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Alemanha condena ex-nazista de 93 anos por cumplicidade em mais de 5 mil mortes

O réu, que era guarda no campo de concentração de Stutthof, foi julgado por um tribunal juvenil porque à época tinha 17 anos
Bruno Dey, ex-guarda nazista do campo de concentração de Stutthof, esconde o rosto atrás de uma pasta, durante julgamento pelos crimes de guerra que cometeu: tribunal em Hamburgo o considerou culpado de cumplicidade por mais de 5 mil mortes. Foto: DANIEL BOCKWOLDT / AFP
Bruno Dey, ex-guarda nazista do campo de concentração de Stutthof, esconde o rosto atrás de uma pasta, durante julgamento pelos crimes de guerra que cometeu: tribunal em Hamburgo o considerou culpado de cumplicidade por mais de 5 mil mortes. Foto: DANIEL BOCKWOLDT / AFP

BERLIM — Um tribunal alemão condenou nesta quinta-feira um homem de 93 anos por ter sido cúmplice dos nazistas, enquanto serviu como guarda em um campo de concentração, há mais de 75 anos, em veredicto que deve ser um dos últimos relacionados ao Holocausto de um participante vivo. Uma condenação histórica em 2011 abriu caminho para mais processos, pois foi a primeira vez que trabalhar em um campo de morte e concentração foi considerado motivo suficiente de culpabilidade, sem necessidade de provas de um crime específico.

O tribunal do estado de Hamburgo considerou Bruno Dey culpado pelas 5.230 acusações de cumplicidade em assassinatos, uma para cada pessoa que se acredita ter sido morta no campo de concentração de Stutthof, a leste de Gdansk, na Polônia, durante o período em que ele serviu como guarda, entre agosto de 1944 e abril de 1945.

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Dey, que foi julgado como menor de idade por ter apenas 17 anos na época, recebeu uma sentença de dois anos de prisão, mas devido à idade avançada, arrependimento sincero e vontade de cooperar com as autoridades, sua pena foi suspensa e ele não ficará encarcerado. Os promotores haviam pedido uma sentença de três anos de prisão .

Mas os sobreviventes e aqueles que os representam criticaram a sentença como muito branda.

— É insatisfatório e tarde demais — disse Christoph Heubner, do Comitê Internacional de Auschwitz, que acompanhou o julgamento.—  O que é tão perturbador para os sobreviventes é que esse réu não usou os muitos anos do pós-guerra de sua vida para refletir sobre o que viu e ouviu.

O julgamento contra Dey foi o mais recente de um esforço dos promotores do escritório especial para lidar com crimes da era nazista para levar suspeitos idosos à Justiça antes que seja tarde demais. E chegou em um momento em que o país está lutando para lidar com o ressurgimento do extremismo de direit a.

Dey apareceu no tribunal estadual de Hamburgo, sentado em uma cadeira de rodas e usando uma máscara cirúrgica azul por causa do surto de coronavírus. Durante o julgamento, Dey reconheceu o período como guarda em Stutthof, mas disse que não teve escolha e não admitiu a responsabilidade pelas mortes.

— O testemunho e as avaliações de especialistas me fizeram perceber o alcance total dos horrores e sofrimentos — disse ele ao tribunal. — Hoje eu gostaria de me desculpar por quem passou por essa loucura. Algo assim nunca deve acontecer novamente.

Criado em 1939, Stutthof foi o primeiro campo de concentração nazista construído fora da Alemanha. Inicialmente destinado a presos políticos poloneses, acabou recebendo cerca de 115 mil deportados, muitos deles judeus.

De acordo com o site do museu de Stutthof, cerca de 65 mil pessoas foram mortas no campo de concentração. A maior parte foi assassinada com tiros na cabeça ou por meio de gases letais.

As autoridades alemãs intensificaram seus esforços nos últimos anos para responsabilizar homens e mulheres, a maioria agora com mais de 90 anos, que tiveram um papel menor em ajudar os nazistas a prender e assassinar judeus da Europa em sua rede de campos de concentração e morte.

Durante a Guerra Fria, essas pessoas foram negligenciadas por um sistema de Justiça que exigia evidências de envolvimento direto em um crime da era nazista para apresentar queixa contra um criminoso.

O número de suspeitos pelas mortes de mais de 6 milhões de judeus durante o Holocausto nazista está diminuindo. Dezenas de milhares de potenciais culpados, entre guardas, comandantes, médicos, burocratas e soldados, morreram como membros respeitados de sua comunidade, sem nunca terem tido que enfrentar um dia sequer em um tribunal ou passar um único dia na prisão.

À medida que os sobreviventes envelheciam, a Alemanha, já unida, começou a enfatizar a importância da lembrança e da punição aos culpados, dando um lugar de destaque a um memorial do Holocausto no coração de sua nova capital e estabelecendo fundos no valor de milhões para compensar vítimas.

Nas últimas décadas, os tribunais também mudaram de perspectiva, seguindo decisões importantes em 2011 e 2015 que estabeleceram que indivíduos que desempenhavam papeis de apoio em crimes nazistas poderiam ser condenados pelo crime de cumplicidade.

Na semana passada, outro ex-guarda de Stutthof, de 95 anos, foi acusado de crimes semelhantes.

A atividade de extrema direita continua atormentando a Alemanha. No início desta semana, um outro tribunal começou a julgar um alemão de 28 anos, acusado do ataque a uma sinagoga que deixou duas pessoas mortas e várias outras feridas.

O ataque foi o mais grave dos milhares de crimes cometidos contra judeus na Alemanha em 2019, o pior ano desde que o país começou a compilar esses casos em 2001.

Os promotores disseram que o réu naquele julgamento, Stephan Balliet, havia sido motivado pela crença de que "a raiz de todos esses problemas é o judeu".