Mundo Guerra na Ucrânia

Após declarações de Biden, secretário de Estado diz que EUA não têm estratégia de mudança de regime na Rússia

Durante visita a Jerusalém, Blinken tenta suavizar discurso de presidente americano, que disse que gostaria de ver Putin longe do Kremlin; declaração de Biden atraiu críticas fora e dentro dos EUA
O secretário de Estado, Antony Blinken, durante visita a Jerusalém Foto: JACQUELYN MARTIN / AFP
O secretário de Estado, Antony Blinken, durante visita a Jerusalém Foto: JACQUELYN MARTIN / AFP

JERUSALÉM — Os EUA não têm nenhuma estratégia de mudança de regime para a Rússia, disse neste domingo o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, um dia depois de o presidente Joe Biden sugerir que o presidente russo, Vladimir Putin, "não pode continuar no poder" . A declaração de Biden, feita durante um discurso na Polônia, atraiu críticas fora e dentro dos EUA.

— [Como] a Casa Branca explicou ontem à noite, simplemente o presidente Putin não pode ter o poder de travar uma guerra ou engajar em uma agressão contra a Ucrânia ou ninguém — afirmou Blinken durante uma coletiva em Jerusalém. — Como sabem, e como nos ouviram dizer repetidamente, não temos uma estratégia de mudança de regime na Rússia ou em qualquer outro lugar, aliás. Nesse caso, como em qualquer outro, cabe à população do país em questão. Cabe ao povo russo.

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Esclarecimentos também foram dados por Julianne Smith, a embaixadora dos EUA na Organização do Tratado do Atlântico Norte ( Otan ), que buscou contextualizar a declaração dizendo que ela foi dada depois de Biden ter conversado com refugiados da Ucrânia em Varsóvia —a invasão russa, que já dura mais de um mês , forçou um quarto da população do país a deixar suas casas.

— No momento, acho que foi uma reação humana às histórias que ele ouviu naquele dia — disse Smith à CNN, acrescentando: — Os EUA não têm uma politica de mudança de regime na Rússia. Ponto final.

Por meses, a Rússia afirma que a pressão internacional contra o país é uma tentativa de "mudança de regime", algo que a Casa Branca sempre negou.

No sábado, no entanto, em um discurso que marcou o fim de uma viagem à Europa voltada a reforçar a aliança internacional contra a Rússia, Biden centrou suas críticas contra o líder russo, afirmando que ele "sufoca" a democracia e que o mundo deveria urgentemente confrontar uma Rússia autocrática que ameaça a segurança e a liberdade globais. No final de sua fala, sugeriu que gostaria de vê-lo longe do Kremlin.

— Teremos um futuro diferente, mais brilhante, enraizado na democracia e princípios, na esperança e na luz. Pelo amor de Deus, esse homem não pode continuar no poder — disse Biden em Varsóvia, capital da Polônia.

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Em resposta às declarações, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, afirmou à Reuters que a mudança no poder "não é algo a ser decidido pelo sr. Biden", acrescentando que "o presidente da Rússia é eleito pelos russos".

Mais tarde, Perkov afirmou à russa RBC que Biden claramente era "vítima de muitos equívocos".

— Esse discurso, e as passagens que concernem à Rússia, é espantoso, para usar palavras educadas — disse. — Ele não entende que o mundo não se limita aos EUA e à maior parte da Europa.

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Já o presidente da Duma (Câmara Baixa do Parlamento russo), Vyacheslav Volodin, sugeriu que Biden precisava de acompanhamento médico:

— É assim que uma pessoa fraca e doente se comporta; psiquiatras serão capazes de explicar melhor seu comportamento — disse Volodin no sábado. — Os cidadãos americanos deveriam se envergonhar de seu presidente.

Os comentários de Biden, incluindo uma declaração mais cedo no sábado em que chamou Putin de " carniceiro ", representaram uma forte escalada retórica dos EUA em relação à Rússia por sua invasão da Ucrânia e também foram vistos com ressalvas por aliados, como o presidente da França, Emmanuel Macron.

Neste domingo, Macron disse ao canal France 3 TV que não "usaria esse tipo de expressão porque continuo a manter discussões com o presidente Putin", referindo-se às tentativas diplomáticas de Paris de conseguir a retirada da população que permanece na sitiada Mariupol, bem como de alcançar um cessar-fogo e a saída das tropas russas da Ucrânia.

