Quem é a psicóloga do Bope que ajudou a negociar com sequestrador de ônibus na Rodoviária do Rio; vídeo mostra tática usada

Alexandra Valéria Vicente está há 13 anos no batalhão. Ela monitorou reações do bandido e auxiliou o trabalho dos policiais

Por — Rio de Janeiro


Policiais simulam sequestro a ônibus com reféns Fabiano Rocha

O destino era Juiz de Fora, em Minas Gerais. A saída do ônibus da Viação Sampaio estava marcada para 14h30 da Rodoviária do Rio, na região central da cidade. Entre os 43 bilhetes vendidos estava o de Paulo Sérgio de Lima, de 29 anos, que entrou como um passageiro comum e terminou preso após atirar numa pessoa e tomar 16 passageiros como reféns. Foram três horas de tensão para as vítimas enquanto policiais do Batalhão de Operações Especiais (Bope) aplicavam a tática chamada de “negociação real” — quando o criminoso se entrega à polícia, depois que os agentes abrem um canal de diálogo. Para isso, o negociador contou com as informações passadas em tempo real pela psicóloga Alexandra Valéria Vicente, há 13 anos no batalhão, que traçou o perfil do sequestrador.

— A gente vai captando a linguagem verbal e não-verbal. Analisamos o que o criminoso está falando, como está falando, como o corpo dele se movimenta, as expressões verbais que utiliza, o tom da voz, a expressão facial. Tudo isso é levado em conta para traçar o perfil naquele momento. Mas o perfil não é fixo; uma hora depois pode mudar — explicou Alexandra.

Bope simula situação de sequestro de ônibus na rodoviária Novo Rio

Há casos em que, logo no início da abordagem, o criminoso fica muito agressivo e, depois de um tempo, fica mais tranquilo. Ou o contrário: o sequestrador está calmo e se torna violento com o tempo. No caso de Paulo Sérgio, chamava atenção o nervosismo dele nas primeiras tentativas de contato.

— A princípio, não havia quadro patológico. Ali era um criminoso comum. O que ele fez foi consequência de uma reação aguda ao estresse. Ele havia decidido viajar, e, em algum momento, o plano deu errado. Isso o deixou muito assustado, apavorado. Ele tinha muita dificuldade de ouvir, o que retardou a negociação — disse a psicóloga.

Bope simula situação de sequestro de ônibus na rodoviária Novo Rio

Naquele momento, segundo ela, a primeira ação da equipe foi dar um tempo para o sequestrador se acalmar e só então tentar negociar:

— Depois do pico de adrenalina, o próprio organismo vai absorvendo e processando a situação, até ele se sentir mais confortável. O agente de segurança tem que manter o equilíbrio e ficar muito atento a tudo, em uma situação de extrema complexidade e tensão.

Além de analisar o comportamento do sequestrador, a equipe especializada também coleta informações no entorno da cena do crime: pessoas que estavam no local antes de a situação começar são “entrevistadas” por policiais disfarçados.

— Isso ajuda o negociador a decidir como agir, qual estratégia vai utilizar, se uma negociação real ou tática, com uso de granadas ou cães.

Os negociadores do Bope não são identificados — e nem podem. Durante um treinamento aberto à imprensa na sexta-feira, eles usavam, além da balaclava (uma touca que cobre o rosto e deixa só os olhos à mostra), óculos escuros. A equipe fez uma simulação do sequestro da última terça-feira. Eles apresentaram aos jornalistas dois cenários possíveis: quando o criminoso se entrega após a negociação e quando ele resiste e não cede.

Neste último caso, algumas táticas podem ser usadas, como a entrada de assalto, com ou sem cão, em que a equipe precisa invadir o local onde o criminoso está com o refém. Em algumas situações, granadas de efeito sonoro e visual são usadas para distrair o bandido. Neste momento, pode entrar em cena o atirador de precisão.

— Foi muito investimento e treinamento para ter o resultado que tivemos. Enquanto atuávamos na abordagem no dia do sequestro, negociando com o criminoso, havia outra equipe nossa realizando um ensaio em um ônibus com as mesmas características. Foram ações sincronizadas — afirma o comandante do Bope, tenente-coronel Uirá do Nascimento.

Rio tem 20 negociadores

No Estado do Rio, há 20 policiais especializados em negociação. O Bope oferece, desde os anos 2000, um curso considerado referência no Brasil, que já foi aberto para agentes de países como Espanha, França e Argentina. A formação ocorre, em média, de dois em dois anos, com duração de um mês. Atualmente, a prioridade é abrir vagas para policiais do Bope que já fizeram parte do grupo tático. A previsão é que haja uma nova turma no fim deste ano.

— Selecionamos os policiais mais experientes para o curso de negociador. A partir de um determinado tempo de carreira, o agente passa a ter atributos para a vaga. Os nossos negociadores estão entre os melhores policiais e já salvaram mais de 600 pessoas, que foram libertadas sem ferimentos — explica o comandante.

Uma equipe do Bope revisou, ontem, os detalhes da operação na rodoviária, desde o acionamento até a libertação dos reféns. O estudo de caso é realizado sempre após situações de crise para aprimorar as técnicas.

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