Crítica
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Por Patricia Kogut

O fim da adolescência é um momento breve, mas de emoções exageradas e impetuosas. E é essa vertigem que “A vida pela frente” consegue captar e transmitir com prodigiosa exatidão. A trama mergulha no universo de um grupo de seis jovens. É o último ano de escola, véspera do vestibular. Estamos na virada dos anos 2000, na Zona Sul do Rio. Dirigida por Leandra Leal e Bruno Safadi, criada por ela, por Rita To ledo e por Carol Benjamin e com supervisão de roteiro de Lucas Paraizo, a série tem cinco episódios disponíveis no Globoplay. A outra metade chegará em 6 de julho. A julgar pela qualidade da primeira leva, a produção é outra mostra, depois de “Os outros”, de que o streaming brasileiro é capaz de muito.

O enredo transcorre em duas cronologias. Numa delas, a anterior, o cotidiano dos personagens alterna os bancos escolares e a praia depois da aula, as festas, os acampamentos e as experimentações típicas da idade. Na outra, essa alegre explosão já foi interrompida por uma tragédia. Somos informados disso tudo de cara.

“A vida pela frente” é apresentada como “uma produção para adolescentes”. Mas, ao contrário, trata-se de uma trama adulta, atravessada por temas pesados.

A direção certeira e o roteiro inteligente se potencializam mutuamente. As duas forças estão a serviço da boa dramaturgia, dispostas de verdade a contar uma história, sem bengalas pirotécnicas ou artificialismos. Essa intenção ganha ainda mais impulso com as interpretações. É um elenco todo de talentos, mas Flora Camolese (Beta), Jaffar Bambirra (Cadé) e Nina Tomsic (Liz) impressionam especialmente. A escalação dá um impulso extra ao frescor que a série toda transmite.

Muitas produções retrataram esse período da vida. Nem todas com sucesso. Por esse aspecto, a série do Globoplay faz pensar na premiada trama irlandesa “Normal people”, que também explora com delicadeza as agruras dessa fase de descobertas. Para expressar tudo isso na tela, é preciso que os realizadores sejam capazes de compreender genuinamente a pilha de emoções indefinidas que marcam a adolescência, quando tudo é tentativa e erro. É que os personagens não distinguem sozinhos o que se passa com eles.

“A vida pela frente” não só acerta, como vai longe: ela adota esse borrão emocional como linguagem. É o seu maior feito. E consegue fazer das indefinições que confundem os personagens algo inteligível, mais ainda, de grande poder de comunicação. O roteiro flecha o coração do espectador ao montar seu grande painel sobre o choque da inocência com a brutalidade. Não perca.

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