Crítica
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Por Patrícia Kogut

A Netflix classifica “Harry & Meghan” como “documentário”. Mas que o leitor não se engane: é golpe. Golpe publicitário.

A série em seis episódios parece um longo story feito para o Instagram. Ela reflete estes tempos em que a linguagem das máscaras sociais se generalizou pelas redes. É o que facilita esse entendimento equivocado do que seja um documentário.

A luz, sempre a mais favorável, entra pela janela da sala ensolarada, na Califórnia, onde vive o casal desde que rompeu o vínculo com a família real. Meghan Markle, arrumada, e o príncipe Harry, com a camisa engomada, aparecem narrando sua história de amor desde o início. O primeiro contato foi (surpresa) pelo Instagram! Ela conta que ficou curiosa para saber mais sobre ele e pesquisou seu perfil. Porque “o que a pessoa posta entrega”, afirma a moça (enquanto todos sabem que é justamente o contrário que acontece). Na produção, ele aparece com o filho no colo, alimentando galinhas do quintal. Eles são lindos, ativistas das boas causas e vítimas de uma imprensa sem limites e da monarquia cruel.

Não há contrapontos, como seria praxe num documentário sério. Todos os depoimentos são de amigos ou da parte da família de Meghan com quem ela se dá bem. Assuntos espinhosos e impossíveis de não se abordar aparecem, inevitáveis. Mas o incômodo é suavizado. O escândalo envolvendo Harry vestido de nazista numa festa à fantasia é um deles. O príncipe diz que é seu maior arrependimento, mas que aprendeu com o erro. O programa, entretanto, não mostra a foto que saiu em todos os jornais. O estremecimento entre Meghan e seu pai, depois que ele vendeu imagens para um paparazzo, vira uma derrapada. Assim, os ruídos vão sendo passados a limpo, como numa fita analógica em que o som é digitalizado.

Na abertura, um letreiro diz que “a família real não quis falar no documentário”. Esta semana, o palácio emitiu um comunicado dizendo que não foi procurado. “Harry & Meghan” é um filme institucional, como as mais oficiais peças de propaganda feitas por uma assessoria de imprensa. Não é um documentário. É, sim, uma defesa legítima daquilo por que o casal passou. Eles indagam a uma certa altura: “Não faz mais sentido ouvir nossa história de nós?”. Faria, se eles não fossem as únicas vozes. Apesar de tudo, a série levanta interrogações importantes. Porque vale questionar o papel do Império e da realeza em tempos coloniais e o anacronismo de muitas tradições em 2022. E, sobretudo, falar de racismo na Inglaterra e no mundo. É preciso, contudo, peneirar o marketing.

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