Eleições influenciam destino do dinheiro das inéditas emendas da Alerj, e 14 cidades são ignoradas

Cada deputado teve R$ 2,7 milhões para indicar projetos que o governo estadual será obrigado a custear

Por — Rio de Janeiro


O Palácio Tiradentes, no Centro do Rio, uma das sedes da Alerj Hermes de Paula

Pela primeira vez, os 70 deputados estaduais do Rio puderam apresentar emendas impositivas (cujos pagamentos são obrigatórios), dispondo de R$ 190,3 milhões para investir em seus projetos. Cada um terá direito a cerca de R$ 2,7 milhões — verba que sairá do combalido orçamento do estado, que tem uma previsão de déficit de R$ 8,5 bilhões para este ano. Dados obtidos pelo GLOBO via Lei de Acesso à Informação (LAI) mostram que boa parte dos recursos foi destinada aos redutos eleitorais dos parlamentares e que 14 dos 92 municípios fluminenses não foram contemplados com um centavo sequer. Na ferramenta do GLOBO, o leitor pode descobrir quanto, onde e para que finalidade os deputados destinaram recursos.

Prefeito de Areal, Gutinho Bernardes (PP) foi um dos que bateram em gabinetes para mostrar seus projetos em vão:

— Infelizmente a ótica que impera é a do capital político. Somos uma cidade pequena com pouca expressão de voto. E qualquer recurso num município pequeno faz diferença. Mas acho que vai melhorar porque, daqui a dois anos, o parlamentar vai buscar nosso apoio para a reeleição dele.

As cidades que não receberam emendas impositivas para 2024 — Foto: Editoria Arte

Com quase 90 mil habitantes, Saquarema, na Região dos Lagos, foi a maior cidade a não receber recursos. A menor foi São Sebastião do Alto, que tem apenas sete mil moradores. O secretário de Governo de Bom Jardim, na Região Serrana, Hudson Monnerat, lembra que o grupo político que administra hoje a cidade não conseguiu eleger um deputado estadual, mas que recebe apoio de parlamentares do governo federal.

— A gente está meio órfão de deputado estadual e, pela nossa experiência, isso prejudica e faz falta — explica.

Após a publicação da reportagem, o gabinete do deputado dr. Pedro Ricardo (PP) informou que a emenda de R$ 603 mil que está destinada ao Fundo estadual de Saúde na verdade seria destinado à Saquarema. O nome da cidade foi incluido no sistema interno da Alerj, mas não foi publicado no Diário Oficial e nem considerado pela Secretaria e Planejamento nas informações via LAI.

Em nota, a Alerj defende que as emendas representam o “livre exercício da atividade parlamentar” e que estuda uma forma de destinar recursos para todo o estado.

Prazo para liberar verbas

O orçamento impositivo foi aprovado na Assembleia Legislativa em outubro do ano passado, quando foi votada a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que retirou da Carta do estado o artigo que só permitia as emendas após o fim do Regime de Recuperação Fiscal do Rio. Sem o obstáculo, 0,37% da arrecadação com impostos, como o IPVA e o ICMS, será destinado aos deputados, que vão definir como o dinheiro será gasto — desde que pelo menos 30% fiquem para saúde e 30% para a educação. A Constituição Federal determina o limite de 2% da Receita Corrente Líquida (RCL) do orçamento para as emendas impositivas. O percentual é o adotado pelo Congresso Nacional.

Como foram dividas as emendas parlamentares — Foto: Editoria Arte

A antecipação do orçamento impositivo foi muito comemorada por governistas e oposicionistas no ano passado, já que, antes, o parlamentar precisava negociar diretamente com o Executivo para ver seu projeto sair do papel. Mas ainda há um entrave para os políticos incluírem a conquista na próxima campanha eleitoral. É que a Lei Orçamentária Anual (LOA), aprovada pela Alerj, estipula o prazo até 31 de maio para o governo liberar esses recursos. No entanto, o governador Cláudio Castro vetou esse dispositivo, o que em ano de eleição pode ser crucial: pela legislação, candidatos só podem participar de inaugurações e entregas de equipamentos até a primeira semana de julho. O movimento agora na Assembleia é para derrubar esse veto.

— A Casa vai conversar com o Executivo para tentar achar a melhor forma. Existe um problema de logística por ser algo novo — diz Dr. Serginho (PL), líder do governo na Alerj.

Em nota, a Secretaria estadual de Planejamento diz que o veto ocorreu porque a Constituição estadual indica a necessidade de uma outra lei para definir as regras de aplicação dos recursos e acrescenta que “as emendas impositivas serão submetidas a uma análise técnica na qual serão avaliados os critérios estabelecidos para a execução do que foi proposto”.