— Queremos parar a guerra que a Rússia lançou na Ucrânia sem escalada, esse é o objetivo — disse Macron. — Se isso é o que queremos fazer, não devemos escalar as coisas nem com palavras ou ações — acrescentou.

O diplomata-chefe da União Europeia, Josep Borrell,  por sua vez, disse que o bloco não quer uma mudança de regime.

— Isso é algo para os cidadãos russos decidirem, se é claro que podem decidir isso —  disse Borrell,  neste domingo, quando questionado sobre o comentário de Biden. — O que buscamos no caso da Rússia é impedir que a agressão [continue]. Esse é o nosso objetivo.

Nos EUA, republicanos disseram que as declarações de Biden foram um improviso infeliz.

O senador James Risch, o republlicano mais graduado na Comissão de Relações Exteriores do Senado, descreveu a fala como uma "gafe horrorosa", afirmando que preferia que o presidente não tivesse saído do script.

— A maioria das pessoas que não lidam com relações exteriores não percebe que aquelas nove palavras causariam o tipo de reação que causaram — afirmou à CNN. — Vai provocar um grande problema.

Da mesma comissão, o senador Rob Portman afirmou que a declaração "serve para os propagandistas russos e para o presidente Vladimir Putin, então é um erro."

No Twitter, o diplomata veterano Richard Haass, presidente do think-tank the Council on Foreign Relations, disse que a declaração tornava "uma situação perigosa mais perigosa".

Em mais esclarecimento da fala de Biden, o secretário de Estado americano também afirmou neste domingo que a estratégia dos EUA é "apoiar de forma forte a Ucrânia."

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— Temos uma estratégia de pôr uma pressão sem precedentes sobre a Rússia, e estamos mantendo isso em andamento E temos uma estratégia de assegurar todo o apoio humanitária que pudermos, e temos uma estratégia de reforçar a Otan — afirmou, referindo-se à aliança militar ocidental liderada por Washington.

Acordo nuclear com o Irã

Liz Truss, secretária de Relações Exteriores do Reino Unido, também afirmou que o país não está pressionando por uma mudança de regime.

— É bom, em princípio, incentivar o bom comportamento, não encorajar o pior comportamento, sugerindo que não há mais nada a perder — disse um alto funcionário britânico.

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Um alto funcionário turco reiterou que “queimar pontes” com a Rússia não ajudaria a acabar com o conflito, acrescentando que era importante tentar entender a posição de Moscou. Ancara, que tem se esforçado para manter laços estreitos com Moscou e Kiev desde a invasão no mês passado, procurou atuar como mediadora.

— Os ucranianos precisam ser apoiados por todos os meios possíveis para que possam se defender, mas o caso russo deve ser ouvido, de uma forma ou de outra — disse Ibrahim Kalin, um importante assessor do presidente Recep Tayyip Erdogan, em uma conferência em Doha, no Catar. — Se todos queimam pontes com a Rússia, quem vai falar com eles, no final do dia?

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Blinken foi a Jerusalém como parte de uma visita para discutir o programa nuclear iraniano com o chanceler israelense, Yair Lapid. Segundo o secretário de Estado, os EUA e Israel estão comprometidos em impedir que o Irã obtenha uma bomba atômica, em um momento em que os dois países expressaram suas diferenças sobre as negociações realizadas com Teerã para retomar o acordo nuclear de 2015, abandonado de forma unilateral pelo governo do ex-presidente Donald Trump em 2018.

— Na questão mais importante, nós concordamos. Estamos ambos comprometidos, estamos determinados que o Irã nunca terá uma bomba nuclear — disse Blinken a repórteres em Jerusalém, ao lado do chanceler israelense. — Biden acredita que retornar a uma implementação completa do acordo é a melhor maneira de colocar o programa iraniano de volta na caixa em que ele escapou quando os Estados Unidos se retiraram do acordo.

O acordo de 2015, assinado entre o Irã, EUA, França, Alemanha, Reino Unido, Rússia e China, permitiu o levantamento de sanções econômicas internacionais contra o Irã em troca de limitações estritas de seu programa nuclear. Após deixarem o acordo sob Trump, os EUA estabeleceram um regime ainda mais duro de sanções, conhecido como a política de "pressão máxima", ainda em vigor.

As negociações, retomadas no ano passado, pareciam perto de um acordo há semanas, mas a Rússia tem feito exigências de última hora aos Estados Unidos, insistindo que as sanções impostas a Moscou por sua invasão da Ucrânia não deveriam afetar seu comércio com o Irã.