressão para continuar o ciclo de violência — explica Pâmella.

A diretora-presidente do ISP, a delegada Marcela Ortiz, ressaltou que, no caso de crianças que testemunham a violência contra as próprias mães, a situação pode ser aceita na vida adulta como algo normal:

— A violência pode ser perpetrada na vida adulta, no caso dos meninos. Já as meninas, podem encarar no futuro como merecedoras da agressão física ou da violência psicológica. Às vezes, a violência é cultural. Por isso, o ISP tentar dar palestras, distribui cartilhas, divulga o máximo esse estudo, porque violência contra a mulher não pode ser tolerada e tem que ser denunciada.

A maioria das vítimas de tentativa de feminicídio já sofreu abuso

O estudo do ISP trouxe um dado estarrecedor: das 111 mulheres assassinadas, 70 delas já tinham sido vítimas de algum tipo de violência, mas não procuraram a polícia para registrar o caso. No entanto, há também fatores positivos, como 75,1% dos autores foram presos em flagrante ou após pedido de prisão em decorrência da investigação. Nesta mesma estatística se incluem os casos em que o acusado se entregou espontaneamente.

Outra análise relevante diz respeito ao aumento, na prática da violência sexual, com a proporção subindo de 7,2%, em 2014, para 15,1% em 2022. Destaque também para os casos em que as mulheres foram vítimas de violências simultâneas, atingindo cerca de 21 mil mulheres. O mais comum foram os casos de violência psicológica e moral, seguida pela física e psicológica. Chamou atenção no estudo que 15,8% das mulheres idosas, acima de 60 anos, foram agredidas pelos próprios filhos. Mais da metade das mulheres tinham de 30 a 59 anos, a maioria dos agressores era companheiros ou ex-companheiros.

Segundo Ortiz, algumas características se repetem nos 18 anos que o dossiê é produzido pelo instituto, mas há uma evolução na forma de o autor praticar a violência contra a mulher.

— A violência psicológica contra a mulher nem sempre prevaleceu nos nossos estudos, mas, os últimos anos, percebemos que o dossiê jogou luz nesse tipo de violência e as vítimas passaram a entender melhor como ela ocorre. A violência psicológica está sendo tratada agora da mesma forma que a violência física. É preciso ressaltar que a primeira pode evoluir para uma depressão profunda. Não à toa, pelo segundo ano consecutivo, houve um crescimento no número desses casos. E olha que é um tipo de violência difícil de provar. São necessários laudos médicos e testemunhas, quando muitas vezes só existe o casal no ambiente — avaliou Ortiz.

A importância do Dossiê Mulher, com seus dados estatísticos, é dar um panorama aprofundado do que vem causando as mortes e as violências contra as mulheres, justamente para que o estado consiga desenvolver programas para protegê-las e acolhê-las:

— O objetivo do Dossiê Mulher é justamente analisar os dados para facilitar a implantação de políticas públicas focadas na proteção, acolhimento e atendimento das mulheres. Observamos que ainda há muitos casos claros de machismo, além do machismo estrutural. Sabemos que, muitas vezes, é difícil para a mulher sair de casa. O estado precisa estudar uma forma de acolhê-las e dar opções para ela e os filhos, quando for o caso — explicou a diretora-presidente do ISP, autarquia do governo do Rio.

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