Nesta segunda-feira, o governador Cláudio Castro prometeu que irá “cumprir 100%” do orçamento impositivo, mas até o fim do ano.

— Não tenho essa obrigação, nem esse compromisso de fazê-los (liberar a verba) antes do período eleitoral, até porque o orçamento do estado e a eleição têm que andar apartadamente. Nossa obrigação é até o final do ano e isso vai acontecer — disse o governador em evento realizado no Maracanã no início da manhã.

Segundo Castro, essa é uma maneira de “cumprir a lei de responsabilidade fiscal” e garantir que “não vá ter paralisação dos serviços públicos”.

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Nove são pré-candidatos

Há nove deputados na Alerj que já anunciaram a pré-candidatura a prefeituras: Andrezinho Ceciliano (PT), em Paracambi; Dani Balbi (PCdoB), no Rio; Dr Serginho (PL), em Cabo Frio; Léo Vieira (sem partido), em São João de Meriti; Márcio Canella (União), em Belford Roxo; Professor Josemar (PSOL), em São Gonçalo; Rodrigo Amorim (PTB), no Rio; Valdecy da Saúde (PL), em São João de Meriti; e Yuri Moura (PSOL), em Petrópolis. Ao GLOBO, todos negaram ter usado as emendas com viés eleitoral.

A divisão dos recursos por tema — Foto: Editoria Arte

Os dados mostram que, enquanto a capital recebeu R$ 3,37 por habitante em emendas, Paracambi, na Baixada Fluminense, angariou o maior valor per capita: R$ 102,41. Os dois únicos deputados que destinaram recursos para a cidade têm ali seu reduto eleitoral e estão de olho no pleito de outubro. A prefeita atual é Lucimar Cristina da Silva Ferreira, mulher do secretário estadual de Agricultura, Dr. Flávio, que é irmão do deputado estadual Dr. Deodalto. Ela já está em seu segundo mandato e seu grupo político tem a intenção de lançar como sucessora a aliada Aline Otília (PL), hoje presidente da Câmara Municipal.

Também pode concorrer à vaga de prefeito o deputado Andrezinho Ceciliano (PT), filho do ex-presidente da Alerj e ex-prefeito de Paracambi André Ceciliano (PT) — hoje secretário especial de Assuntos Federativos. Juntos, os dois deputados estaduais destinaram R$ 4,2 milhões a Paracambi. “É natural que os parlamentares destinem emendas para seus domicílios eleitorais e onde foram mais votados. O eleitor espera isso dos políticos, inclusive”, disse, em nota, Andrezinho.

Em Belford Roxo, a disputa entre dois grupos políticos já travou os serviços públicos da cidade e agora conta com um ingrediente para rechear o cofre público: as emendas federais e estaduais. De Brasília, a deputada federal Daniela do Waguinho, mulher do prefeito Wagner Carneiro, tio do pré-candidato à sucessão Matheus Carneiro, destinou no ano passado R$ 20 milhões ao município. Ela defende que não “envolve qualquer pensamento que vise às eleições deste ano, mas sim à necessidade de cada município”. Na Alerj, o pré-candidato Márcio Canella destinou todos os recursos disponíveis para Belford Roxo. Ele defende que equipamentos comprados para a saúde, como consta de algumas de suas emendas, poderão ser usados por toda a Baixada.

Essa disputa acaba deixando São João de Meriti no topo do ranking das cidades com mais recursos de emendas — só perde para o governo do estado e a capital. Além de Carneiro e Canella, são pré-candidatos os deputados Léo Vieira e Valdecy da Saúde. Outro parlamentar que aumentou a fatia do município foi Giovanni Ratinho (Solidariedade), que é pai do vereador Giovanni Ratinho Junior (Solidariedade), que deve ir às urnas. Esses três destinaram R$ 7,2 milhões para São João de Meriti (72% das emendas recebidas pela cidade).

— Eu moro aqui. Quero ver a cidade crescer. Não tem nada direcionado com política — justifica Ratinho pai.

Parentesco ajuda

O advogado especialista em direito eleitoral Eduardo Damian diz que até parentes são proibidos de pedir votos em inaugurações no período eleitoral.

— Eles também não podem fazer alusão à candidatura dos parentes na inauguração. Outra vedação é que não se pode criar programa social no ano eleitoral, podendo apenas investir naqueles projetos já existentes — explica.

Reduto eleitoral da família Cozzolino, Magé também foi a preferida do deputado Vinícius Cozzolino (União), que destinou 80% das verbas para o município. Ele é primo do prefeito Renato Cozzolino (PP).

— Eu tenho que destinar as minhas emendas para onde eu conheço. Não vejo nenhuma finalidade eleitoral. O que a gente espera é que, a partir de agora, as pessoas procurem os deputados também e mostrem projetos — disse o deputado.

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