‘Um bandido falou ‘para, para que é um assalto’. Um outro apareceu com uma arma na mão. Entreguei a bicicleta e o telefone. Pensei que me liberariam, mas me renderam para assaltar mais dois homens que corriam na floresta”. O relato é de uma das vítimas de ataques constantes que vêm ocorrendo no Parque Nacional da Tijuca, sobretudo, nas pistas e trilhas entre a Vista Chinesa e o Corcovado, algumas das principais atrações turísticas do Rio. Nos últimos dois meses, ao menos 18 pessoas foram roubadas no que deveria ser um refúgio de paz e prática de esportes na mata. E o número de casos, segundo os frequentadores, pode ser maior, já que muitos não registram ocorrência na delegacia.
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Eles afirmam que falta policiamento perto de pontos como a Vista Chinesa, a Mesa do Imperador e a Pedra da Proa. Uma equipe do GLOBO percorreu a região na manhã do último dia 23 de novembro. Na chegada à floresta, o alerta veio dos seguranças da guarita instalada na entrada do parque.
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— Por enquanto está tranquilo, mas é bom ficar atento — disse um deles.
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No período em que a reportagem esteve no local, foi visto apenas um carro de polícia. Entre os frequentadores, o clima era de tensão.
— Trabalho como treinador de ciclismo e, geralmente, trago meus alunos para cá. Eu estava descendo agora e fui abordado por um amigo falando para a gente ir embora logo, não ficar parado aqui em cima, porque a situação é alarmante — contou o professor Felipe de Lima Alves, de 38 anos. —Havia tempo que não víamos violência assim — acrescenta ele.
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De acordo com integrantes da associação de ciclismo Trilha Transcarioca, os criminosos são até conhecidos pelos mais assíduos no parque. Os assaltantes costumam agir entre 10h e 14h, de moto ou a pé, na maioria das vezes nos fins de semana e feriados, quando há bastante movimento, inclusive, de turistas.
Ação em dupla
Os relatos descrevem duas duplas que praticam ataques mais recorrentemente. Uma delas é composta por dois homens com idades entre 50 e 60 anos, um deles branco, magro e com os cabelos grisalhos; o outro, negro de olhos claros.
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— É impressionante porque todo mundo sabe quem rouba. A gente tem até apelido para eles, só a polícia que não consegue identificar. Nós não podemos privar o visitante do passeio dele, mas pedimos cuidado — afirma Ricardo de Oliveira Matos, monitor ambiental do Parque Nacional da Tijuca. — Os assaltantes sabem que aqui é um ponto turístico, e as pessoas sempre estão com celular, relógios caros próprios para corrida e tênis de boas marcas.
As bicicletas, diz o coordenador de trilhas do parque, Carlos Alberto Pereira, não costumam ser alvo devido ao peso:
— Não significa que não roubem as bicicletas, mas eles preferem abordar os ciclistas e roubar os pertences. Depois, detêm a pessoa para que ela não avise a ninguém e já pegam a próxima vítima. Aconteceu isso outro dia na pracinha próximo a uma trilha que cai no Morro do Laboriaux (que fica na parte mais alta da Rocinha). Cinco ciclistas foram roubados.
Na tarde do mesmo dia 23 de novembro, houve um assalto, e um homem ficou ferido ao reagir e lutar contra o criminoso. Norton Freitas, de 38 anos, contou que estava subindo a Estrada Redentor quando dois homens, que desciam, pararam perto dele para, supostamente, pedir informação. Neste momento, eles tentaram pegar sua bicicleta. Um dos criminosos caiu, e o outro conseguiu levar a bike. Eles estavam armados com uma faca.
De acordo com Freitas, primeiro ele teve ajuda de um carro de segurança particular; em seguida, da Polícia Ambiental, que patrulha a região. Os bandidos, porém, fugiram pelas trilhas.
— Um deles estava armado. Ainda tentamos rodar e procurar por eles, mas não conseguimos — lamentou.
Seis dias depois, na última quarta-feira, ciclistas notificaram mais dois assaltos. Em um dos casos, um homem, que preferiu não ser identificado, reagiu ao ser abordado por uma dupla em uma moto. Um dos criminosos é reconhecido por ter uma das pernas amputadas. A vítima teve dois celulares roubados e terminou com um ferimento leve no ombro.
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No entanto, segundo o delegado da 19ª DP (Tijuca), Gabriel Ferrand, em novembro houve apenas três registros de ocorrência no Parque Nacional da Tijuca em todas as delegacias do Rio.
— Fica problemático falar em criminalidade sem amparo em dados oficiais. Independentemente disso, estamos focados na investigação, que se encontra atualmente avançada — garantiu.
Reunião com autoridades
Para tentar encontrar soluções, a Comissão de Segurança no Ciclismo da cidade do Rio e o Comando Geral da Polícia Militar se reuniram no último dia 27 de novembro. Foi pedido reforço no policiamento. Mas, como não se chegou a um acordo, outro encontro foi marcado para amanhã.
— Eles querem colocar viaturas paradas nessas zonas de perigo, sendo que precisamos de medidas mais eficazes. Os próprios policiais não sabem se localizar nas trilhas, um dos problemas principais — afirma um integrante da comissão.
A Polícia Militar informou que “o Comando de Polícia Ambiental (CPAm) emprega o seu efetivo em Regime Adicional de Serviço (RAS) nas principais trilhas do Rio de Janeiro desde 2018. Diariamente, os policiais estão presentes nas trilhas do Costão do Pão de Açúcar e Morro da Urca, Trilha do Camorim, Trilha da Floresta da Tijuca, Parque Lage, Corcovado, Paineiras e Estrada da Gávea”.
Já o Parque Nacional da Tijuca destacou que, “por ser uma unidade de conservação, não desempenha o papel de um órgão de segurança pública, habilitado e capacitado com um conjunto de dispositivos e de medidas de precaução que asseguram a população”. Contudo, diz que o local “é monitorado diariamente por 35 seguranças contratados para atuar no controle de acesso e na proteção do patrimônio material”.