Queda no percentual de carros recuperados pode indicar que veículos roubados estão sendo desmanchados, diz especialista

Nos três primeiros meses do ano, 3.921 carros foram devolvidos aos donos, o equivalente a 36,5% do total furtado e roubado no período. Peças alimentariam mercado clandestino

Por — Rio de Janeiro


Carros roubados encontrados em ferro-velho em operação no ano passado Fabiano Rocha/Agência O Globo

Uma quadrilha que vendia peças de carros roubados e furtados foi alvo de uma operação da Polícia Civil do Rio na manhã desta quinta-feira, com quatro mandados de prisão temporária e outros 113 de busca e apreensão. De acordo com as investigações, o grupo criminoso é responsável por desmontar aproximadamente 80 veículos por semana, automóveis roubados e levados para comunidades de Belford Roxo, na Baixada Fluminense. No primeiro trimestre deste ano, dados do Instituto de Segurança Pública mostram 6.302 registros de roubo de carro no estado, número 10,5% maior que no mesmo período no ano passado, que havia registrado 5.700 casos.

Também nos três primeiros meses deste ano, foram recuperados 3.921 veículos, número equivalente a 36,5% do total de veículos subtraídos (furtados e roubados) no mesmo período. A proporção de veículos recuperados é menor do que a de 10 anos atrás. Se, atualmente, a cada três carros levados por criminosos, um é recuperado, em 2014 a proporção era de um a cada dois: de janeiro a março daquele ano, de 13.940 veículos roubados e furtados, foram recuperados 6.864 (número que equivale a 49,2% do total subtraído).

Para Rafael Alcadipani, professor da Fundação Getúlio Vargas e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, essa proporção pode indicar que os carros nunca recuperados foram, na realidade, desmontados e tiveram suas peças vendidas no mercado ilegal.

— Tem possibilidade de esses carros estarem sendo desmanchados. Podem também estar sendo clonados, para ser revendidos ou mandados para o Paraguai. Essas são coisas que o crime pode fazer para dar cabo nesses veículos e auferir seus altos lucros em atividades ilícitas — explica Rafael.

Segundo o professor, nos modelos mais recentes, montadoras têm instalado chips nas peças “mais importantes”, o que demonstra uma profissionalização do crime, para driblar essas barreiras:

— (Para desmontar) Não é mais com um canivete e um chiclete, como se dizia antigamente, a coisa é bem mais complexa.

Já Robson Rodrigues, pesquisador do Laboratório de Análise de Violência da Uerj e coronel da reserva da Polícia Militar, aponta ser preciso investigar as dinâmicas dos crimes, para poder definir a razão dessa proporção ter diminuído ao longo do tempo, e também para traçar estratégias para combater o crime organizado.

— O dado da recuperação é importantíssimo, porque você pode traçar a rota criminosa pela engenharia reversa. É possível identificar rotas quentes e se antecipar a essas práticas — observa.

Na última quarta-feira, a Polícia Rodoviária Federal recuperou na Rodovia Rio-Santos, em Itaguaí, um carro que havia sido furtado há um mês no bairro do Campinho, na Zona Norte da capital. Segundo a PRF, os agentes abordaram o automóvel e, durante a fiscalização, "verificaram indícios de adulteração". Após constatação de que o carro era furtado, o motorista disse ter comprado o veículo das mãos de um conhecido do trabalho.

Onde mais se registra roubo de veículo?

O ISP separa os dados por Circunscrições Integradas de Segurança Pública (CISPs), que equivalem à área de cada delegacia e a CISP que lidera o ranking de roubos a veículos no primeiro trimestre deste ano é a nº 59, equivalente à área da 59ª DP (Duque de Caxias), com 340 casos. Ela é seguida pelas circunscrições da 27ª DP (Vicente de Carvalho), com 339 casos; 60ª DP (Campos Elíseos), 326; 54ª DP (Belford Roxo), 320; 21ª DP (Bonsucesso), 279; 64ª DP (São João de Meriti), 235; 39ª DP (Pavuna), 219; 29ª DP (Madureira), 209; 33ª DP (Realengo), 185; e 30ª DP (Marechal Hermes), com 183 casos.

Imagens mostram roubos de veículos no Grande Rio

Segundo a Polícia Civil, a corporação "investiga e combate essa prática criminosa" por meio de suas delegacias. "As unidades realizam constante troca de informações e de dados de inteligência para identificar toda a cadeia criminosa envolvida nesses roubos", diz a nota, que observa que suspeitos já foram identificados e que "as investigações seguem para apurar o envolvimento de outros criminosos, bem como para responsabilizá-los pelos delitos cometidos". A polícia lembra ainda de exemplos, como a operação desta quinta-feira, contra a quadrilha de desmanche de carros, e a prisão de quatro integrantes de uma quadrilha de roubo de veículos em um acesso da Linha Amarela, na última terça-feira.

Já a PM atribui que o aumento no número de roubos a veículos se deve à “disputa territorial entre facções criminosas”. A corporação ressalta que intensifica o policiamento ostensivo nas ruas, a fim de reduzir o “indicador estratégico”, e que “tem empreendido uma série de ações para intervir nos confrontos entre criminosos na região metropolitana, que tanto impactam a vida dos cidadãos”. Nessas ações, de janeiro a maio, foram apreendidas 1700 armas de fogo, segundo a corporação.

As áreas da Zona Sul podem não constar nas primeiras posições dos crimes, mas chamam a atenção quando feita a proporção entre o número de veículos roubados e furtados, com os recuperados. Na CISP 14, equivalente à área da 14ª DP (Leblon), foram 60 veículos subtraídos, e nenhum recuperado, enquanto na área da 9ª DP (Catete), foram 125 veículos levados por criminosos e 7 recuperados (equivalente a 5,6%).

Já na área da 10ª DP (Botafogo), a soma de veículos roubados e furtados chega a 107 de janeiro a março deste ano, contra 7 recuperados (6,54%). No bairro, por exemplo, O GLOBO mostrou nesta semana que uma quadrilha usou três motos para assaltar. Armados, na última segunda-feira, os ladrões de duas motos desembarcaram e abordaram um automóvel na rua Dona Mariana, enquanto outra moto impediu que o carro deixasse o local. Câmeras de segurança do bairro flagraram que o grupo rondou ruas em busca de vítimas.

Há uma semana, o chef de cozinha Felipe Bronze teve o carro roubado em Vila Isabel. Com a gola da camisa suja de sangue, ele relatou a seus seguidores nas redes sociais que, ao reagir ao assalto, levou socos e coronhadas na cabeça. Seu carro foi encontrado no dia seguinte, nas imediações do Complexo da Maré. Já na Tijuca, o carro do deputado federal Reimont (PT-RJ) foi roubado na Rua Professor Gabizo, à luz do dia, em março. Na ocasião, uma assessora e o motorista do parlamentar saíam com o carro da garagem, quando um veículo parou diante deles e três criminosos os renderam, com armas em mãos.

Na Barra da Tijuca, por exemplo, no mês passado, um médico foi baleado na Avenida das Américas, em frente ao Barra Shopping. O veículo da frente foi cercado por duas motos, mas o motorista do carro de aplicativo em que estava se assustou e deixou o carro dar um solavanco: um dos criminosos atirou e o atingiu de raspão. No mesmo dia, um motorista foi rendido na altura do VillageMall, no mesmo bairro, e foi levado para uma comunidade, onde ficou até ser liberado pelos bandidos.

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