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Chanceler da Áustria renuncia após abertura de investigação de corrupção pelo Ministério Público

Líder conservador propõe o ministro das Relações Exteriores como substituto para manter o governo com Os Verdes
Sebastian Kurz, chanceler austríaco que está sendo investigado por corrupção, logo após fazer um discurso em Viena no qual anunciou sua renúncia Foto: LISI NIESNER / REUTERS
Sebastian Kurz, chanceler austríaco que está sendo investigado por corrupção, logo após fazer um discurso em Viena no qual anunciou sua renúncia Foto: LISI NIESNER / REUTERS

VIENA - Depois de dias de forte tensão e crise política devido à investigação aberta contra ele pelo Ministério Público por suspeitas de corrupção, o chanceler conservador Sebastian Kurz, da Áustria, anunciou a sua renúncia neste sábado.

A medida veio depois que os parceiros de Kurz no governo ameaçaram sair da coalizão, a menos que o Partido do Povo (ÖVP) o substituísse.

— Admito que não é um passo fácil para mim — disse Kurz a repórteres em entrevista coletiva em Viena. — Meu país é mais importante do que minha pessoa. O que ele precisa é de estabilidade.

A investigação criminal aberta pelo Ministério Pública apura alegações de que Kurz usou dinheiro federal para pagar pesquisas e jornalistas por uma cobertura favorável.

Kurz, que rejeita as acusações da Justiça como falsas, propôs como substituto no cargo o atual ministro das Relações Exteriores, Alexander Schallenberg, para tentar manter o pacto do governo com Os Verdes, que exigiam sua saída desde o início do escândalo.

— Quero abrir mão do espaço para evitar o caso — disse Kurz durante aparição, na qual não respondeu perguntas.

Kurz anunciou que continuará à frente de seu partido e que agora pretende ocupar o cargo de porta-voz do grupo parlamentar, enquanto responde ao inquérito.

Kurz atribuiu sua decisão aos Verdes, com quem formou uma coalizão de governo há menos de dois anos, em janeiro de 2020.

— Nosso parceiro de coalizão decidiu adotar uma posição clara contra mim — disse Kurz, afirmando que isso o levou a "um beco sem saída".  — A pandemia ainda não acabou, a crise econômica apenas começou e uma deriva para o caos durante meses seria irresponsável.

Apenas 24 horas antes, o líder havia insistido que não havia cometido nenhum crime e ainda estava disposto a manter viva a coalizão do governo com Os Verdes como parceiro minoritário.

Os ambientalistas, porém, deixaram claro na sexta-feira que a investigação da Justiça, que coloca Kurz no centro de um complô com outras nove pessoas para supostamente financiar com dinheiro público uma cobertura midiática favorável à sua imagem, inviabilizou a continuidade dos trabalhos com ele na chefia do Executivo.

— O ÖVP tem a responsabilidade de nomear uma pessoa irrepreensível para o cargo de chanceler — alertou a porta-voz do grupo parlamentar de ambientalistas, Sigrid Maurer, na sexta-feira, junto com o vice-chanceler e líder verde, Werner Kogler.

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Na quinta-feira, Kogler questionou publicamente a capacidade de Kurz de continuar a liderar o governo diante das "graves suspeitas" lançadas pelo Ministério Público, que formam uma imagem "devastadora".

Com a coalizão prestes a se desintegrar, os Verdes iniciaram negociações com os partidos de oposição na sexta-feira para buscar uma saída. Sociais-democratas, liberais (Neos) e a extrema direita (FPÖ) apresentaram uma moção de confiança ao Parlamento, cuja apreciação foi agendada para terça-feira.

A censura de Kurz, que teria implicado em sua saída do cargo, só precisava de alguns votos dos Verdes para avançar. Embora estes ainda não tivessem se pronunciado, tudo indicava que apoiariam a queda do chanceler.

No entanto, os ambientalistas deixaram a porta aberta para que os conservadores  afastassem Kurz e indicassem um substituto em suas fileiras para manter a coalizão. Ao manterem a coalizão, Os Verdes evitam um cenário complicado, que poderia levar a eleições antecipadas ou a um possível governo de concentração do restante do arco parlamentar, formado pelos Verdes, os sociais-democratas (SPÖ), os liberais e a extrema direita (FPÖ)  uma colaboração difícil de digerir para o resto dos partidos. Neste sábado, Kurz classificou esta possível coalizão como um "experimento" que dependeria da aprovação dos extremistas.

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O governo começou a vacilar na última quarta-feira, quando o Ministério Público fez uma operação de busca e apreensão na sede do ÖVP em Viena e em escritórios da Chancelaria, e também apontou o líder conservador e um círculo estreito de colaboradores como suspeitos de peculato e suborno.

Kurz rejeitou as acusações e seu partido acusou o Ministério Público de agir por motivos políticos. O Partido do Povo da Áustria e seus ministros respaldaram o líder e asseguraram que não haveria governo possível sem sua presença até a tarde deste sábado. O líder agradeceu a seus ministros pelo apoio.

Kurz evitou assim um segundo voto de confiança desde que foi nomeado chanceler pela primeira vez em dezembro de 2017, com apenas 31 anos e após uma brilhante carreira nas fileiras conservadoras. A primeira coalizão que ele formou, com a extrema direita (FPÖ), ruiu um ano e meio depois, quando um vídeo gravado com uma câmera escondida em Ibiza foi divulgado pelo então vice-chanceler e líder extremista Heinz-Christian Strache, em que afirmava a um oligarca russo que todos os partidos arrecadam dinheiro de grandes empresas e recebem doações irregulares de campanha.

O líder conservador foi deposto pelo Parlamento após quebrar o pacto com os extremistas, mas venceu as eleições antecipadas novamente e formou governo com Os Verdes em janeiro de 2020.

O caso de Ibiza projetou uma sombra sobre o governo de Kurz. Vários casos foram abertos na Justiça como como resultado do escândalo, tendo como alvo colaboradores próximos e membros do ÖVP. Ele próprio enfrenta uma investigação por suposto falso testemunho perante a comissão parlamentar criada para analisar as suspeitas de financiamento ilegal de partidos e práticas de obstrução derivadas desse vídeo. A nova investigação finalmente foi uma acusação pesada demais para continuar à frente do governo.