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Câmara do Chile aprova plebiscito para nova Constituição, mas rejeita cotas para mulheres e índios

Pressão da oposição para paridade de gênero é barrada por quórum de 60%, mas deputados dizem que vão insistir
Câmar dos Deputados do Chile, em Valparaíso, durante votação nesta quarta-feira Foto: El mercurio
Câmar dos Deputados do Chile, em Valparaíso, durante votação nesta quarta-feira Foto: El mercurio

SANTIAGO - No dia em que os protestos no Chile completam dois meses, a Câmara dos Deputados chilena aprovou o projeto de reforma constitucional no país. Com 127 votos a favor, 18 contra e 5 abstenções, os parlamentares aprovaram a realização de um plebiscito no dia 26 de abril consultando a população sobre seu desejo de mudar a Carta Magna, herdada da ditadura de Augusto Pinochet.

Mesmo assim, a pressão exercida pelas ruas e por setores de esquerda para estabelecer paridade de gênero e cotas para povos originários entre os deputados constituintes, além da possibilidade de que candidatos independentes concorressem, não surtiu efeito, e as propostas foram derrotadas. As cotas, que foram tema de calorosos debates ao longo do dia, exigiam apoio de 60% dos deputados presentes, ou 93 deputados, mas foram apoiadas só por 80 deles. Houve 62 votos contra e 7 abstenções.

O documento agora passa ao Senado, para continuar seu trâmite legislativo. Deputados da oposição disseram que vão tentar que o Senado inclua as cláusulas derrotadas.

Além disso, pouco depois da Câmara rejeitar a paridade de gênero, a Comissão de Constituição da Câmara aprovou uma lei, que ainda precisa ir a plenário, que estabelece paridade de gênero e facilita candidaturas independentes. A lei foi proposta por 12 deputadas da Renovação Nacional (RN), partido de centro-direita do presidente Sebastián Piñera.

O plebiscito de abril perguntará à população se é necessária uma nova Constituição, e por qual mecanismo ela deve ser elaborada: por uma “convenção constituinte”, formada por 155 deputados eleitos com mandato exclusivo, ou então por uma convenção constitucional mista de 172 membros, entre representantes do atual Congresso e novos deputados constituintes.

Também foi aprovado um “plebiscito de saída”, ao fim do processo constituinte. Os deputados determinaram que, caso a nova Constituição seja reprovada pela população ao término do processo, então a atual Carta permanecerá vigente.

A direita chilena alinhou-se para rejeitar paridade de gênero, candidaturas independentes e cotas para povos indígenas, depois que a herdeira do pinochetismo União Democrática Independente (UDI), que faz parte da coalizão do governo do presidente Sebastián Piñera, ameaçou rejeitar completamente a reforma constitucional e votar contra o plebiscito.

O Evópoli, de centro-direita, também votou contra, enquanto o Renovação Nacional (RN), de Piñera, dividiu seus votos na votação. Posteriormente, contudo, foram deputados da RN que apresentaram a lei orgânica de paridade de gênero na Comissão de Constituição.

Uma nova Constituição é considerada uma via institucional para canalizar as insatisfações que agitam as ruas chilenas desde 18 de outubro. Desde então, a resistência da UDI a aceitar mudanças é tida como uma das principais causas para a dificuldade do governo e da classe política de dar respostas às mobilizações. Desde o começo dos protestos, Piñera viu sua popularidade esvair-se e atingir um mínimo histórico de 14% de aprovação.

Mecanismos de paridade de gênero

Haviam sido propostos dois mecanismos concomitantes para estabelecer paridade de gênero. Em primeiro lugar, seria estabelecida uma cota de 50% para cada gênero nas listas registradas pelos partidos e pelos candidatos independentes que concorressem à Constituinte. Cada lista seria encabeçada por uma candidata e seria sucessivamente ordenada alternando indicações de mulheres e de homens.

Haveria, também, um mecanismo de correção pós-eleitoral, que determinaria que, em distritos que elegem um número par de deputados constituintes, metade seria de cada gênero. No caso de distritos ímpares, entretanto, se cinco cadeiras fossem escolhidas, apenas três poderiam corresponder ao mesmo sexo.

Com relação aos  povos originários, o texto não aprovado reservava “18 cadeiras para a representação dos povos indígenas aimara, quíchua, atacameño ou likan antay, diaguita, colla, rapanui, kawésqar, yagan e mapuche” .

Quanto às candidaturas independentes, dois ou mais candidatos independentes poderiam concordar com um pacto eleitoral e competir como uma lista, desde que obtivessem um número de assinaturas equivalente a 0,4% das pessoas que votaram em pleitos anteriores no distrito onde concorreriam.

Mais cedo,  um grupo de sete feministas fez um protesto no salão da Câmara, exigindo a aprovação da paridade de gênero. Há relatos de que o deputado Boric possibilitou que elas ingressassem na Câmara, e ele corre o risco de ser penalizado pela Comissão de Ética pelo incidente.