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Biden proporá negociações a Maduro em troca da redução das sanções

Novo governo americano pretende pressionar por eleições livres e justas, de acordo com fontes
O presidente Nicolás Maduro durante entrevista no Palácio de Miraflores, em Caracas Foto: MARCELO GARCIA / AFP
O presidente Nicolás Maduro durante entrevista no Palácio de Miraflores, em Caracas Foto: MARCELO GARCIA / AFP

WASHINGTON — Os assessores do presidente eleito dos EUA, Joe Biden, estão se preparando para negociar com o regime de Nicolás Maduro na Venezuela , em um esforço para acabar com a pior crise econômica e humanitária do continente americano, de acordo com três pessoas familiarizadas com o assunto.

O governo Biden pretende pressionar por eleições livres e justas, oferecendo em troca o alívio das sanções, disseram as fontes, que pediram anonimato porque a nova equipe está se formando. Em um distanciamento do governo Trump, que insistiu que só negociaria os termos da rendição de Maduro, os conselheiros de Biden não definem isso como uma pré-condição e estão abertos a conversas diretas.

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Segundo as fontes, a equipe analisará as sanções existentes para determinar onde expandir as restrições com a ajuda de aliados internacionais e quais medidas podem ser suspensas se Maduro se mover em direção ao objetivo democrático. Espera-se que os apoiadores estrangeiros de Maduro, incluindo Rússia, China e Irã, tenham um papel, assim como Cuba, que deseja melhorar as relações com os EUA .

Os assessores de Biden consideram a crise da Venezuela o maior desafio diplomático que ele enfrentará na região. Mais de 5 milhões de pessoas fugiram do país sul-americano nos últimos anos, escapando de convulsões econômicas implacáveis pontuadas por violência de gangues, falhas de energia, escassez generalizada de alimentos e a hostilidade do governo à dissidência.

Custo econômico

Maduro sinalizou interesse em melhorar as relações quando Biden assumir o cargo, em janeiro, expressando seu desejo de que o novo governo alivie as sanções que têm prejudicado o país. A economia venezuelana deve se contrair em um terço em 2020, de acordo com a consultoria Ecoanalitica, de Caracas. Internamente, Biden cumprirá sua promessa de manter o status de proteção temporária, que permitiria aos venezuelanos que fugiram para os EUA permanecer no país, disseram as fontes. Um porta-voz da transição Biden-Harris não quis comentar.

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Uma das questões mais espinhosas para Biden é como ele lidará com a reivindicação do líder da oposição Juan Guaidó . Os EUA e mais de 50 países reconheceram o opositor como presidente interino no início de 2019, quando ele assumiu o comando da Assembleia Nacional, reivindicando o cargo com o argumento de que  Maduro havia fraudado a eleição de maio de 2018, quando foi reeleito.

Apesar de ter exercido o poder durante o período de maior deterioração do país rico em petróleo, desde a sucessão do falecido presidente Hugo Chávez, em 2013, e dos esforços ao longo dos anos para tirá-lo do poder, Maduro continua desafiadoramente no comando. No início deste mês, seus partidários conquistaram o controle do Parlamento após um boicote da oposição às eleições legislativas. Canadá, Colômbia, Brasil e EUA foram os primeiros a rejeitar os resultados.

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Agenda da oposição

Em teoria, Guaidó perderá sua cadeira de presidente da Assembleia Nacional da Venezuela em 5 de janeiro. Biden assume o cargo em Washington apenas duas semanas depois. Desde o final de novembro, a equipe do líder opositor tenta conseguir um contato telefônico com Biden, sem sucesso até agora, disseram três pessoas familiarizadas com os esforços. Guaidó e seus aliados pretendem conduzir um Parlamento paralelo, argumentando que têm o mandato constitucional de permanecer no cargo até que haja uma eleição livre e justa. Muitos opositores estão escondidos ou exilados, pois enfrentam ameaças à sua segurança pessoal.

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Os assessores de Guaidó se recusaram a comentar o assunto.

O governo Biden pretende se guiar pela avaliação dos opositores e do que emergir como um consenso nacional. Isso pode levar algum tempo para ser resolvido. O apoio popular a Guaidó diminuiu com as tentativas fracassadas de tirar Maduro do poder. Até mesmo alguns aliados do líder opositor relutam em apoiar uma Presidência interina indefinidamente. Ao mesmo tempo, a oposição está rachada. O ex-candidato à Presidência Henrique Capriles vem criticando publicamente Guaidó , dizendo que falta um líder efetivo ao movimento anti-Maduro, enquanto Henri Falcón, que concorreu contra Maduro em 2018, criticou o boicote da oposição às eleições.

Com Guaidó lutando para permanecer relevante em Washington, alguns de seus conselheiros sugeriram o objetivo de lutar pela realização de "megaeleições" no próximo ano — desde que sejam atendidas as condições para salvaguardar o processo. O pleito elegeria um novo presidente e um novo Parlamento, bem como realizaria eleições para governador já agendadas, segundo quatro pessoas a par das discussões.

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Solução negociada

Negociações anteriores entre o regime de Maduro e os oponentes do governo muitas vezes saíram pela culatra para a oposição, que não teve nenhum de suas exigências atendidas, o que os levou a ver com desconfiança possíveis negociações.

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Para complicar as coisas, Trump também falou várias vezes de  uma "opção militar", embora seus conselheiros não a desencorajassem publicamente. Em março, o Departamento de Estado pediu a Maduro e Guaidó que se afastassem e permitissem que um governo de transição assumisse o poder para convocar eleições. Essa proposta também não conseguiu quebrar o impasse.

Em seu impulso para o alívio das sanções, Maduro tem um aliado improvável na comunidade empresarial dos EUA. Um grupo de credores venezuelanos tem feito lobby para que o Departamento do Tesouro levante suas restrições à negociação de títulos do país, restriçoes que fizeram com que o valor dos títulos despencasse. Outros executivos estão de olho em licenças que lhes permitiriam entrar na exploração de uma das maiores reservas de petróleo do mundo.

Uma preocupação mais imediata é como facilitar o envio de ajuda humanitária para lidar com a crescente crise alimentar. Maduro bloqueou um acordo para permitir que a agência de alimentos das Nações Unidas entre no país porque insiste em controlar a distribuição. O novo governo dos EUA se comprometeu a trabalhar com organizações multilaterais em questões humanitárias, mas não está claro o que será necessário para romper o impasse.