Patrícia Kogut
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Não é preciso conhecer muito de futebol, ou sequer ser um apreciador dele, para se encantar com “Beckham”. Aconteceu comigo, que sei pouco desse universo. A produção lançada pela Netflix tem, claro, registros de gols e de jogadas sensacionais. Mas as metáforas do esporte também se aplicam aqui e de maneira ampla. O espectador acompanha uma história saborosa que é “uma caixinha de surpresas”. Há momentos de “escanteio”, de “massacre” e de “mão na taça” e nem sempre isso tudo é literal. Recomendo a série e já vou pedindo desculpas pelo uso do chavão (não resisto): quem começar não vai querer parar antes do apito final.

São quatro episódios de mais de uma hora. Uma longa entrevista com David Beckham feita nos dias atuais costura tudo. Ela se mistura a muito arquivo. O atleta conversa com o diretor da produção. Fisher Stevens não mostra sua cara, mas é conhecido dos seriemaníacos por sua faceta de ator. Ele viveu o Hugo em “Succession”.

Fischer entra na intimidade do ex-jogador. Visita sua casa de campo, mostra a churrasqueira e o lugar onde ele bate bola informalmente com os filhos. Beckham também abre seus armários meticulosamente arrumados — por ele mesmo. Camisetas são organizadas por cor e cabides, mantidos a uma distância calculada. Descobrimos que o atleta tem mania de limpeza e só vai dormir depois de deixar a cozinha brilhando. É doce, fala baixo, e nunca se altera. Nem quando perguntado sobre momentos mais difíceis da carreira e da vida pessoal. Tudo isso colabora para compor um grande perfil positivo. Quando a série termina, o público terá conhecido um bom garoto, filho de uma família simples e treinado desde cedo pelo pai severo para ser um jogador. E que, mesmo depois de chegar ao topo, não se deslumbrou. É casado desde jovem com a mesma mulher, Victoria Beckham, ela própria dona de uma trajetória de sucesso. Eles nutrem admiração mútua e isso ajudou a manter o casamento firme, apesar da perseguição inclemente dos paparazzi e dos sacrifícios que o trabalho dele exigiu da família, como mudanças frequentes de país.

A produção é chapa branca? Talvez. De qualquer maneira, ela faz um retrato da evolução do futebol mundial dos anos 1990 para cá. É o fim da era da ingenuidade e a chegada da profissionalização. E também a vez das fortunas advindas não só dos contratos com clubes, mas pela publicidade, e a inclusão dos jogadores na galeria das estrelas pop, junto com astros do cinema e da música. A série se detém em símbolos da composição da persona pública de Beckham. Vemos isso, por exemplo, nos penteados cuidadosamente estudados. Era a busca de lacração, mas num tempo pré-redes.

A narrativa é resultado de cálculo preciso. Há suspense, drama e superação. De quebra, para o espectador brasileiro, ela conta com Ronaldo Fenômeno e Roberto Carlos, companheiros de Beckham nos campos europeus. Não perca.

Mais recente Próxima As razões pelas quais 'Lupin' volta com o encanto do início. Cotação: cinco estrelas (ótima)