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Baixa popularidade de presidentes abre caminho para crises de governabilidade na América Latina

Analistas apontam para riscos de 'giros autoritários', mas dizem ser baixo o risco de golpes militares; pressão da socidedade por vezes arrasta líderes para o populismo
Presidente da Argentina, Alberto Fernández (E) ao lado do presidente do Chile, Gabrel Boric (D), em Buenos Aires Foto: AGUSTIN MARCARIAN / REUTERS
Presidente da Argentina, Alberto Fernández (E) ao lado do presidente do Chile, Gabrel Boric (D), em Buenos Aires Foto: AGUSTIN MARCARIAN / REUTERS

BUENOS AIRES — Em 2009, a média de popularidade dos presidentes latino-americanos rondava 60%. Após algumas crises econômicas e financeiras, somadas a uma pandemia que causou estragos na região mais desigual do mundo, esse percentual caiu para 30%, de acordo com dados da especialista chilena Marta Lagos, diretora da empresa de consultoria e opinião pública Latinobarómetro.

Ao observar os baixos índices de aprovação da grande maioria dos chefes de Estado da América Latina, Marta e outros analistas ouvidos pelo GLOBO alertam sobre períodos, no curto e médio prazo, de crises de governabilidade, convulsão social e até mesmo a possibilidade de interrupções de mandatos presidenciais.

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A queda de índices de popularidade não é exclusiva de chefes de Estado latino-americanos. Nos EUA, o aumento da inflação e questionamentos sobre sua liderança global, desgastaram a aprovação de Joe Biden, hoje em torno de 40%, nível comparável apenas aos de presidentes impopulares, que governaram o país por apenas quatro anos.

Na região, um dos países que preocupam é o Chile, onde Gabriel Boric foi empossado em 11 de março passado com cerca de 50% de aprovação, e hoje amarga 27,8%, segundo pesquisas recentes.

— Vejo muitas lutas pelo poder, sem importar as consequências para o país. Teremos crises de governabilidade na América Latina — frisa a diretora da Latinobarómetro.

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Na Argentina, o presidente Alberto Fernández, que ainda tem quase dois anos pela frente no poder, é aprovado por só 17% da população. Na Colômbia, o presidente Iván Duque, na reta final dos quatro anos de mandato, atinge 23% de aprovação. No Peru, hoje um dos países mais politicamente instáveis da região, Pedro Castillo, que assumiu o poder em meados de 2021, chega a 26% e vive às voltas com tentativas da oposição de derrubá-lo no Parlamento. No Brasil, as últimas pesquisas mostram Jair Bolsonaro com 25% de aprovação.

Giros autocráticos

Restam poucos oásis em termos de apoio ao governo na América Latina. Um deles é o México de Andrés Manuel López Obrador, que tem 59% de imagem positiva. O outro é o Uruguai, governado por Luis Lacalle Pou, que acaba de vencer um referendo sobre as reformas impulsionadas por seu governo e detém 50%.

— Alguns elementos explicam esse cenário: além de sermos a região mais desigual e uma das mais violentas do mundo, tivemos 30% dos contaminados na pandemia da Covid-19, sendo que representamos apenas 8% da população mundial. A região vive um estresse importante, e os governos são mais cobrados — diz o argentino Carlos Fara, diretor da Fara e Associados.

Ele é um dos vice-presidentes da Associação Internacional de Consultores Políticos e costuma conversar sobre a crise dos presidentes num grupo de WhatsApp com colegas latino-americanos. Fara, como Marta, prevê uma fase de forte instabilidade, na qual alguns presidentes podem não finalizar seus mandatos.

— Há riscos, embora eu, pessoalmente, acredite que na Argentina isso não ocorrerá. Mas muitos presidentes estão complicados, o caso de Castillo no Peru é muito delicado — afirma Fara.

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Os analistas consultados não apontaram a possibilidade de golpes militares como saídas para as crises de governabilidade na região. Mas alertam, sim, para giros autocráticos, como aconteceu no El Salvador.

Na visão de Maxi Aguiar, diretor de uma empresa de consultoria política que trabalha no Peru, Argentina, México e Equador, “o preocupante é o cada vez mais baixo índice de aprovação a regimes democráticos”.

— Em países como Peru, Paraguai e Colômbia, mais de um terço da população estaria de acordo com medidas do Executivo que violem o marco institucional. As pessoas sentem que as instituições democráticas não estão resolvendo seus problemas, isso há 15 anos era totalmente diferente — diz Aguiar.

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Os presidentes da pós pandemia são frágeis, em sua grande maioria, e enfrentam sociedades impacientes e intolerantes. Em muitos países existe uma tensão institucional permanente, que os presidentes, em muitos casos, não conseguem contornar.

O governo de Boric, no Chile, acaba de perder uma votação no Parlamento , onde convivem mais de 20 partidos políticos. Essa derrota, embora tenha sido comemorada em silêncio pela equipe econômica — que não queria liberar mais recursos da Previdência, para evitar uma escalada maior da inflação —, pode custar ao jovem presidente outros dez pontos percentuais de apoio, acredita Marta.

Boric e Castillo emergiram como consequência do descrédito dos partidos políticos tradicionais, mas isso os coloca perante o desafio de governar sem uma base política de sustentação forte. Mais uma fraqueza que instala incertezas no horizonte. Sem uma base forte, e em meio a uma crise econômica em muitos casos severa, eventuais convulsões sociais parecem quase inevitáveis.

— Para fazer uma análise muito brutal, a credibilidade dos presidentes é derrubada pela falta de dinheiro. Finalmente, a economia é determinante para o estado da democracia — assegura a diretora da Latinobarómetro.

Aposta no populismo

Com baixos índices de aprovação e demandas cada vez mais fortes da sociedade, os presidentes latino-americanos muitas vezes, acrescenta Marta, acabam optando pelo populismo para sobreviver. Num mundo de redes sociais e necessidade de imediatismo para tudo, os governos também são cobrados por soluções rápidas e eficientes. Quando essas soluções não chegam, o desgaste começa, cada vez em ritmo mais acelerado.

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A dicotomia, explica Marta, é “entre ser populista ou fazer o que deve ser feito, deixando que as pessoas atirem pedras e que os índices de popularidade despenquem”. O castigo social não distingue entre esquerda e direita, presidentes que não entregam resultados são punidos.

Na Colômbia, o presidente Duque, de centro-direita, teve baixos índices de aprovação durante grande parte de seu mandato e hoje, afirma Rodrigo Torres, diretor da empresa de consultoria Valora Analitik, cerca de 80% dos colombianos desaprovam o governo.

— Existe uma preocupação enorme pela economia e a corrupção. Os riscos que vejo é que muitos países girem para o populismo — opina Torres.

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Com democracias e partidos políticos desacreditados, sociedades insatisfeitas e impacientes, e presidentes fragilizados, os países latino-americanos navegam em águas turbulentas, com risco de naufrágios. Os protestos sociais vistos no Chile em 2019 e na Colômbia em 2020, entre outros, poderiam se repetir em outros países. O que está em jogo, conclui a diretora da Latinobarómetro, é a governabilidade na região.