Crítica
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Quem acha que a idealização da vida alheia começou com o Instagram e suas influencers sabe de nada, inocente. Lançada pela Apple TV+, “Palm Royale” é uma sátira ácida a esse tipo de divinização tão ingênua. A trama diverte, e a direção de arte, os figurinos e a cenografia encantam. No elenco estão Laura Dern (também produtora), o pai dela, o premiado Bruce Dern, Carol Burnett e até Ricky Martin. Serão dez episódios e há quatro disponíveis na plataforma. Recomendo.

A ação se desenrola em 1969. Àquela altura, o movimento feminista estava em alta — a queima simbólica dos sutiãs tinha acontecido em 1968. Não havia redes sociais, mas as bancas de jornais viviam lotadas de revistas estampando o cotidiano dos artistas e das elites em geral. Folheá-las equivalia ao que é hoje apreciar stories.

A protagonista, Maxine Simmons (Kristen Wiig), vem de uma cidadezinha do Tennessee. Tentou ser miss, mas não foi longe. Ela se muda para Palm Beach. Seu maior sonho é ser sócia do clube Palm Royale e amiga das socialites locais. Leitora voraz da página de fofoca do jornal da cidade, o The Shiny Sheet, ela sabe tudo sobre o grupo de mulheres que venera. As tais mulheres, entretanto, a desprezam profundamente e querem barrar seu acesso ao clube.

É esse universo aspiracional glamouroso que a série retrata com muito humor.

As figuras que Maxine admira dizem tudo de como ela pensa. A forma como se apresenta também: tenta aparentar elegância e usa roupas caras roubadas de uma tia (Norma/Carol Burnett) em coma. A personagem é um emblema da feminilidade anacrônica, cheia de valores machistas. Fã do patriarcado, é tratada como mocinha frágil pelo marido bobão (Douglas/Josh Lucas). Maxine defende bandeiras tortas, mas o espectador se compadece de suas derrotas: ela está na pior ponta da “cadeia alimentar” de Palm Beach.

Em outro núcleo, há um grupo de feministas liderado por Linda (Laura Dern). Até o nome é uma alusão irônica à objetificação feminina (há uma referência a isso no segundo episódio — um personagem explica que “linda” significa “bonita” em espanhol).

O choque entre visões sobre o lugar social da mulher produz as situações cômicas. A minissérie tem elementos de “Mad men”, com sua ambientação nos anos 1960, e de “Desperate housewives”. Em alguns aspectos, também faz pensar em “Bridgerton”, já que grandes bailes que representam um passe para a aceitação estão no centro da história.

Esse é um daqueles enredos ensolarados e aparentemente levinhos, mas com um travo azedo atravessando tudo. Os dramas dos personagens dialogam com os debates públicos de hoje. Ninguém é totalmente vítima ou algoz, mas há maldade.

A cereja do bolo da ironia fina está numa televisão. Ela aparece ligada em muitas cenas. Nela, se vê sempre Richard Nixon, o presidente, falando sobre a guerra do Vietnã. Só que ninguém presta atenção à tela.

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